54 | Confissões

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         O cheiro da maresia

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         O cheiro da maresia. O barulho das aves sobre as nossas cabeças e das ondas quebrando sob nossos pés. A ventania de uma tempestade prestes a chegar que balançava meus cabelos e deixava respingos de chuva em meu corpo. Eram todas as sensações a que eu estava me agarrando enquanto estava sentada ao lado de Benício no píer da cidade. Era a única forma que eu sabia de voltar ao controle do meu corpo, sem deixar espaço para o pânico o dominar por completo de novo.

— Desculpa — Eu pedi pela milésima vez naquele dia, dessa vez direcionada ao menino ao meu lado que não parecia ter pressa para ir embora mesmo com a chuva ameaçando cair — Por ter mentido sobre os meus pais.

— Tá tudo bem — ele me olhou de lado, balançando as pernas penduradas no ar — Eu entendo porquê mentiu. Eu sei como é se sentir desconfortável quando perguntam sobre algum parente morto e você ter que lidar com o olhar de pena e ter que reagir aos pêsames atrasados.

Engoli em seco, as peças finalmente se encaixando na minha cabeça.

— A sua mãe — Eu concluí e ele assentiu, voltando a olhar pro mar.

— Câncer. Eu tinha 12 anos. — deu de ombros.

— Que merda — balancei a cabeça negativamente, me familiarizando com o seu sentimento de perda.

Meu celular vibrou no bolso da minha calça. Pela décima quinta vez. Recusei a chamada, sentindo raiva ao ler o nome do Kaike. Sua voz soou na minha mente com as mesmas palavras idiotas que eu havia acreditado "Eu resolvi", resolveu uma ova!

      Grunhi e bati com a cabeça contra o ferro do parapeito que nos impedia de cair ao mar.

— Ei, ei, ei — Ben tirou o celular da minha mão e me puxou pelo ombro para que eu voltasse para a postura de antes — Não vale a pena — ele desligou meu celular, rejeitando todas as ligações que ainda estavam por vir — Viu? Simples.

— É só que eu tô com tanta raiva! — desabafei, sentindo meu peito esquentar — Eu tava finalmente superando, depois de anos sem nem conseguir dormir direito, e aí vem alguém doente e me puxa de novo pra mesma lama que eu lutei tanto pra sair. É simplesmente desumano! E fica ainda pior quando eu penso no motivo pelo qual a pessoa fez isso. É inacreditável!

— Espera — Benício virou de lado para me encarar, cruzando as pernas em posição de índio — Você sabe quem fez isso?

Respirei fundo, era por isso que eu evitava falar muito. Sempre falava o que não devia.

— Eu tenho as minhas suspeitas — confessei.

— Bom, não importa o motivo. Ninguém tem o direito de bagunçar a vida de outra pessoa desse jeito, Mel. De tirar as coisas escondidas dos armários dos outros, até porque nunca se sabe o que vai desencadear nas pessoas, sabe? — ele falou tão irritado quanto eu — É por isso que não faço a mínima ideia do que leve alguém a fazer algo tão baixo assim.

De Sol a SolOnde as histórias ganham vida. Descobre agora