Embora tenha um casaco quente por cima da camisola por si só já grossa, o frio entranha-se nos seus ossos de uma forma impiedosa. Kai sabe que não é o único a sentir-se dessa forma. Annaleah treme a seu lado, e mesmo Theo, coma sua habitual postura relaxada, encontra-se quase abraçado a si mesmo. Não podem afirmar que esta noite, por estes motivos, seja a ideal para executarem o seu plano de resgate. Contudo, seguindo todos os outros pontos de avaliação, esta torna-se a única que os permite fazê-lo.
– Quantos te parecem que são no total?
Kai encolhe os ombros.
A noite está tão escura que fica difícil para ele distinguir os corpos das sombras. O nervoso por estar tão perto de Aidan também dificulta em muito. De certo modo, nunca esteve tão perto do irmão como está agora, em meses. Apenas a possibilidade de conseguir resgatá-lo das garras do Estado consegue dar a Kai uma alegria que ele achava não conseguir mais suportar.
Tudo isto graças a ela. O seu peito aperta-se num pequeno nó ao pensar nela – Imogen – que fará de tudo para que ele possa reunir-se com Aidan uma vez mais. Por breves momentos, recorda-se das infinitas reuniões a tentarem traçar um plano e, por conseguinte, do que ela fará para que eles tenham a distracção perfeita e o caminho livre para dentro do Quartel. O seu estômago revolve-se somente de pensar nisso.
A forma como a tratou na última semana não foi de todo a mais correcta, no entanto ele não se pode dar ao luxo de perder a cabeça daquela forma mais vez nenhuma. A sua única missão é salvar Aidan e, por breves momentos, quase se esqueceu dela. O sucedido com Theo não pode, nem deve, voltar a repetir-se. Imogen é crescida o suficiente para se defender sozinha. Sem falar que tem mais força que ele. Pelo menos, é disto que tenta convencer-se. Na realidade, só de lembrar como Theo falou dela e com ela, apetece-lhe atirar a cabeça do rapaz contra a rocha agora mesmo.
Respira fundo, afim de acalmar o fogo que arde dentro de si. Precisa de se concentrar, pois tudo tem de correr como planeado. Não há espaço para erros.
Volta a focar-se no que tem à sua frente, tentando contar quantos kakois se encontram no local.
– Seis... Não! Sete a patrulhar e três na entrada.
Theo levanta-se. – Conseguimos dar conta deles até os outros chegarem.
Kai direcciona a sua atenção para o rapaz. – Esse não é o plano.
– Não podes estar seriamente à espera que se siga o plano na perfeição.
É exactamente disso que Kai está à espera. Prepara-se para responder, no entanto Annaleah é mais rápida.
– Rick e Imogen precisam da nossa colaboração e que sigamos todos os passos no seu devido tempo, Theo. A vida deles está dependente disto.
– E a minha vida? A nossa? – Ele volta a abaixar-se perto deles. – Portanto, vamos mais uma vez colocá-las na mão da Kakoi?
Kai quase avança na sua direcção, mas retém-se a tempo. O suficiente para não voltar a cometer o mesmo erro, até porque aqui, de todos os lugares, é o lugar menos apropriado para tal. Assim, faz uma nota mental de ensinar uma lição a Theo quando tudo terminar.
Ignorando o sorriso provocativo do rapaz, olha de novo para os muros do Quartel. Só existe na realidade uma entrada, e essa é a sua única opção. Depois da primeira parte do plano estar concluída na Casa Presidencial, será a sua grande oportunidade. Só espera que tudo corra bem para que lhes seja possível entrar.
O som de um galho a partir-se desperta-o dos seus pensamentos. Automaticamente, Kai agarra no cabo da espada, estando assim pronto a usá-la de imediato se necessário. Porém, no fundo, deseja que seja um cão vadio, pois enquanto estiverem somente ali os três a sorte claramente não está do seu lado. Perto de si, Annaleah e Theo colocam-se em posição de defesa. Enquanto isso, ele perscruta tudo em seu redor à procura da ameaça.
O seu estado de espírito acalma-se quando Theo baixa a arma e sorri.
– Estava quase a enfrentar estes kakois todos sozinho – diz para o ar.
Segundos depois, Kai começa a distinguir uma sombra a aproximar-se deles, com mais sombras atrás de si. Sente as batidas do coração a abrandarem quando reconhece os Filhos a entrarem no seu campo de visão.
– Gostava de ver isso a acontecer. - Louis, um homem de quarenta anos, que conhece desde criança, coloca-se quase colado a si e apoia a mão no seu ombro ao mesmo tempo que lança um sorriso de escárnio na direcção de Theo. – Estás preparado, miúdo?
Assente, embora por dentro não se sinta de forma alguma assim.
– Mas então, vamos a isto?
Todos seguem a liderança de Louis.
Kai deixa todos avançarem à sua frente, decidindo ficar para trás. Annaleah percebe a sua indecisão e agarra-lhe o braço. Finalmente, chegou o momento. Não sabe como reagir.
– Sabes que vai correr tudo bem.
– Eu sei. A minha questão é saber para que lado. Se do nosso, se de Imogen na Casa Presidencial.
E essas são as primeiras palavras do dia todo em que acredita realmente.
Chegámos às 6K! Parabéns a nós!
Mas não é a única notícia. Os Filhos das Ruínas é oficialmente vencedor da categoria de Ficção Científica de Português no Concurso dos Wattys 2019!! Obrigada a quem me ajudou a chegar aqui. Adoro-vos do fundo do meu coração.
Agora fiquem com um novo capítulo, pois a história já está no fim.
Não te esqueças de contribuir com a estrelinha.
Atenciosamente,
a autora
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Filhos das Ruínas
Science Fiction• Vencedor do Wattys na Categoria de FICÇÃO CIENTÍFICA 2019 • "Após a Grande Guerra, não ficou nada mais do que restos do que outrora formou as nações. Sobraram apenas pessoas quebradas, outras doentes, outras loucas; lugares sujos e sem vida; u...