63. Pertencer

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Oi, pessoal. Saudades? ^-^)/

Dor. Era tudo o que eu conseguia sentir no momento em que abri os olhos.
A luz fraca do amanhecer invadia pela janela destruída da sala de estar e partículas de poeira e fuligem dançavam na fresta de luz que entrava. O chão estava coberto de pó e destroços do que antes eram móveis e objetos. Agora, eram apenas coisas escuras e disformes.
Havia algo pesado sobre mim. Imaginei que fosse uma parte do teto que desabou durante o incêndio. Tentei me mover, mas o peso ainda estava lá e tudo em mim doeu como o inferno. Foi como se eu tivesse me tornado um ser de pura dor e tormento.
Estiquei uma das mãos em direção ao piso sujo de fuligem e poeira. Quando vi meus dedos sob a luz reveladora do sol, parei o movimento de imediato. A pele estava rosada e queimada em alguns pontos, expondo alguns ossos.
Se aquilo era apenas uma parte eu nem queria ver o restante do meu corpo. Engoli em seco.
Eu não tinha tempo para avaliar os danos, precisava sair debaixo daqueles escombros logo. Então, usando o pouco de força que me restava, fiz esforço para levantar ou ao menos me arrastar. Não sabia o que doía mais: minha pernas ou o tórax esmagado.
Gritei duramente todo o processo, ouvindo cada osso partido de meu corpo estalar e protestar. Foi a pior sensação do mundo, eu não conseguiria descrever essa dor nem se quisesse. Finalmente consegui sair debaixo daquela pilha de destroços, tentei fazer o ar entrar normalmente em meus pulmões colapsados e o esforço fez uma tosse forte me pegar em cheio. Quando consegui parar de tossir percebi que havia feito uma pequena poça de sangue no chão.
Droga. Eu estava mais ferrado do que imaginava.
Fiquei uns quinze minutos deitado no chão sujo, esperando que a dor amenizasse ou que eu simplesmente me acostumasse. Pela extensão de meus ferimentos eu duvidava que meu poder de cura iria agir tão rápido.
— Merda... — resmunguei, sentindo dor até no ato de tentar falar.
Ergui a cabeça do chão, olhando para o meu corpo estendido no chão. Haviam queimaduras graves por toda a parte, sem falar no fato de que a roupa havia colado nelas, então, eu não sabia dizer o que era tecido e o que era pele.
— Merda... dupla.
Esperei horas até que meus ossos — pelo menos os das pernas — voltassem ao seus devidos lugares. E durante todo esse tempo eu tentei não pensar nela. Na forma como seus olhos miraram os meus cheios de tristezas em meio aquela despedida atípica e dolorosa.
Ela tentou me matar. Não, ela me matou.
Como eu ainda estou vivo?, pensei, confuso olhando para minha mãos deformadas.
Mesmo sendo um vampiro, haviam limites para até onde podíamos chegar em cura acelerada. Fogo acabava com qualquer coisa, até mesmo um ser sobrenatural — quase — indestrutível como eu. Não havia como aquilo ser possível.
Quando achei que minhas pernas estavam suficientemente firmes, tentei me sentar. Foram etapas bem cansativas e dolorosas até que eu conseguisse ficar de pé, com pouca firmeza, porém, de pé. Apoiei-me nas paredes tingidas de negro pelas cinzas e elas ainda fumegavam ardentes com o calor do incêndio e segui até a porta da frente.
O sol ainda estava nascendo no horizonte de um novo e horrível dia daqueles. Agradeci aos céus por meu anel de sol, apesar de chamuscado, ter sobrevivido ao incêndio. Pelo menos alguém estava melhor do que eu.
Apesar de provavelmente não ter um nariz para chamar de meu naquele momento, eu ainda podia sentir o cheiro do rastro dela. Seu perfume estava enfraquecendo conforme o vento se movia, levando-o para longe de mim.
Mesmo sentindo dor em todo o corpo, nada doeu mais do que aquilo. Ela me deixou para trás mais uma vez. Aquela talvez fosse minha sina, ser abandonado por todos ao meu redor.
Essa merda não era nada animadora.
Respirei fundo a brisa da manhã, preparando-me para sentir mais dor ainda. Vasculhei entre os escombros e achei uma manta cinzenta queimada nas beiradas e cobri meu corpo machucado com ela, deixando apenas uma abertura para os olhos. Dei os primeiros passos tropegos e dolorosos para fora da propriedade da enorme casa que eu havia habitado por algumas semanas com Bonnie e Sol. Parei no meio-fio, vendo que boa parte da estrutura ainda estava intacta, mas todo o resto não passava de madeira e concreto enegrecido.
Caminhei pelas ruas vazias daquele maldito condomínio, que, embora, sempre fosse de um silêncio sepucral nunca fora tão silencioso como agora. Onde estavam todos os lobos? O que havia acontecido na noite passada?
Lembro apenas de estar no meio do salão na casa de Apollon noite passada logo no início daquela chacina estranha e sem sentido e... mais nada. Eu acordei de volta no que era nossa casa e vi Bonnie parada na entrada olhando para mim daquela maneira arrebatadora, dolorosa e tão dela. Eu sabia que ali nossos caminhos iriam se separar, embora, nunca pensei que de uma forma tão dolorosa. Literalmente, falando.
— Ah, Bonnie, Bonnie, Bonnie... — cantarolei, irritado com cada parte queimada e quebrada do meu corpo — Quando eu colocar minhas mãos em você...
Eu estava doido para acertar as coisas com aquela Bennett metida, mas naquele momento eu tinha outras prioridades que eram... Parei no meio da rua e cocei a cabeça com as pontas dos dedos ainda sem carne.
— O que eu ia fazer mesmo?
Bom, parte do meu plano havia saído consideravelmente dos trilhos. Eu não contava com a tentativa de assassinato e fuga de Bonnie. Sem falar naquele ataque bizarro contra os lobos da alcateia. Afinal, pelo pouco que eu sabia lobos não usavam armas de fogo. Eles tinham coisas mais naturais e letais, tipo, garras e dentes que podiam triturar ossos.
E qual seria o sentido de atacar uns aos outros naquela linda comunidade pacífica e peluda? Essas perguntas estavam me matando — além da dor dos meus ossos voltando para o lugar, é claro —, então, resolvi que estava na hora de refazer meus passos, descobrir onde eu havia errado noite passada.

LAÇOS MORTAIS | Bonkai |Onde as histórias ganham vida. Descobre agora