— Henry... — Flora murmurou e contorceu o corpo lentamente antes de abrir os olhos e se deparar com outro homem ao seu lado. — Senhor Philip! — ela exclamou e sem nenhuma graça, sentou-se assustada.

— Perdoe-me por despertá-la de seus sonhos românticos — ele ironizou sentindo ainda o amargor provocado ao ouvir aquele nome. Colocou-se de pé e a encarou, sem perceber o quanto sua expressão estava dura. — Precisamos partir imediatamente. E, antes que conteste minhas decisões, eu estou em plenas condições de viajar. Sou um novo homem.

Constatando aquele olhar grave, Flora desviou os olhos de Phil rapidamente e passou a alisar o cabelo após concordar com as ordens dadas através de um maneio de cabeça. Sentiu-se pequena e passou a ponderar se ele já tinha conhecimento do plano arquitetado por ela. Sim, nossa querida princesa ainda não tinha se dissuadido da ideia e desejava retornar imediatamente para casa. Estava claro que esse desejo dava-se mais pela provável preocupação de seu pai e de seu irmão, e pela vontade de encontrar Henry outra vez do que se livrar da aventura na qual estava — e apreciando muito apesar dos pesares.

Fazia mais de cinco meses desde o último encontro entre ela e Henry e, na determinada ocasião, ele havia deixado claro seu desejo e intenções de beijá-la. E, muito provavelmente, ela teria permitido, caso a voz de Fergie ameaçando de morte qualquer rapaz que ultrapasse os limites do decoro antes do casamento não tivessem retornado à sua memória, quase audivelmente. Manteve a distância permitida entre eles enquanto passeavam pelo jardim à vista de diversos funcionários.

Por isso ela precisava arrumar uma maneira de convencer aqueles dois homens a levarem para casa — em último caso, uma fuga segura poderia ser uma solução, apesar de Flora não ter parado para considerar a ideia inconsciente. — Só assim poderia se casar e dar seu primeiro beijo de amor verdadeiro.

Flora sorriu ao desviar seus pensamentos de parte de seus planos, projetados com bastante entusiasmo no dia anterior enquanto Phil dormia profundamente e Jasper ia à busca de suprimentos. Pensar em Henry, em seus olhos azuis e nas doces e envolventes palavras ditas unicamente e somente a ela, era um milhão de vezes mais atraente.

E assim ela se arrumou, embora não tivesse muito que fazer além de trançar os cabelos, a essa altura mais sujos do que qualquer dia estivera, e lavar o rosto com a água límpida e fria oferecida por Jasper.

— Não ligue para ele. — Jasper apontou com a cabeça para Philip selando os cavalos. — Ele acorda sempre de mau humor — confidenciou levando Flora a rir com o jeitinho do rapaz. — E está bravo porque não deseja ser um empecilho na vida das pessoas. Phil é muito independente e eu penso que não gosta de perder o controle da situação.

— Creio que seja uma característica dominante masculina e nenhum homem gosta de se encontrar como ele se encontra no momento. — Flora aceitou o lenço oferecido por Jasper para enxugar o rosto molhado e sorriu. — Porém, o senhor Philip parece exceder em seu comportamento.

— Ele apenas não sabe lidar com mulheres — Jasper declarou em um tom zombeteiro e elevou os ombros. — Mas é um homem muito honrado, amigável e solidário, e também amável, principalmente com seus amigos íntimos. No nosso reino, Phil é muito respeitado e querido por todos.

Flora analisou rapidamente a postura rígida do cavaleiro e toda a brutalidade de seus movimentos e riu, duvidando de que a palavra amável pudesse ser atribuída, de alguma forma, àquele homem. Não desconsiderava sua disposição para ajudá-la e era nítida a posição de Philip como um cavalheiro honrado. Porém, amável não era uma descrição exata de como ele havia a tratado desde o primeiro encontro.

Jasper passou a carregar os animais com os suprimentos e materiais deles. Flora fez o possível para ajudar, apesar de um pouco perdida por nunca ter trabalhado em toda a sua vida. Apenas quando estavam prontos para partir Flora deu-se conta da condição deles.

— Falta um animal! — ela exclamou sua descoberta, pensando como eles viajariam assim. Jasper, em toda a animada conversa do dia anterior, passara horas falando sobre cavalos e o desgaste das viagens, justificando o zelo pelos animais.

— Como sempre, vai sobrar o lombo para mim — Jasper murmurou desatando o nó que amarrava seu animal a um tronco.

Philip não disse nada. Aproximou-se de Flora e ajeitou o estribo do cavalo de Jasper. Apenas com um olhar ordenou que ela montasse. Flora colocou um dos pés e segurou na sela, assustando-se quando uma mão forte a auxiliou a subir com facilidade.

— Nós providenciaremos um animal para a senhorita quando chegarmos à cidade. Phil tem conhecidos por lá — Jasper informou com sua simpatia costumeira e aguardou o cavaleiro montar primeiro para assumir a posição na retaguarda.

O sol havia nascido há pouco tempo, iluminando de uma maneira especial toda a natureza ao redor. Flora deteve-se por um minuto para contemplar as maravilhas do mundo além do palácio e sentiu-se satisfeita por ter se permitido viver tudo aquilo, mesmo as coisas fugindo do controle.

Os animais passaram por uma trilha estreita antes de chegarem à estrada principal. Flora estava tão encantada com o cantar dos passarinhos e com o cheiro da terra molhada ao redor, que não percebeu os constantes olhares de Phil para ela. Tampouco estava ciente da luta interior travada pelo cavaleiro que já vivenciava o retorno do arrependimento pelos seus modos e procurava uma maneira de se redimir com ela. Porém, Jasper, cantarolando à suas costas, não tornava viável seu pedido de desculpas, forçando assim, Philip a postergar sua aflição.

E foi dessa maneira, cada um vivenciando seus dilemas, que a viagem desse trio se iniciou. O trecho até a cidade teria passado rapidamente se Jasper não insistisse em passar boa parte do trajeto cantando e sendo acompanhado por Flora que se mostrou muito solícita — para desespero de Phil — a aprender as canções dos viajantes. 

A princesa desacertada (e seu irremediável destino)Wo Geschichten leben. Entdecke jetzt