"Sei que convivi com ela durante os primeiros dois anos com ela, e depois... meu pai me tomou dela e levou-me para si. Veja, eu não fui bem aceito, não quando além de um bastardo eu era fruto de um laço de parceria, mesmo que renegado. Lílian, a esposa de meu pai me odiou no segundo que pôs os olhos em mim, ela sabia sobre mim, e sabia a respeito de minha mãe.. acho que ela me odiou mais por eu me parecer tanto com Serene e com meu pai que seus próprios filhos. Serena era linda, ao menos pelo que me recordo. — ele para um momento e me olha, um sorriso triste brota no canto de seus lábios. — Você me lembra dela, tão bonita quanto.

Não posso deixar de sorrir com suas palavras, até que ele continua.

— Lílian então decidiu se vingar em mim, exigindo que eu fosse mantendo longe de seus filhos legítimos, então eu fui trancado em um dos quartos do palácio do meu senhor de guerra. Apenas um cômodo úmido, frio e escuro, com uma única entrada a qual eu não era permitido passar sem autorização, e uma janela no alto. Eu não tinha permissão para voar, e só via a luz do sol uma hora por dia ao meio dia. Era horrível e doloroso, todos os meus instintos de guerra e sobrevivência gritando para que eu usasse minhas asas e não poder.. Não saber fazer isso.

"Então eu descobri que, quando se passa tempo demais na escuridão, ela passa a olhar de volta. - ele move uma gavinha de sombra entre seus dedos, provando seu argumento, então ele lança o fio para mim, que seguro entre os dedos. As sombras rodam entre os espaços dos dedos. A sensação era de passar um pedaço de seda morna entre os dedos, ou de tocar em algo parecendo água... Tinha textura, e era quente, mesmo que na realidade fosse apenas sombra e fumaça. Eu gostava da sensação.

— Elas estavam lá, nos cantos sussurrando.. Elas falavam comigo, e eu aprendi a falar com elas. Convivi com elas e elas comigo, e elas sussurravam para mim... Talvez eu tenha que agradecer afinal, talvez eu não tenha enlouquecido graças a elas, e as canções que minha mãe me cantava. Foram seis anos naquele quarto, seis anos.. até quando ela não veio mais. E foi quando eu descobri que crianças podem ser mais perversas que homens quando querem."

Engoli em seco quando a lembrança me invadiu novamente. A forma como seus próprios irmãos queimaram seus braços com sorrisos maldosos em seus rostos, e com olhares que poderiam de fato serem mais perversos que os mais dos perversos homens.

— Três anos depois eu fui lançando no Refúgio do Vento. Sem saber me defender, sem saber me voar, e ainda um bastardo. Lembro da surra que Cassian me dera no segundo dia que estava aqui, em troca das minhas roupas... Lembro que Rhys se intrometeu e acabou levando uma surra também... Então eu lutei pelo direito de aprender a usar minhas asas, a controlar meus poderes. E então veio A Guerra.. e em diversos momentos durante as batalhas eu esperava ler o nome dos meus irmãos na chamada dos mortos, mesmo sabendo que eles mais que capazes de varrer o campo inimigo eu tive medo... Depois disso, veio Amarantha... que escravizou Rhysand durante 49 anos apenas porque o desgraçado queria nos proteger, para mante-nos seguros... E nós não podíamos fazer nada, ou ele morreria, tudo pelo qual lutamos morreria.

"Houve um momento pelo qual eu duvidei de que esse... laço, fosse algo que eu queria, desejava. Se ele poderia realmente ser real.. eu desejei tanto, e me questionei diversas as vezes por que a Mãe ou o Caldeirão não atendia meu pedido... Ao mesmo tempo que eu desejava ter algo, eu implorava para que não encontrasse.. porque eu tinha visto o que isso fez com minha mãe. Eu vi o quanto minha Senhora ficou quebrada por amor, e eu vejo o caos que Cassian está esfrentando com Nestha... E eu sei... Que não sou digno, de ser abençoado... Então lá estava você, quebrada e ensanguentada e ainda assim, tão linda... E eu soube que eu estava perdido quando encarei seus olhos.

***

O silêncio que se arrastou a seguir foi pesado, e sinceramente eu não sabia como digerir tudo o que ele havia me dito. E principalmente, tudo o que eu havia visto, tudo o que — dessa vez — ele permitiu que eu visse por trás das barreiras negras de seu escudo mental. Engoli em seco tentando fazer com que o nó que estava preso em minha garganta descesse junto com o movimento, não funcionou.

Príncipe das SombrasWhere stories live. Discover now