43 | Quem é Você?

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     De repente, eu voltei para vinte e dois de novembro de dois mil e sete

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    De repente, eu voltei para vinte e dois de novembro de dois mil e sete. Eu tinha cinco anos e estava no carro com os meus pais, os observando pelo retrovisor. Meu pai cantava Mulher De Fases com todo ar que tinha e minha mãe gargalhava ao seu lado. Eu sabia onde estava, eu sabia o que aconteceria a seguir porque eu já havia revivido aquele dia inúmeras vezes.

Não demorou muito para um carro desgovernado invadir a nossa faixa e se chocar contra a gente. Senti o grito rasgar a minha garganta e minha cabeça doer quando o carro foi lançado para fora da pista, capotando e caindo ribanceira a baixo. A minha memória sempre foi até aí, mas, por algum motivo, eu consegui reviver a experiência completa.

O carro parou de rolar quando chegou no rio. Por causa das janelas abertas e do parabrisa arrebentado, a água entrava sem dificuldades, fazendo o veículo afundar cada vez mais rápido. Eu lembro de ficar desorientada, minha cabeça latejava e em minha boca eu só conseguia sentir o gosto metálico do meu próprio sangue. Olhei para o retrovisor, dessa vez não era uma cena feliz que eu observava. Era o meu pai morto com a cabeça sangrando e a minha mãe desesperada ao seu lado.

— Mamãe? — lembro de chamá-la com a voz falha.

— Querida? — ela tateou com o braço até me achar para verificar se eu estava bem, porque ela não conseguia se virar. E o motivo era a frente amassada do carro que comprimia suas pernas, as esmagando. — Mel? Querida? Ei, olhe pra mim — ela me forçou a olhar para o seu rosto pelo retrovisor, tentando me poupar da traumatização — Tá tudo bem, okay? Mamãe tá bem. Seu pai tá dormindo, mas ele também vai ficar bem. Mas você precisa me escutar: você tem que soltar o seu cinto, Okay?

— Mamãe, eu tô com medo — chorei, minha mente infantil não sabendo lidar com a situação.

— Eu sei, querida, eu também tô. Mas você precisa escutar a mamãe, você tem que soltar seu cinto, pode ser? — assenti e fiz o que ela pediu, ganhando um sorriso molhado de lágrimas como resposta.

— Mamãe, tá ficando molhado aqui atrás — o olhar de pânico da minha mãe se voltou para as nossas cinturas que já estavam sendo engolidas pela água.

— Mel, o que você acha da gente fazer uma brincadeira? Hum? — ela se forçou a sorrir pra mim pelo retrovisor — A brincadeira vai ser A rainha mandou dizer, tá bom?

— Tá — levei minhas mãos pequenas até a boca.

— A rainha mandou dizer que no três a Mel vai ter que apertar o nariz com força como o papai dela ensinou e vai sair pela janela para esperar a titia dela na areia — ela me olhou pela última vez com as lágrimas caindo sem parar — Eu te amo, minha pequena. Não esquece disso, tá? A mamãe vai tá logo atrás de você. Agora vamos contar!

De Sol a SolOnde as histórias ganham vida. Descobre agora