65. Fantasmas

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Olha eu aqui de novo! o/

Soltei da cama antes mesmo de estar acordado, sentindo a porta bater em minhas costas com tanta força que a madeira soltou um leve gemido. Abri os olhos, ofegante no quarto escuro e frio.
Girei a cabeça freneticamente em busca daquelas presenças que acompanhavam as vozes. Elas nunca me deixavam, até mesmo em sonhos.
— Kai — sussurrou uma voz feminina languidamente.
Estremeci dos pés à cabeça.
— Não — sacudi a cabeça — Não é real. Isso não é real. Você está morta!
Algo frio tocou minhas costas descendo por minha espinha. Eu ainda era dono o suficiente de meus sentidos para saber que aquilo eram dedos.
Sacudi a cabeça em uma negativa mais uma vez.
— Não... Não — você está morta — Todas vocês estão mortas!
— Kai... — disse outra voz de mulher — Brinca com a gente.
— Estamos tão sozinhas...
— Tão sozinhas...
E dessa vez a voz de uma delas estava mais perto, mas estava distorcida como a de um demônio.
— Desde que você nos matou!
Girei rápido como uma flecha, vendo, mesmo que de relance as quatro silhuetas de formas e aparências diferentes encarando-me. Seus olhos eram de um azul elétrico totalmente anormal, e todas estavam estado de decomposição avançada. Porém, eu ainda conseguia reconhecer cada uma delas. Cada uma das garotas que eu matei.
— Kai — disse a mais baixa, com cabelos cacheados e pele acinzentada. Madison.
Eu a conheci em um bar em Salem, e o que me atraiu fora sua leve semelhança com Bonnie. E aquilo havia sido sua sentença de morte.
Ele deu alguns passos na minha direção lentamente.
Todo o meu corpo paralisou de terror.
— Brinca com a gente! — sua voz cresceu e tornou-se a de um monstro novamente.
E então, ela lançou -se em minha direção.
Tudo o que pude fazer foi cobrir o rosto, esperando o súbito ataque. Segundos se passaram e nada aconteceu. Abri os olhos e abaixei o braço, procurando-as pelo quarto.
Não havia mais ninguém. Eu estava sozinho.
Minhas pernas fraquejaram e caí sentado no piso de madeira. Minhas costas contra os pés da cama de casal simples.
A porta abriu -se em um rompante e tive um sobressalto. A luz do corredor atingiu meu rosto em cheio e... Soledad meteu a cabeça pela abertura da porta, seus olhos escuros miraram meu rosto que devia estar pálido como sulfite.
Ela abriu a porta e ficou de pé, mirando a mim com preocupação.
— Otro pesadelo?
Olhei para ela, ainda sem compreender o que estava acontecendo. Era como se aqueles monstros, os meus monstros, ainda estivessem naquele quarto comigo.
Levou alguns minutos até que eu conseguisse me levantar do piso frio.
— Não foi nada, Sol — expliquei, acendendo as luzes e vestindo uma camisa que achei jogada sobre uma cadeira ali perto — Foi só um ataque de sonambulismo.
Ela colocou a mão na cintura e olhou seriamente para mim. Não estava acreditando nem um pouco naquela desculpa.
— Usted anda tendo ataques de sonambulismo demás — disse, acidamente — ¿Sueñan los vampiros?
Dei de ombros, ainda andando pelo quarto à procura de meus jeans e a botas. Bem, que Soledad dizia que eu tinha que ser mais organizado.
— Não chega a ser um sono propriamente dito. Então, não posso dizer que podemos sonhar também — expliquei, achando uma perna da calça saindo debaixo da cama junto com as botas. Como aquilo havia parado lá? — É mais como uma junção esquisita de memórias e sentidos.
Fiquei de pé num átimo de segundo.
— Entoces — Sol franziu o cenho — Quais lembranças o assombram?
Desviei os olhos dos seus, sem saber o que responder. Pigarreei.
— Eu vou ficar pelado, então, sugiro que saia antes que veja algo que não queira.
Ela soltou um palavrão em espanhol e jogou as mãos para o alto, desistindo e indo para qualquer outro cômodo da casa. Aquilo me fez rir.
Após substituir a calça de moletom pelo jeans e as botas, fui até o banheiro dar um jeito na minha cara. Olhei no relógio de pulso caríssimo. Ainda eram 3:30 da manhã, mas eu não queria mais ficar naquela casa. Precisava caminhar um pouco para esfriar a cabeça.
Desci as escadas até o pequeno hall de entrada, peguei um casaco pendurado no mancebo ali perto. Meus olhos se desviaram para o espelho que estava bem ali, pois, Sol acreditava que espelhos espantaram maus espíritos. E olha que eu era o bruxo ali.
Eu estava mais pálido que normal, meus olhos azuis vidrados e um tanto febris. Desde que isso havia começado à poucos meses atrás, eu já não era mais o mesmo. Sempre estava alerta, esperando uma daquelas vozes falar comigo subitamente ou algum daqueles fantasmas do passado pular bem diante dos meus olhos. As noites haviam se tornado uma tortura. Apesar de não precisar dormir como humanos, eu ainda precisava de uma boa noite de sono para que não começasse a pirar e andar por aí falando sozinho.
Se bem que eu nunca estava sozinho. Podia ser pura loucura, mas eu nunca me sentia sozinho de fato. E não estou falando da presença de Deus. Havia algo comigo. O tempo todo.
Se eu me concentrasse o suficiente, quase podia jurar que tinha alguém logo atrás de mim...
Sacudi a cabeça.
— Você está ficando paranóico, droga — resmunguei, puxando o capuz do casaco sobre meus cabelos castanhos e sai para a noite fria.
Tudo estava silencioso aquela noite. Até mesmo a lua estava escondida sob as nuvens, criando uma atmosfera misteriosa e fantasmagórica no ar.
Caminhei rapidamente, esperando esquecer tudo o que estava na minha cabeça aquela noite, mas eu não conseguia me livrar daqueles pesadelos criados por mim. E a única coisa capaz de aliviar aquelas sombras era ela.
Precisava vê-la essa noite, como em todas as outras.
Então, com minha velocidade de vampiros atravessei a cidade outra vez. Já havia feito aquele caminho tantas vezes que agora estava se tornando algo automático, eu nem tinha que pensar muito para fazer isso.
Quando alcancei a mansão Salvatore, refiz minha rotina de ficar invisível com magia e subi os degraus da escada da varanda. Suspirei, tocando na maçaneta e a girei.
Foi muito oportuno me aproveitar de quando todos haviam saído de casa, para hipnotizar uma mulher na rua e fazê-la me convidar a entrar. Agora eu tinha um convite permanente para poder entrar e sair quando quisesse. Embora, isso não quisesse dizer que eu deveria ser descuidado com meus atos.
A casa estava escura, com exceção da sala que sempre tinha aquela lareira acesa independente de estar frio ou calor. Vampiros centenários e seus costumes estranhos.
Atravessei a sala de estar e segui pelo corredor longo e escuro. O quarto dela era um dos últimos, perto do quarto de Damon. Isso sempre me irritava, pois eu tinha que ser mais cuidadoso ainda com meus passos, pois aquele vampiro babaca quase não dormia.
Apurei os ouvidos. Havia uma ressonar baixo, vindo da última porta do corredor. O quarto de Stefan ficava mais para frente, aparentemente, ele não estava em casa. Talvez, tivesse ido dormir na casa do projeto de miss simpatia.
Girei a maçaneta lentamente e adentrei o quarto.
O cheiro dela estava impregnado em tudo de uma maneira reconfortante, quase pude sentir meus músculos relaxarem. Ali era o meu porto seguro no meio da tempestade que minha vida estava se tornando.
Um abajur estava aceso sobre um criado mudo, iluminando o amontoado de cobertas e sob elas, estava Bonnie. Seus cabelos escuros espalhavam-se pelos travesseiros, as pernas torneadas e macias escapando do cobertor.
Havia um livro aberto sobre seu peito. Sorri. Ela havia adormecido enquanto lia. Tirei-o de cima dela gentilmente e dei uma olhada na lombada gasta. O Pequeno Príncipe. Em francês.
Uau, pensei comigo mesmo, satisfeito. A minha garota é muito inteligente e linda mesmo.
Coloquei-o sobre a mesa ao lado. Isso não chamaria sua atenção. Bonnie sempre apagava no meio de alguma coisa, seja de um livro ou uma frase. Ainda mais agora que vivia cansada demais por causa dos bebês.
Desci meus olhos pela camisola lavanda que ela vestia. Não que ela não fosse sensual antes, mas agora, com a gravidez, ela havia ficado mais curvilínea e robusta. Ok, os seios dela estavam incríveis. Eu daria tudo para poder tocá-la da maneira que queria.
Tentei afastar as lembranças das nossas transas incríveis. Não era momento pra isso.
Arrastei uma cadeira para perto da cama dela e fiquei observando sua respiração subindo e descendo lentamente. O volume em seu ventre havia ficado um pouco maior com o passar dos meses. Eu ficava impressionado com o fato de ela ainda conseguir usar alguma roupa com toda aquela circunferência. Será que não pesava? As minhas costas estariam em chamas se tivesse que carregar todo aquele peso extra.
Se ela ainda estivesse comigo, eu teria feito de tudo para deixá-la confortável nesse momento. Teria sido mais carinhoso e gentil com ela. Afinal, Ela estava carregando algo meu. Algo que ela amaria, mesmo que não fosse eu.
Porém, sabia que estava me iludindo como em todas as vezes. Ela me odiava e pensava com grande alívio que eu estava morto. Eu não a culpava por se sentir assim. Embora, isso me deixasse irritado pra caralho.
Eu ainda não sabia o que fazer.
Quando voltei para Mistyc Falls, pensei em ficar escondido por algum tempo, tramando algo para trazê-la para perto de mim mais uma vez, porém, sua gravidez atrapalhou todo o meu planejamento. Eu não sabia nem mesmo se ainda sentia raiva dela. Cara, ela estava carregando os meus filhos! Como eu podia ainda odiar aquela garota? Eu queria beijá-la pela genialidade daquilo. A única coisa coisa capaz de me parar por alguns meses foram aquelas crianças, porque eu não sabia ainda se queria ser pai.
No momento em que soube eu tive duas opções. Ir embora cidade naquele momento e esquecer Bonnie. Ou levá-la comigo com o bônus de ter mais duas cópias dela, que me odiariam na mesma medida pelo que estava fazendo à mãe deles. E a terceira opção, na qual, eu não queria pensar e repudiava sempre que vinha à minha mente: me livrar dos bebês e ficar apenas com Bonnie. Eu só queria ela, pensava apenas nela. Eles seriam empecilhos no meu caminho para ganhar sua afeição. Eu não queria concorrência.
Porém, a parte egoísta — que dominava em grande parte os meus genes — saltitava de alegria só de imaginá-la feliz e agradecendo a mim por dar aqueles pequenos humaninhos chorões à ela. Bonnie poderia me amar por isso?
Essas questões faziam meu cérebro ferver só de pensar nas possibilidades.
Fiquei algum tempo, apenas olhando para ela e pensando nos passos que deveria seguir daqui para frente. Então, uma coisa passou pela minha cabeça. Mirei aquele volume na frente de seu corpo. Eu nunca tinha tocado. Bom, acho que nunca tinha tocado a barriga de uma mulher grávida, pois achava isso a coisa mais piegas e estranha de todas. Quem ficava esfregando a barriga de uma coitada por aí, sabendo que o ser ali dentro nem mesmo podia sentir?
A lógica era essa, mas a vontade era outra coisa diferente. Então, coloquei minha curiosidade em prática.
Estiquei a mão e encostei delicadamente a ponta dos dedos na superfície arredondada. Era mais rígida do que eu imaginava, quase como uma bola de futebol.
Bonnie estaria revirando os olhos para minhas comparações, mas era ao que eu conseguia associar.
Experimentei apoiar a palma da mão sobre a barriga dela, olhando vez ou outra para seu rosto delicado e adormecido, mas ela estava apagada. Usei um pouco do meu poder de sifão para saber o que estava se passando ali dentro. Muito sono, braços e pernas sacudindo, quente e confortável...
— Meninas?! — exclamei, chocado.
Bonnie soltou um gemido manhoso e remexeu-se na cama, cortando aquela conexão.
— Hmm — fez ela, virando-se na cama — Bolsa de unicórnio... Damon...
Aquilo não fez o menor sentido para mim, mas fiquei muito feliz ao perceber que meu grito não a havia acordado.
Ok. Meninas.
Eu seria pai de duas meninas.
O que eu sabia sobre meninas? Gostavam de coisas cor de rosa, bonecas, vestidos e coisas delicadas. E isso porque estava falando das meninas da década de 1980. Mas, meninas?! O que eu faria quando elas estivessem interessadas em rapazes? Ou em garotas? Eu teria que matar todos eles para não se aproximarem delas?
Ser obcecado com a mãe delas já era difícil, imagina com duas meninas?
Eu nunca tinha parado para pensar no sexo dos bebês. Aliás, eu nem pensava neles como futuros seres humanos. Agora, todo o peso da paternidade recaiu sobre mim como uma bomba.
Mergulhei o rosto nas mãos e respirei fundo.
O que eu iria fazer agora?

LAÇOS MORTAIS | Bonkai |Onde as histórias ganham vida. Descobre agora