◆◆◆◆◆

- Tchau, mamãe! - Eve disse, pulando para fora do carro, com a mochila de unicórnios pendurada nas costas. Seus cabelos negros e longos balançavam para lá e para cá conforme ela caminhava em direção à entrada da escola com outras crianças a seguindo.
- Tenha um bom dia, querida! - gritei para ela, mas à essa altura já estava tão entretida em uma conversa com um de seus colegas que nem me ouviu.
Sacudi a cabeça, sorrindo e dei a partida no carro.
Dirigi até o centro da cidade, onde a maioria dos estabelecimentos comerciais se encontravam. Estacionei o carro em frente ao prédio de tijolos avermelhados onde havia uma enorme placa branca onde estava escrito em letras pretas e simples:

BENNETT & LOCKWOOD
Empreendimentos

Peguei minha bolsa preta de couro sobre o banco do passageiro e sai do automóvel. Caminhei em meus saltos, aproveitando o sol fraco e a brisa da manhã, até perceber a figura parada em frente à porta de meu escritório. Pelo uniforme e a postura imponente, soube quem era.
- Bom dia, Bonnie - cumprimentou o rapaz loiro e alto.
Tirei os óculos escuros, sorrindo para ele, também.
- Bom dia, Matt. O que o traz ao meu humilde local de trabalho?
- Diz a dona de metade da cidade - ele riu.
Dei de ombros.
- Apenas metade. A outra é do Tyler.
- Isso não a faz menos rica que ele - provocou.
Há poucos anos atrás, depois de me formar na faculdade, ainda cuidando de um bebê e com a ajuda de meus amigos, decidi investir em um negócio próprio. Tyler detinha todo o dinheiro e a maior parte dos estabelecimentos locais que herdou com a morte de seus pais, porém, não sabia bem como gerenciar isso. Então, propus uma parceria e com tempo abrimos um escritório para atender todos os nossos parceiros e também investimos em negócios imobiliários. Para uma cidade pequena, até que tínhamos um bom empreendimento. 
- E falando no diabo… - prosseguiu o policial - Onde está aquele idiota? Eu fiquei parado aqui mais de trinta minutos esperando alguém aparecer.
- Desculpe pela demora, eu sempre levo Eve na escola nesse horário. E você está cansado de saber que o Tyler aparece apenas à tarde.
Ele deu um tapinha na própria testa ao se lembrar.
- Como consegue ser o xerife da cidade e colocar ordem em toda essa onda sobrenatural que temos e não conseguir se lembrar o horário que seu melhor amigo vem trabalhar? - ri, vendo-o revirar os olhos azuis.
Sua expressão divertida logo mudou para seriedade. Eu sabia que não estava mais falando com Matt, meu melhor amigo de infância, e sim o Xerife Donovan.
- Na verdade, eu não vim falar com o Tyler.
- Veio falar comigo? - ergui uma sobrancelha - Uau. Eu fiz algo errado, xerife?
Mesmo que por fora eu estivesse aparentando toda a calma do mundo, por dentro eu estava em polvorosa, repassando todos os atos sombrios e suspeitos que havia cometido na semana passada. Me perguntei se em algum deles eu fui avistada? Teria algum de meus vizinhos denunciado a mulher estranha andando pelo bosque tarde da noite? Alguém me viu arrastando um vampiro acorrentado e desmaiado até o porta malas do carro?
Segurei a vontade quase angustiante de olhar para o automóvel estacionado no meio fio. Seria idiotice fazê-lo logo na frente a pessoa que poderia me prender por isso.
- Na verdade, não - esclareceu o rapaz - Eu só preciso fazer algumas perguntas.
- Claro - forcei um sorriso - Vamos entrar.
Destranquei a porta de vidro e adentramos a pequena recepção, porém muito bem decorada. A escrivaninha onde normalmente ficava nossa secretária, Elize, estava vazia, pois ela chegaria depois. Eu sempre vinha mais cedo para organizar a papelada do dia. Depois de preparar um café que ofereci à Matt, nos sentamos em minha sala. Por detrás da escrivaninha pude ver o sol surgindo em todo o seu esplendor e iluminando toda a cidade. Matt também encarava a vista que a parede de vidro fumê proporcionava.
- Vista bonita - apontou - Em todos esses anos eu nunca havia entrado na sua sala - ele riu - É bem mais bonita e organizada que a de Tyler.
Dei um gole em meu próprio café preto tentando mascarar minha garganta seca.
- O famoso toque feminino - comentei, baixando a xícara - Mas aposto que não veio aqui para falar da minha decoração.
- Não - assentiu, abaixando ele mesmo a sua xícara para o tampo da mesa. Matt acomodou-se na poltrona de couro cinza, juntando as mãos pensativamente.
- Você soube da ventania estranha que houve pela cidade, não é? - questionou.
- Sim - afirmei, estranhando aquela pergunta - Foi uma loucura.
- Bem, eu averiguei o caso e o único ponto da cidade em que houve outros acontecimentos estranhos foram na sua rua. Pelo que entendi, os carros começaram a andar sozinhos. Todos, aparentemente, convergindo na mesma direção. A sua - ele ergueu uma sobrancelha loira - Estou certo?
Foi minha vez de recostar contra a cadeira de couro, o encarando inquisitivamente. 
- Você falou com nossos amigos? - perguntei.
- Sim. Damon e Stefan. Eles me contaram tudo o que aconteceu naquela noite, que você e sua filha foram perseguidas por alguém.
- Desculpe, eu não posso dar uma descrição dessa pessoa - me adiantei, mentindo - Estava escuro demais e eu estava mais preocupada em proteger minha filha do que em tentar gravar o rosto de um estranho.
- Entendo - ele disse, ainda sério - Em todos esses anos tivemos problemas. Você sabe bem disso. Mas nada da magnitude do que houve nessa noite - ele fez uma pausa - Bonnie, se houver alguma coisa que queira me contar, algo que possa colocar você, sua filha ou qualquer um em risco preciso saber agora. Depois do que Lily fez com este lugar anos atrás, eu não posso mais arriscar deixar nada desse nível acontecer outra vez.
Seus olhos azuis estavam mirando os meus como dois raios laser. Matt tinha esse dom de fazer você se sentir super confortável perto dele, como também podia fazê-lo querer contar todos os seus segredos. Eu realmente estava me sentindo culpada por esconder algo tão grande assim dele, mas eu não podia arriscar. Eu não podia prever suas ações, assim como a do restante de meus amigos, ele podia acabar ficando violento e tentar matar Kai antes que eu conseguisse arrancar alguma coisa dele ou simplesmente me impedir de continuar com o plano que eu tinha em mente. Sinceramente eu não sabia exatamente o que queria: ser parada ou ter liberdade para praticar a revanche que esperei inconscientemente todos aqueles anos.
A última parecia muito mais tentadora.
- Eu não sei porque isso está acontecendo - assegurei, juntando as mãos sobre a mesa de vidro - Apenas saiba que isso não vai acontecer de novo. Eu garanto.
Ele continuou me fitando por um tempo imensurável, apenas se certificando de que o que eu estava dizendo era verdade. Não soube dizer se acreditou ou não, ele apenas ficou de pé e estendeu a mão para mim. A segurei e sacudi levemente.
- Se lembrar de alguma coisa, por menor que seja, não hesite em me ligar.
- Sim - forcei um sorriso.
Matt saiu da sala em passadas calmas e certeiras. Eu por outro lado, quase senti meu coração pular para fora do peito. Encostei na cadeira mais uma vez, fechando os olhos.
- Isso vai ser difícil - sussurrei para mim mesma.
Algumas horas mais tarde Tyler me ligou para avisar que não poderia vir para o período da tarde porque iria resolver outros assuntos fora da cidade, então, pediu para que eu fechasse o lugar. E como eu não tinha nada agendado para aquele dia resolvi dispensar Elize e ir para casa mais cedo. No meio da tarde fui buscar Eve na escola e passamos a tarde com Caroline e suas filhas. Nada muito diferente do nosso dia-à-dia.
Já passava das onze quando percebi que minha filha dormia em meus braços. Sorri para a menininha com o pijama azul de seda, assim como o meu. Ela adorava usar roupas que combinavam com as minhas, dizia que assim ficávamos parecidas. Eve sabia que não tinha herdado nenhuma característica minha, apenas a cor do cabelo, mas nunca perguntou sobre seu pai biológico. Era como se em seu interior ela soubesse que a pergunta iria me deixar triste. Eu era grata por isso, pois tremia só de pensar em ter que falar na pessoa que me machucou tanto, não queria que Eve se sentisse culpada por existir. Eu a amava mais de que poderia colocar em palavras, nunca me arrependi por amá-la um dia sequer.
Afastei uma mecha de seu cabelo que caía sobre seu rosto, sorrindo.
- Você nunca termina de assistir um filme inteiro - murmurei, vendo os créditos finais da animação que estávamos assistindo subindo pela tela escura.
Fiquei de pé com a menina nos braços e a levei para o seu quarto. Dei um beijo de boa noite em sua bochecha e com todo o cuidado para não acordá-la, abri a gaveta do criado mudo e peguei o aparelho branco e com uma antena sobre ele. A babá eletrônica. A liguei, vendo a luz vermelha se acender e a coloquei sobre o móvel.
- A mamãe promete que não demora muito - sussurrei, acariciando sua bochecha -  Eu te amo do tamanho do universo, Eve.
Fechei a porta com cuidado e subi as escadas para o meu quarto - que anteriormente fora de vovó, Sheila - e tirei o pijama exatamente igual ao de Eve e os substitui por uma calça jeans, blusa e botas. Prendi o cabelo longo em uma trança com rapidez e fui até o closet, cheio de roupas executivas, saltos altos e roupas do dia-a-dia, afastando os casacos pendurados em cabides que ficavam no fundo do armário. Logo abaixo deles, estava uma mochila preta que eu havia comprado naquele dia mesmo. Chequei tudo dentro dela e assim, desci as escadas de novo, segurando outro aparelho branco na mão, a outra babá eletrônica. Me doía ter que deixar Eve sozinha em casa, ainda mais à noite, porém, eu sabia que o real perigo estava preso em um lugar que eu conhecia muito bem. Sem falar no fato de que eu havia levantado uma barreira duas vezes mais forte em volta da casa e Eve apesar da pouca idade oferecia mais perigo à um invasor do que ele à ela.
- Você - apontei para Raizo sentado no hall de entrada como que à minha espera - Cuide da Eve enquanto eu estiver fora.
Ele sempre me odiou, mas em uma coisa concordávamos, aquela menina era importante para nós dois. Então, ele simplesmente deu a volta em mim e seguiu para o quarto dela.
Sai de casa, trancando a porta atrás de mim. Segui para a entrada da garagem onde o carro estava estacionado e dei a partida, seguindo pelas ruas calmas e silenciosas. Eu agradeci internamente ao fato de morar em uma cidade pequena, pois à essa hora quase tudo estava fechado e as pessoas em suas casinhas seguras longe de monstros e aberrações que estavam presentes nas sombras da história deste lugar desde muito antes de seu nascimento.
Dirigi para os limites da cidade, até a parte mais antiga e menos visitada com frequência. As luzes dos postes começavam à minguar até que houvesse apenas sombras e escuridão. Quando atingi um trecho onde as árvores eram mais abundantes, estacionei o carro.
Ao sair dele, fui atingida pela brisa fria da noite de primavera. Comecei a caminhar para dentro da floresta, sem me importar com o breu à minha volta. Andei em um ritmo lento e calmo, repassando todos os acontecimentos daquela semana em minha mente e isso me encheu de uma fúria renovada. Ao avistar as estruturas de pedra se sobressaindo do chão com grama alta eu soube que havia alcançado meu destino. Desviei das lápides rachadas e com inscrições apagadas pelo tempo. Ninguém se dava ao trabalho de vir ao antigo cemitério da cidade, à menos que quisessem ver algumas covas de ex-confederados. O que eu duvidava muito.
Precisei adentrar mais algumas passadas na floresta, até encontrar o que eu desejava: um antigo mausoléu abandonado. Ele não pertencia à nenhum dos fundadores com certeza. Como eu sabia disso? Havia tanta hera cobrindo suas paredes e parte da entrada que já nem se podia dizer que aquilo fora feito para abrigar algo. Apenas sabia da sua existência porque quando mais jovem eu gostava de ficar andando por essas bandas para praticar feitiços sem ter ninguém por perto para me interromper. Foi uma grande batalha contra a folhagem da entrada, mas com um pouco de paciência consegui adentrar o local escuro, empoeirado e lar de todas as aranhas de Mystic Falls.
Não tinha nada de muito grande e espetacular sobre aquele lugar, além de ser idêntico à todos os mausoléus que já vi. No entanto, aquele tinha algo de especial. Um porão. Ou que eu poderia chamar de extensão de espaço.
Havia uma entrada no outro extremo de sala com paredes onde corpos centenários de seus donos jaziam. Segui até lá, ajustando meus olhos à total escuridão do local. Tomei cuidado, enquanto descia a escada íngreme e cheia de limo, como havia feito na noite anterior. No sopé da escada, havia uma porta de metal com grades. Eu nunca soube qual foi o porquê em construir uma sala adjacente com grades sob um mausoléu abandonado, mas quem havia feito aquilo e com que propósito não estava mais entre nós para contar. Provavelmente.
Puxei a chave do bolso de trás calça e destranquei o cadeado novo, reluzente e reforçado que eu havia comprado exatamente para aquela ocasião. O rapaz simpático da loja havia dito que aquilo era forte o suficiente para conter um animal selvagem. Eu esperava que isso fosse verdade. Entrei na sala, escutando meus passos ecoavam no silêncio e tranquei a porta atrás de mim.
Com toda a calma acendi cada um dos candeeiros pendurados nas paredes, sem me utilizar de magia. Isso era muito importante e nunca deveria ser esquecido.
- Me abandonar assim foi muita maldade da sua parte, BonBon - disse a voz que logo tomou forma quando todas as luzes se acenderam.
- E você me fez pisar em uma armadilha de ursos - murmurei, sentando em uma cadeira dobrável de frente para o homem pálido e de olhos azuis amarrado contra uma cadeira de ferro de encosto alto - Quem foi mais cruel?
- Em minha defesa, foi você quem correu para a armadilha - deu de ombros.
O encarei de cima abaixo com uma sobrancelha erguida. Kai estava em um estado deplorável; as roupas manchadas de terra e sangue seco. Seu rosto pálido contrastava contra o fundo escuro da meia luz da sala. Eu havia dado sangue o suficiente para que ele pudesse ao menos ficar lúcido. Porém, mesmo com todas as provações, seus olhos ainda emitiam aquela mesma ousadia e desafio. Maldito.
- Tem razão - concordei cruzando os braços - Acho que eu deveria usar os mesmos métodos com você, não é?
Ele riu. Não entendi qual era a piada ali.
- Minha linda Bonnie… - começou - Você acha que teria estômago para fazer tudo o que eu já fiz com vo…?
Ele não teve tempo para terminar a frase, quando deu por si eu já estava parada na frente dele, com a lâmina inteira de uma faca enfiada em seu abdômen. Kai ganiu de dor, cuspindo sangue.
- Não me subestime - sussurrei em seu ouvido - Não sobrou mais nada de humano aqui dentro.
Puxei o cabo da faca de volta, ouvindo-o gemer outra vez. Sangue manchou a frente de sua camisa, pingando no chão.
Lambi o líquido rubro na lâmina. Ele ainda tinha o mesmo gosto.
- Vamos conversar - sorri, sentindo as veias se revolvendo sob meus olhos.

🖤🖤🖤🖤🖤

Nota da Autora:

Oi meus amores!

Kai na mão da BonBon pra sofrer, ? 😏

O que acharam do capítulo? Amaram? Odiaram?

Até o próximo xxx 💋

LAÇOS MORTAIS | Bonkai |Where stories live. Discover now