Dois

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Flora tentava a todo custo fazer seu cavalo voltar a cavalgar e nessa altura ela já teria desistido, se não fosse o cavaleiro imponente por perto. Ela percebeu, tardiamente, que o homem se aproximava. Sem um plano de fuga elaborado, apenas pode empertigar todo o corpo e parecer uma camponesa passeando por caminhos isolados — embora isso fosse algo difícil de engolir.

— Senhorita — a voz grossa do homem ressoou ao seu lado —, está tudo bem?

— Perfeitamente bem, senhor — Flora apressou-se a responder sem ousar olhar para o lado. — Meu animal apenas está... Aparentemente aborrecido com nosso passeio matinal.

— Tem certeza? — O cavaleiro agora estava posicionado ao seu lado. — Me parece que a senhorita encontra-se com algumas dificuldades.

Flora voltou-se ao homem ao ouvir seu tom levemente irônico, prestes a dar uma resposta, quando notou o olhar do rapaz fixo em suas mãos, ainda amarrada, segurando firme as rédeas.

— Bem, talvez eu esteja com um pouco de dificuldades, mas não é nada que eu não possa resolver. — Então ela ousou encarar o rosto do homem. — Muito obrigada, senhor.

A princesa virou-se subitamente e com leves toques de seus pés na barriga do animal, tentou o fazer voltar a andar. Porém, sem sucesso. Ela suspirou pensando em como sairia de outra enrascada.

— Seu animal — o homem fez uma pausa e pigarreou antes de continuar —, se é seu animal mesmo, está exausto. Dificilmente a senhorita conseguirá convencê-lo a trotar. Por favor, deixe-me ser útil e auxiliá-la.

Flora mordeu os lábios tendo somente alguns segundos para resolver o que fazer. Bem, era certo que ela não gostaria de confiar em outro homem mal intencionado, como tinha feito mais cedo, porém, já estava numa péssima situação. Não poderia ficar pior, talvez, no máximo, seria raptada novamente.

Virou o corpo levemente e estendeu as mãos em direção ao homem, na esperança de que ele a desamarrasse. O cavaleiro pareceu surpreso, mas não hesitou. Retirou um canivete de uma bolsa presa em sua cintura e com precisão arrebentou as cordas que mantinham as mãos de Flora presa. Ela massageou o local, aliviada por estar livre novamente.

— Muito obrigada, senhor... — Flora levantou as sobrancelhas aguardando uma resposta.

— Philip! — Uma voz masculina ressoou alta logo atrás, chamando a atenção dos dois. — Graças a Deus você o recuperou!

Flora observou um jovenzinho arfando e afoito correndo em direção ao homem. Ele parou ao lado do cavalo outrora montado por um dos bandidos e acariciou a área entre os olhos e orelhas.

— Bom menino — com um sorriso de contentamento ele elogiou, não dando muita atenção para a mulher.

— Senhor Philip — Flora disse com toda a meiguice com que fora treinada, buscando o bom favor daqueles homens. — Eu agradeço os serviços prestados. Tenha certeza de que será bem recompensado por seus atos.

O homem descansou umas das mãos na sela e ergueu as sobrancelhas, encarando a jovem confusa. Flora observou melhor o cavaleiro. Ele aparentava ser mais velho que ela, daria vinte e sete, vinte e oito anos. Os cabelos eram longos e estavam presos em um rabo mal feito. Sua roupa denotava experiência naquelas estradas e a longa espada repousava segura em sua cintura. Aparentemente, nem ele, nem o rapazinho que ainda acariciava o animal apresentavam um risco para sua segurança. Estranhamente ela se sentia impelida a confiar neles.

— Bem, se puder me auxiliar a pegar uma diligência, creio que posso retornar para o pala... — Flora interrompeu, evitando falar além do necessário. A experiência anterior tinha sido assustadora o bastante. — Para casa.

Philip observou a jovem a sua frente. Ela estava vestida com roupas próprias dos criados, contudo, sua postura, fala e modos não faziam jus às vestes. A coluna estava muito ereta e suas mãos eram delicadas demais para uma trabalhadora. Com certeza se tratava de uma dama, provavelmente, em grandes apuros.

— Podemos providenciar isso. Porém, preciso antes saber quem era aquele que corria atrás da senhorita depois de roubar o cavalo de meu escudeiro. E — Philip acrescentou erguendo as mãos em direção a ela —, o nome de sua família.

Jasper, aliviado por ter seu cavalo de volta, enfim reparou na jovem ao lado do amigo. Não era comum encontrar mulheres vagando sozinhas por aquelas estradas. Ele se aproximou e com uma mesura, tratou de se apresentar.

— Jasper, a seu dispor, senhorita. — E voltando-se a Philip cumpriu seu dever. — Senhor, devemos nos apressar ou não chegaremos a tempo.

— Você tem razão, Jasper. Contudo, não podemos deixar a senhorita... — Philip encarou a jovem e parou a fala no ar, esperando ela se apresentar.

Flora mordeu os lábios. Eles pareciam não terem a reconhecido e isso era um bom sinal. Rapidamente deu o seu segundo nome.

— Jasmim.

— A senhorita Jasmim sozinha. E o animal dela está exausto, não dará nenhum passo carregando tanto peso.

Flora estava prestes a protestar, contudo, Philip já saltava de sua sela com agilidade, não dando atenção.

— Vamos precisar forçar um pouco mais nossas montarias.

Jasper não ficou nada contente com os arranjos do homem. Ele sabia que sobraria para ele o lombo de um dos animais. Flora desceu rapidamente de sua montaria e esticou as pernas por um momento, aliviada por ainda estar inteira.

— Nós estamos em qual cidade, senhor? — ela indagou para confirmar suas suspeitas.

— Estamos em Gebol — Philip respondeu calmamente, curioso para desvendar os mistérios da jovem.

— Ah! Claro. — Flora passou a andar em círculos, enquanto pensava. — Estamos mais perto do Reino de Goi do que de Gadol — ela murmurou para si mesma, embora em voz alta. — Talvez, se eu enviasse uma mensagem de socorro Henry viesse me resgatar. Obviamente atrasaria sua viagem, mas do que adiantaria ele chegar para o baile se eu não estiver por lá? Oh, céus! — ela exclamou quando a ficha caiu. — Eu preciso me apressar para retornar. Devem estar preocupados comigo. Papai vai me matar!

Philip e Jasper se entreolharam. Obviamente aquela jovem representava confusão e atraso em seus compromissos. E, se ela se referia ao príncipe Henry de Goi, ascoisas poderiam ser ainda mais confusas.

— Senhor, eu preciso que me leve agora mesmo para Gadol! — Flora exigiu com seu tom imperativo, com o qual costumava dar ordens.

— Bem, infelizmente, nós temos compromissos em outros condados que não podem ser adiados. A senhorita sabe a distância que estamos de Gadol? — Philip questionou.

— Um dia de viagem? — ela perguntou retoricamente. — Eu ainda chegaria a tempo.

— E por que tanta pressa? Aliás, porque a senhorita estava viajando sozinha, ou sendo perseguida tão distante de casa?

— É uma longa história e eu posso contá-la no caminho, mas, porventura se não for muito incômodo, podemos seguir? Eu estou perdida, mas creio que os senhores sabem bem onde estão, não é mesmo?

— Mas é claro! — Jasper se apressou a responder. — Conhecemos esse caminho como a palma de nossa mão.

— Os senhores são guers, não é mesmo? — Flora perguntou e Jasper sorriu afirmando com a cabeça. — Imaginei pelo sotaque diferente.

— Somos do Reino de Or, estamos em missão — Jasper respondeu rapidamente.

Philip lançou um olhar para o escudeiro e ele entendeu o recado, calando-se de imediato.

— Então, bravos cavaleiros de Or, peço, gentilmente, que me acudam e me auxiliem a retornar imediatamente.

Philip gostaria de fazer mais perguntas, mas a jovem estava determinada a partir o mais ligeiro possível e, contando que estavam bem distantes da cidade mais próxima e ele teria tempo suficiente para esclarecer melhor aquela história mal contada.

A princesa desacertada (e seu irremediável destino)Where stories live. Discover now