Flora sorriu satisfeita ao notar a rápida cicatrização da pele afetada. Comemorou silenciosamente por suas peraltices roubando livros medicinais e pelo desejo de aprender mais do mundo misterioso além dos muros do castelo. Imaginou como Henry ficaria orgulhoso diante de sua inteligência colocada em prática e mal poderia esperar a hora de reencontrá-lo para contar como havia ajudado uma pessoa, mesmo ouvindo de todos que uma princesa não deveria gastar seu precioso tempo se preocupando com questões como essa.

— Vai arder um pouco — ela informou perto de acrescentar mais uma camada de uma pasta especial que neutralizaria o efeito da água ácida —, mas é para o seu bem.

Philip sentiu a implicação do alerta da princesa e contorceu os lábios, segurando-se para se manter firme diante da excruciante dor.

— Como sabe quais cuidados deveriam ser tomados? — ele perguntou com a intenção de levar sua mente a trabalhar, afastando assim a sensação desconfortável.

— Eu li uma vez sobre os danos causados pela água ácida da tempestade do norte, porém, nunca tinha me deparado nem com uma tempestade, nem com uma ferida provocada por ela. Graças a Deus eu me recordava quais folhas deveria utilizar para preparar a pasta e a raiz para o chá que ajudaria a aliviar a dor. Jasper colheu todas quando o tempo se estabilizou — ela dizia enquanto fazia seu trabalho, buscando ser rápida e evitar mais sofrimento ao debilitado homem. — Aliás, a experiência de seu escudeiro também foi de grande utilidade. Ele quem me informou da febre que acomete quem é atingido pelas águas ácidas e me tranquilizou diante de suas alucinações.

Flora terminou e olhou dentro dos olhos de Phil nesse momento. Recordou-se das palavras soltas durante os momentos de delírio do cavaleiro. Apesar da aguçada curiosidade feminina ansiar por ouvir as histórias referentes àquele nome muitas vezes proferido, hora com muita amargura, hora com uma intensidade apaixonada, ela conteve-se. Não seria apropriado apoderar-se de informações ditas por um homem inconsciente, muito menos pressioná-lo a falar sobre determinado assunto.

— Quanto tempo eu dormi? — Philip desviou o olhar e encarou o escudeiro do outro lado da caverna.

— Mais de doze horas, senhor.

— Precisamos partir imediatamente ou todos os nossos planos serão frustrados — Philip ordenou e fez menção de se levantar.

— De maneira nenhuma! — Flora pousou a mão no ombro do rapaz e com a voz rígida demonstrou todo seu descontentamento com a menção dos planos dele. — O senhor precisa repousar ao menos até amanhã ou poderá ter uma forte crise de enxaqueca.

Phil não gostou nada daquela mulher lhe dando ordens. Imediatamente, toda sua pequena admiração causada pela amabilidade do cuidado da princesa foi substituída por seu orgulho ferido. Não aceitaria aquele comportamento novamente. Não! Não ousaria permitir uma mulher interferindo em sua vida.

Desviou-se das mãos dela e mesmo sentindo muita dor, levantou-se e ergueu as costas.

— Organize nossas coisas, Jasper. Quanto antes sairmos, melhor será.

Jasper sabia que aquela não era a hora de contestar seu mestre, por isso, obedeceu prontamente. Flora, indignada por ser a única com um pouco de senso entre os três, colocou-se a frente de Philip, levou as mãos até a cintura e encarando-o com rigidez, advertiu:

— O senhor não pode partir! — exclamou com bastante ênfase.

— Não posso? — Philip indagou com ironia, sentindo-se tomado cada vez mais pelo orgulho independente ferido.

— Não, não pode.

— E quem me impedirá, senhorita? — Ele ergueu o corpo, tornando-se ainda mais ameaçador diante da jovem.

— A pessoa que cuidou do senhor e viu tamanha aflição diante da dor e do sofrimento provocado por essa ferida. — Ela apontou em direção à nuca dele, não se rendendo frente à postura rigorosa do cavaleiro.

— Pois não deveria ter se dado ao trabalho — ele respondeu e, sentindo um pouco de culpa depois de ter dito as palavras, virou-se a fim de não precisar encarar a mulher e aliviar sua consciência.

— Não deveria mesmo, uma vez que o senhor quer desperdiçar todo o meu tempo perdido dedicado ao seu tratamento, partindo quando deveria descansar para se recuperar totalmente — ela exclamou colocando-se novamente a frente do homem que claramente se irritou com o comportamento exigente dela.

Philip contemplou os braços cruzados da petulante princesa, irredutível diante de sua sugestão de partir. Ainda que a razão tentasse alertá-lo o quanto deveria ser grato e cortês para com ela, as emoções o impulsionavam a ganhar aquela discussão a qualquer custo.

— Pois então, a senhorita quer dar as ordens? Faça isso! Deixarei em suas mãos o poder da decisão, já que julga saber o melhor para nós. Partiremos quando quiser, contudo, se o início da nossa viagem não estiver enquadrado para a próxima hora, saiba que serei obrigado a descumprir com minha palavra e não mais a levarei diretamente ao seu castelo, atrasando assim o seu tão sonhado retorno, colocando em risco o seu precioso Tsalach. — Phil sentiu-se vitorioso ao contemplar o semblante estarrecido dominando a jovem. — Se adiarmos nossa partida, a senhorita precisará seguir conosco para a Torre do Refúgio, onde temos compromissos importantes e só após executarmos nossa missão, poderemos levá-la de volta em segurança para seu lar.

O jovem cavaleiro teve certeza que havia tocado no ponto fraco da princesa. Desde o encontro naquela estrada, o maior anseio demonstrado por parte dela era retornar para o castelo quanto mais rápido fosse possível. Contudo, a última atitude que ele conjecturava testemunhar, era a jovem balançando os ombros e voltando-se ao fogo para mexer a panela de sopa.

— Tudo bem, eu aceito suas condições.

Phil foi pego de surpresa. Não esperava que ela cedesse tão facilmente e, embora tivesse de alguma maneira vencido o comportamento obstinado da princesa, obrigando-a a abrir mão de sua vontade decisiva, sentiu que era ela quem havia saído vitoriosa.

Jasper, ignorado até então no meio daquela discussão, atreveu-se a falar.

— Nós vamos ou não partir agora?

— Não! — os dois responderam juntos, embora a mulher demonstrasse determinação e o homem irritação.

A princesa desacertada (e seu irremediável destino)Onde histórias criam vida. Descubra agora