82. Expostos

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Foi como se o tempo tivesse parado naqueles poucos segundos. Eu não conseguia me mexer, não conseguia pensar e acho que nem mesmo respirar.
Bonnie estava caída no chão, ferida em vários pontos, mas nada pior do que aquela horrível mancha vermelha em seu peito que apenas aumentava com o passar do tempo. Eu conseguia ouvir o pulsar de meu coração acelerado bombeando em meus ouvidos. Conseguia sentir a vibração dos passos acelerados de Caroline e Stefan no solo abaixo de mim. Pude ouvir os murmúrios assustados de pessoas à nossa volta.
E tudo em que conseguia pensar era: Não. Meu Deus, não…
E então, voltei rapidamente, correndo em direção a bruxa caída no chão. A avaliei rapidamente, vendo sua perna fraturada, o ombro deslocado e as várias contusões em seu rosto. Um tremor apavorante se espalhou pelo meu corpo. Ela não estava morta, estava?
Com os dedos trêmulos, afastei os fios de cabelo longo de sua face e toquei seu rosto.
— Bonnie? — chamei. Aquela era mesmo a minha voz? Estava tão repleta de dor — Bonnie, por favor…
Ouvi alguém dizendo que ia chamar uma ambulância, enquanto, arquejos e gritos se espalharam ao meu redor. O que aqueles abutres queriam?
Ainda trêmulo, olhei em volta, vendo a pequena multidão de pessoas que nos cercavam. Havia tantos deles, tantas… testemunhas.
Uma voz sombria e prática em minha mente dizia para acabar com todos eles. Ninguém podia descobrir o que éramos.
— Kai — ouvi a voz firme de Stefan — Leve-a para dentro. Nós cuidaremos das pessoas.
Olhei para ele de pé ao meu lado ainda em choque e assenti lentamente. Peguei Bonnie em meus braços, escutando os protestos de que eu não deveria movê-la. Uma mulher baixinha de uns quarenta anos se intrometeu em meu caminho.
— O quê está fazendo? — exclamou horrorizada — Ela pode ter fraturado a coluna. Coloque ela no chão…!
Olhei bem no fundo dos olhos dela sentindo as veias negras tomando conta do meu rosto.
— Se não quiser a sua coluna fraturada saia da minha frente — Sibilei.
Surtiu efeito imediato, pois a mulher deu um passo para trás aturdida e apavorada.
Eu estava pouco me importando com quem havia visto o que. Estava mais preocupado em salvar a mãe de minhas filhas. Adentrei a casa de Caroline numa velocidade sobrenatural e corri até a sala de jantar arrancando a toalha com uma mão e depositando Bonnie com cuidado sobre ela.
Toquei seu rosto gelado e desci as mãos pelos seus ombros magros. Afastei a jaqueta de seu peito e apurei os ouvidos, escutando as batidas fracas e moribundas de seu coração. Ela estava morrendo.
Sem pensar, rasguei a frente de seu vestido, expondo seus seios e apalpei a região onde a estaca havia perfurado. Acima do seio esquerdo, no coração.
— Porra — urrei, apavorado.
Eu sabia que tinha que enfiar a porra da mão dentro de sua cavidade torácica e puxar aquela maldita estaca ou ela morreria. Mas eu não conseguia pensar em machucar aquela garota novamente. Nem que fosse para salvar sua vida.
— Droga, droga, droga! — dei socos em minha própria cabeça, tremendo de desespero — Você precisa fazer isso, Kai! Faça agora!
Olhei para aquele pequeno ser delicado. Eu não podia profanar seu corpo daquela maneira. Não outra vez.
Faça pelas suas filhas, então, disse aquela voz fria e prática em minha cabeça. E sabia que ela tinha razão. Eu não importava naquele momento, muito menos Bonnie. E sim nossas crianças. Elas ficariam devastadas se ficassem sem a mãe.
Inclinei-me sobre a bruxa e beijei sua testa.
— Me perdoa, Bonnie.
E enfiei a mão em seu peito, ouvindo suas costelas estalarem ao serem rompidas. Rapidamente, vasculhei em busca daquele maldito pedaço de madeira, torcendo para aquela merda não ter estilhaçado lá dentro. Eu estava, literalmente, com o coração de Bonnie em minha mão. Qualquer movimento em falso poderia matá-la para sempre.
Eu ainda estava vasculhando, quando Bonnie abriu os olhos e começou a gritar. E para piorar, ela se debateu embaixo de mim. Tive que usar meu antebraço livre para forçar seus ombros para baixo, enquanto vasculhava suas entranhas. Ela continuava berrando de dor e eu estava em completo pânico, rezando para achar aquela porcaria de uma vez. Suas pernas se debatiam sobre a mesa e ela tentava tirar minha mão de dentro de seu peito, mas eu não podia parar agora.
E então, meus dedos esbarraram em alguma coisa. E sem saber ao certo, puxei o corpo estranho para fora, ouvindo Bonnie ganir de dor. Olhei para a estaca menor que minha mão e felizmente ela estava completa, sem nenhuma lasca faltando. O peito de Bonnie começou a se fechar instantaneamente e quando se curou por completo, ela abraçou os seios nus e se encolheu sobre a mesa chorando.
Eu estava acostumado a sentir todo tipo de dor e já havia sentido coisas piores até. Porém, ela não. Bonnie nunca havia sido eviscerada daquela maneira e isso a apavorou em um nível inexplicável.
— Me desculpa, Bonnie… — sussurrei, soltando a coisa no chão — Eu precisava tirar isso…
Me aproximei dela, mas a garota se encolheu na mesa, chorando baixinho e tremendo. Merda.
A peguei no colo como uma criança e a embalei em meus braços, ouvindo seus soluços de pavor. Suas pernas cercaram minha cintura e ela me abraçou.
— Me desculpa, Bonnie — sussurrei com o braço transpassado em suas costas e com uma das mãos pousada em sua coxa — Eu precisava tirar aquilo. Me perdoa.
Sentei no sofá da sala com ela montada sobre mim. Bonnie chorava copiosamente. E tudo que eu podia fazer era pedir desculpas, acariciar seus cabelos e espalhar beijos em seu rosto como uma súplica por seu perdão.
Uma hora mais tarde, Caroline e Stefan entraram na casa apressados.
— Pronto, Kai — disse a loura adentrando a sala de estar — Nós demos um jeito de apagar a memória de todos da vizinhança…
Ela parou de falar ao ver Bonnie abraçada a mim como se sua vida dependesse disso. Continuei acariciando seus cabelos  sem olhar para a vampira e seu namorado.
— Ela acordou no meio do processo — disse eu, como se aquilo explicasse tudo.
— Entendo — ouvi a garota engolindo em seco — Bonnie? Eu sei que é uma pergunta estúpida, mas… você está bem?
A bruxa afastou o rosto vermelho pelo choro de meu ombro e olhou para sua amiga e assentiu.
— Que droga você fez com a roupa dela? — Caroline perguntou, ao ver a forma como sua amiga segurava o tecido destruído por cima dos seios.
Dei mais um beijo na bochecha de Bonnie, completamente focado na dor dela.
— Eu entrei em pânico — dei de ombros — Desculpe, pelo vestido, Bonnie. Vou lhe dar quantos quiser das melhores marcas possíveis.
Ela apenas sacudiu a cabeça, como se aquilo não importasse.
Caroline se aproximou e acariciou os cabelos cor de mel de sua amiga.
— Que tal irmos lá em cima pegar uma roupa para você, hã?
Bonnie assentiu, saindo de cima de mim. Ela parecia destruída.
As duas subiram para o andar de cima e fiquei ali, novamente, com Stefan. Coloquei as mãos sobre a cabeça e fechei os olhos.
— Ao contrário do que está pensando — disse o vampiro — Você a salvou. Não se esqueça disso.
Bufei, afastando as lágrimas que queria escapar.
— Ela acordou do nada… e eu estava machucando ela — sussurrei — Ela não parava de… gritar… porque eu estava machucando ela.
Stefan cruzou os braços e olhou diretamente para mim com seus enigmáticos, porém, benevolentes olhos verdes.
— Ela ia morrer, Kai. Você a salvou.
— Eu estava praticamente torturando ela — solucei — De novo.
— Se você deixasse a estaca lá dentro — prosseguiu — Suas filhas não teriam mais uma mãe.
Assenti. Ele tinha razão, claro que tinha. Porém, a culpa estava me devorando.
Fiquei em silêncio, apenas, aguardando as duas. Quando Bonnie desceu, usava jeans e uma blusa branca simples e seus cabelos estavam molhados do banho. Ela parecia muito melhor que eu.
Caroline ligou para a oficina local vir buscar o carro de Bonnie e Stefan nos deu uma carona até em casa.
Adentramos o hall em silêncio, enquanto Bonnie fechava a porta atrás de si e quando se virou para mim, peguei seu rosto pequeno entre minhas mãos e pressionei meus lábios nos dela. Não havia nenhum desejo lascivo e nem uma necessidade voraz no meu ato. Eu simplesmente fiquei apavorado com a ideia de perdê-la.
Quando me afastei, vendo seu rosto ruborizado e lábios inchados, apenas sussurrei:
— Estou feliz que você está bem.
E a deixei no hall e subi para o meu quarto.

LAÇOS MORTAIS | Bonkai |Onde as histórias ganham vida. Descobre agora