70. Disputa

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Oi. Voltei 🤭🖤

O meu dia havia começado muito estranho e legal.
Estranho porque depois de tantos anos, eu e Bonnie estávamos reunidos com nossas filhas na cozinha da casa dela tomando café da manhã como uma droga de família normal. Foi como retornar ao passado como quando eu tinha irmãos, uma casa e uma Convenção para dominar. O que de certa forma também era muito legal. Porque eu finalmente estava vendo minha filha sorrir de verdade.
Apesar das discussões com sua irmã recém descoberta, Amy estava lidando bem com a situação.
Eve já era outra história.
Ela tinha o mesmo temperamento desconfiado da mãe, embora, eu tivesse que admitir que boa parte de sua personalidade combinava em muito com a minha. Aquela nanica de meio metro me encarava do outro lado do balcão como se nós tivéssemos a mesma idade. E ela estava pouco se importando com o que eu estava pensando. Dava para ver na forma como se portava e olhava para sua mãe que a amava mais do que tudo no mundo. Sua devoção à Bonnie chegava a ser uma coisa palpável. Isso me deixou um pouco incomodado. Porém, ela não conseguia disfarçar a curiosidade em seu olhar relacionada à mim, assim como eu não disfarçava a minha em relação à ela.
Sua irmã era muito parecida comigo em muitos aspectos, porém, lembrava muito mais Bonnie nos trejeitos silenciosos, a paciência e afeição. Eve era minha cópia em todos os sentidos. E eu não sabia dizer se isso era bom ou ruim.
Para minha surpresa o café da manhã não foi a parte mais preocupante daquele dia. Claramente, que um dos pontos altos foi minha pequena discussão com Bonnie Bennett bem no meio de sua cozinha. E como o assunto em pauta era a maneira como cada um criou sua respectiva criança, já era de se esperar que estávamos quase esganando um ao outro por causa disso. Porém, como sempre, Bonnie tirava minha concentração de minha raiva - ou pelo menos, agora parecia ser assim - e a colocava em partes diferentes do todo. E o todo se tratava de sua falta de capacidade em criar argumentos quando estava muito, muito irritada.
Chegava a ser cômico de tão fofa a maneira como ela grunhia de raiva às minhas costas enquanto eu lavava a louça.
Uma das partes preocupantes daquela manhã foi ter que deixar minha Amy brincar com a irmã. Se eu fosse humano, já estaria de cabelos brancos de tanta preocupação com aquela garotinha frágil e quebradiça. Tinha vontade de trancá-la dentro de uma caixa para protegê-la de tudo que pudesse feri-la ou magoá-la.
Mas a ideia de ser o carrasco de alguém mais uma vez e, ainda mais, da minha própria filha, fazia aquele pensamento morrer antes que pudesse se enraizar em minha mente.
Tive que admitir que Eve tinha um certo dom para manipulação, pois ela não titubeou ao me chamar de pai para conseguir o que queria. E droga, eu achei aquilo adorável pra cacete.
Caí feito um patinho.
Logo as gêmeas estavam brincando no balanço nos fundos da casa. Eu gostei da forma como as duas interagiam. Eve era uma líder nata, protegendo e cuidado de Amy mesmo que as duas ainda não se conhecessem bem. Já a minha pequena princesa abriu mão de seu acanhamento e deixou-se ser cuidada por alguém que não era à mim ou sua amada abuelita.
Admito que tive um pouco de ciúme, pois ela sempre dependia de mim para tudo. Precisava de mim para tudo.
Algo que eu temia mais do que ela não chegar à idade adulta, era que conseguisse e, enfim, percebesse que nunca precisou de seu pai cheio de defeitos e problemas.
Eram pensamentos de fazer qualquer pai suar frio.
E quando achei que finalmente estava no caminho certo para enfim criar uma boa convivência com a minha ex, meu traseiro de vampiro foi chutado para o outro lado da propriedade destruindo tudo o que estava em meu caminho.
Não deu para ver muita coisa, apenas grama voando para todos os lados, meus braços e pernas girando loucamente pelo ar com sons de ossos partindo ou deslocando. E finalmente, tudo terminou comigo atingindo a cerca de madeira que explodiu com o impacto, virando uma espécie de granada de farpas voadoras.
Meu corpo inteiro doía e não existia uma partezinha do meu ser muito revoltada que não estivesse se perguntando: "Que porra aconteceu aqui?"
Levantei-me dos escombros da simpática - e agora falecida - cerquinha, vendo vários pontos do meu corpo cortado e machucado. Mas o que me irritou ainda mais foi ver minha camisa preferida com um enorme rasgo a atravessando desde o ombro direito até quase o outro lado do meu quadril.
Que merda, resmunguei. Foi presente da Sol.
Olhei diretamente para o destruidor de camisas que estava parado a alguns metros a frente na adorável varanda branca. Damon continuava com a mesma cara debochada, embora, tivesse uma pitada de desdém em seu olhar.
- Olha só quem voltou do mundo dos mortos - havia um sorriso torto em seus lábios.
Eu estava prestes a dar uma resposta bem ao estilo Malachai Parker quando ouvi as vozes das meninas e girei a cabeça em sua direção. Elas estavam em volta de Bonnie em polvosa, seus olhos azuis cinzentos como os meus estavam cheios de preocupação. Eve estava prestes a chorar e Amy respirava rapidamente, assustada. Comecei a me preocupar de verdade quando uma das meninas se afastou um pouco e pude ver o estado de Bonnie.
Os cabelos longos com luzes claras estavam desagrenhados e suas roupas estavam manchadas de sangue em vários pontos com lascas de madeira se sobressaindo da carne lacerada.
Então, entendi na mesma hora. Ela havia servido de escudo para proteger as meninas de danos mais graves. O que foi uma atitude inteligente, pois, qualquer vampiro sabia que por menor que fosse uma lasca de madeira diretamente no coração poderia matar.
Eu não sabia se ficava feliz pelas crianças estarem bem ou furioso pela mãe delas estar toda machucada.
E o causador daquilo estava parado bem na minha frente.
- Você quase as matou! - berrei, atravessando o quintal na metade de uma batida de coração. Empurrei Damon contra a parede com toda a minha força, ouvindo a estrutura da velha varanda gemer em protesto ao impacto.
Ele foi pego de surpresa inicialmente, mas como ele era muito mais habilidoso e mais velho do que eu - o que o fazia consequentemente mais forte também -, não foi uma surpresa quando ele me agarrou pelo pescoço e forçou meu corpo para baixo, fazendo com o que eu batesse as costas no piso de madeira da varanda com toda a sua força. Ouvi a coisa rachar embaixo de mim e uma das minhas costelas estourou com o impacto. E aquilo doeu de verdade, deixo registrado aqui.
Ele tinha a força física ao seu lado, mas eu também tinha lá as minhas armas.
- Motus - proferi, ouvindo-o ganir de dor, espalmando a mão sobre o peito em garra.
Sim, eu iria arrancar seu coração feito um feijão mexicano saltitantente. Torci a mão mais uma vez, ouvindo sua caixa torácica se partindo aos poucos. Eu poderia fazer aquilo muito rapidamente, mas queria que sofresse, ele quase machucou minhas filhas e ainda deixou Bonnie toda ferida no processo.
E como último recurso, aquele vampiro maldito usou uma das mãos livres para enterrá-la em meu peito, fazendo sangue escorrer para todo o lado.
Quem arrancasse o coração do outro primeiro, vencia.
Não consegui deixa de pensar que essa disputa havia ficado interessante. Porém, eu ouvi uma coisa...
Amy estava ofegante e chorava, assustada.
- Não! - ela implorou - Não machuca o meu pai! Solta ele!
Girei a cabeça lentamente e vi a pequena menina parada no meio do jardim. Suas bochechas estavam vermelhas e olhos arregalados de pavor, porém, sua postura era determinada com as mãos cerradas ao lado do corpo. Minha princesa corajosa.
Ela nunca esteve tão parecida com Bonnie.
Com isto, tentei, encontrá-la no playground de areia, porém, apenas Eve estava parada lá, observando tudo em choque. Onde Bonnie poderia estar?
Damon afundou mais sua mão em meu peito, fazendo-me gemer de dor. Voltei minha atenção para ele e... para minha surpresa Bonnie estava parada bem atrás dele. De onde ela havia surgido?
Ela não disse nada, apenas com um movimento de mãos, arremessou Damon do outro lado do jardim, assim como o próprio fez comigo. Ele rolou pela grama, destruindo tudo em seu caminho e foi parar exatamente onde estava o buraco na cerca.
Quando levantou-se finalmente, sujo de terra e grama, apenas xingou em uma língua que imaginei ser italiano e encarou a bruxa.
- Que droga, Bonnie! - exclamou, batendo o pé no chão - O que esse porco está fazendo na sua casa? E porque o está protegendo, hein?
- Se você parar de destruir a... - ela olhou para as meninas, séria -... meninas tapem os ouvidos - elas seguiram seu pedido -...a porra da minha casa e me escutar você vai entender o que está acontecendo, seu idiota!
Ele estava prestes a rebater seu argumento, quando vi Amy marchar furiosa na sua direção. Levantei-me com dificuldade, - o buraco buraco e peito ainda estava se fechando - apavorado com a ideia de ele machucar minha filha.
E então, ela chutou a perna dele. Com toda sua força.
Ela era uma vampira, embora não tivesse força o suficiente por causa daquela maldita pedra, ainda conseguia fazer um bom estrago. Ainda mais quando estava irritada.
Todos nós ouvimos quando a perna de Damon estalou com o osso que se partiu. Ele caiu de joelhos, agarrando-a.
- Se você bater no meu pai de novo - ela ameaçou com uma vozinha nada doce - Eu arranco a sua cabeça.
Damon que até aquele momento, não tinha prestado atenção à sua volta até esqueceu-se da perna quebrada. Seu rosto ficou pálido de tão branco.
- Amy? - perguntou, ainda chocada. Seus olhos azuis voltaram para Bonnie que arrancou uma lasca de madeira bem grande do abdômen - Bonnie, o que diabos está acontecendo aqui?
A bruxa apenas suspirou, colocando as mãos nos quadris.
- Longa história, Damon. Longa história.

LAÇOS MORTAIS | Bonkai |Onde as histórias ganham vida. Descobre agora