Trinta e nove

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Flora estava completamente convencida de que havia algo a mais no chá oferecido por Amelie na noite anterior, uma vez que adormecera rapidamente, algo impossível para uma jovem cuja mente e alma conturbadas provocavam uma onda de ansiedade que dificilmente a permitiria sequer fechar os olhos.

Acontece que o chá calmante — e ela pouco quis dar importância para qual substância havia sido adicionada à tradicional kamele — teria feito a princesa dormir até tarde se não fosse seu compromisso diante do desjejum real, na presença dos mais importantes nobres de Ach e reinos vizinhos. Afinal, apesar de toda a confusão instaurada em sua vida, ela ainda estava comemorando seu Tsalach e havia protocolos a seguir.

Enquanto caminhava, já devidamente produzida de acordo com o padrão esperado para uma princesa — e depois de fazer uso de alguns tônicos para acalmar sua feição ainda tensa —, Flora repassava em sua mente algo que atormentou seus pensamentos desde quando seus olhos se abriram e ela se deu conta de que a noite anterior não passara só de um sonho, mas era vida real.

Ela não podia negar que, muito embora tudo tivesse acontecido de uma maneira terrível, para não dizer assustadora, era de seu agrado o resultado de tudo aquilo. As palavras de Fergie, ditas antes dele se retirar dos seus aposentos, ainda lhe davam certa esperança de que talvez o destino realmente estivesse conspirando a seu favor. Ela, noiva de Philip, era algo muito agradável, para não dizer, desejável. Mas, Flora não queria ser injusta. Sim, ela realmente aceitara sua sina com um grau acentuado de alegria — para não dizer prazer. Contudo, ela não poderia impor o fardo para Philip. Oh, não! Não desejava que o guerreiro fosse apenas vítima de uma eventualidade não planejada, da qual ela devia sua vida. Por mais que a atitude de nosso herói fosse o esperado para um cavalheiro, a princesa não submeteria a ele uma carga que talvez não quisesse levar.

O plano estava feito. Ela conversaria com Philip e se ele estivesse realmente preso ao dever, e apenas isso, Flora o dispensaria da obrigação de manter sua palavra. Arrumaria uma maneira de fugir e o poupar de um provável fardo. Claro, ela não tinha se esquecido das vezes em que ele havia deixado clara a importância de seu encargo com Sua Majestade Chesed, o rei de Or. Ela sabia o quanto ele havia evitado uma união amorosa, uma vez que uma família o obrigaria a abdicar de muitas de suas viagens e responsabilidades.

Flora suspirou profundamente. Não queria pensar o quanto era penoso admitir a possibilidade de ser rejeitada, de alguma maneira, por Philip, agora que ela estava comprometida com o homem mais virtuoso que conhecera — mesmo ciente de conhecer poucos homens em sua vida. Porém, ela estava determinada a fazer a coisa certa, custasse o que custasse.

Estava pensando nisso quando uma voz repulsiva chamou pelo seu nome. Sentiu um calafrio e suas pernas tremeram levemente. Contudo, não se permitiu demonstrar pavor. Mantendo a cabeça erguida virou-se.

— Henry, pensei que a essa altura estivesse longe — ela disse num tom seco quando encontrou o príncipe caminhando com as mãos estendidas em sua direção.

— Eu não poderia partir sem esclarecer as coisas, Flora — ele disse num tom suplicante e um tanto galante. — Devo dar explicações.

Flora deu um passo para trás. Tal atitude alarmou os homens que a escoltavam. Fergie fez questão de aumentar a guarda da princesa e proibiu que ela permanecesse sozinha. Era por esse motivo que ela se encontrava, naquele momento, rodeada com meia dúzia de soldados.

— Você não precisa explicar nada, Henry. Sua atitude deixou extremamente evidente suas intenções — ela respondeu mantendo um tom firme, mas querendo a todo custo evitar que o assunto viesse a tona e, para piorar, fosse ouvido pelas pessoas ao redor.

Henry, sensível ao recuo dela, parou por um instante. Foi quando Flora notou a mulher que se encontrava logo atrás dele. Loira e de um corpo vantajosamente esculpido, vestia trajes de guerreira. Era extremamente atraente e, apesar de denotar fazer parte da guarda pessoal do príncipe, parecia querer desempenhar outra função ante aos homens.

A princesa desacertada (e seu irremediável destino)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora