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Olho para o mundo que passa do lado de fora do carro

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Olho para o mundo que passa do lado de fora do carro. O barulho de fundo do motor ajudou-me a embrenhar-me no que corre lá fora. Tento distinguir as sombras da noite, como se houvesse algum tipo de firmeza nelas.

Uma semana se passou desde o sucedido. Os sete dias mais longos que tive de enfrentar. Agora, encontrando-me onde estou, a ansiedade do que sei que está para acontecer agoniza-me a cada instante. O homicídio premeditado que irá colocar mais sangue nas minhas mãos está perto de acontecer, se tudo correr como foi planeado. Consigo sentir a electricidade provocada pela adrenalina a percorrer-me a veias quando o carro pára em frente à Casa Presidencial.

Respiro fundo antes da porta do carro ser aberta para mim. Rick estende-me a mão solenemente. No seu rosto, eu encontro determinação. Ele, tal como eu, está vestido a rigor. O fato preto assenta-lhe bem, como se ele tivesse nascido para circular por entre este seio. Aceito o seu gesto e afasto a cauda do meu vestido vermelho, de modo a conseguir descer do carro o mais graciosamente que consigo.

- Estás preparada? – Rick fala baixo, quase num sussurro afim de somente eu o ouvir.
Inevitavelmente, retorno o olhar para ele.

O meu coração bate desenfreadamente no meu peito. Eu acredito, do fundo do meu ser, que Rick irá proteger-me do que quer que aconteça, No entanto, eu não consigo deixar de pensar no quanto eu queria Kai aqui comigo.

Pensar nele dói. Não do tipo exagerado, mas algo como reflexo da desilusão que se desenvolveu a partir do desprezo que adoptou para comigo nos últimos dias. Afinal depois do sucedido, Kai decidiu afastar-me por completo, agindo como se eu não merecesse sequer estar na mesma divisão que ele, deixando-me completamente perturbada nas longas reuniões que tivemos para organizar tudo. Quando estas terminavam, ele abandonava o escritório sem sequer me dar possibilidade para lhe dirigir uma palavra.

A mão de Rick encosta-se ao meu braço nu, o que me desperta dos pensamentos onde já me estava a perder. Há uma nova emoção no seu rosto, emoção esta que não consigo decifrar. No fundo, embora a última semana tenha criado uma nova conotação no termo de tempo, eu não conheço mais do que aquilo a que Rick se permite conhecer. Dessa forma, há atitudes e gestos que não reconheço por mais observadora que eu seja.

- Temos de nos misturar e socializar. Não te esqueças de nunca tirar a máscara... Louisa.

Assinto em concordância perante o nome do meu disfarce.

Para que o plano corra bem, foi imperativo arranjar-me uma nova identidade e uma festa onde o meu rosto pudesse estar coberto. Esta festa tornou-se a oportunidade perfeita. Rick conseguiu um convite para si e para um acompanhante. Bendita à Alta Sociedade e ao seu fascínio por festas de máscaras e luxo.

- Eu sei que preferias que o Kai estivesse no meu lugar, Imogen, mas temos de fazer isto funcionar. É possivelmente a nossa única oportunidade. – O olhar líquido de Rick permanece em mim enquanto discursa. Ele é bonito, com toda a certeza. Por breves momentos, consigo perceber o que Annaleah viu nele. – Vai correr tudo bem.

– Não tenho dúvidas disso. Está tudo planeado à perfeição. Rick, respira.

Ele solta uma pequena gargalhada. – E de pensar que não tinhas humor.

Encolho os ombros. – Nem sempre mostro todas as minhas qualidades de uma só vez.

Rick olha em redor, tentando captar algum rosto conhecido. É necessário que haja um grupo de pessoas capaz de nos identificar e confirmar a nossa presença. Por esse motivo, estipulou-se que precisaríamos de ir alternando os dois entre as nossas conversas afim de confundir as pessoas com quem interagimos. Sendo que ainda é relativamente cedo e de conhecimento comum que o Presidente não chega cedo a qualquer festa que esteja a contar com a sua presença, dá-nos uma margem muito maior para prepararmos o terreno.

Nervosamente, troco o apoio do corpo do pé esquerdo para o direito. Há tanto em risco que é fundamental que tudo corra exactamente como foi planeado. Não há margem para qualquer erro que nos possa conduzir a situações que podem ser evitadas. Kai, Theo e Annaleah, que se encontram a mais de cinco quilómetros de distância de nós, precisam que toda a atenção seja desviada deles. Eu tenho de cumprir o meu papel na perfeição, por mais que esse mesmo se adoeça só de pensar em executá-lo.

Ao mesmo tempo que Rick perscruta a sala, eu imito-o. Procuro rostos familiares, não que vá de ser grande ajuda. Ou assim penso, mas de imediato sou desacreditada. Durante o meu tempo no Quartel, foram vários os rostos de altas patentes que se cruzaram comigo em variadas situações; pessoas estas com ligações directas ao Presidente. E mais cedo do que tarde, o meu instinto revela-se correcto ao detectar a presença de um dos cientistas que trabalha nos laboratórios no Quartel.

Um arrepio atravessa-me a espinha e sinto tudo o que tenho no estômago a revolver-se num turbilhão. Nunca esperei encontrar ninguém responsável pela minha infância nunca mais. O meu primeiro impulso é correr na sua direcção e apertar o seu pescoço com a força sobrenatural que ele me atribuiu contra o meu próprio desejo. Porém controlo-me. A minha missão vale mil vezes mais do que uma rápida vingança. Estes desejos e impulsos são reflexo exactamente do que ele me tornou, não posso ceder a eles senão em ponto algum me distancio do que eles tanto lutaram para que eu fosse. Assim, endireito as costas, dou um toque a Rick e indico para que ele me siga. Cegamente, ele obedece.

Os meus passos são ensurdecedores enquanto eu me obrigo a andar na direcção do alvo. Os meus pensamentos, em contínuo seguimento, tentam convencer-me de que tudo irá correr bem. No fundo do meu âmago, sei que é uma mentira descabida.

– Rick! Bem que eu achava que eras tu – o cientista fala num tom expressivamente animado. Na sua mão, o copo de licor já se encontra quase no fim, o que justifica muito da sua postura. – Estava a ver que hoje não aparecias. Já não te via nestes círculos a algum tempo.

Os meus olhos saltam entre um e outro, um pouco confusa em relação à natureza da sua relação.

Rick somente encolhe os ombros, tentando manter a sua postura jovial e educada. Mas é então que os olhos do cientista recaem sobre mim. Sinto a adrenalina a disparar nas minhas veias. Talvez não tenha considerado bem esta hipótese. O medo de ele me reconhecer é quase absurdo, como um zumbido constante no meu cérebro. Ao olhá-lo, não consigo vê-lo sem a seringa na mão, a seringa responsável por tudo.

– Vejo que estás bem acompanhado – o homem diz na minha direcção ao mesmo tempo que coça a barba castanha que lhe cobre metade do rosto. Os olhos continuam exactamente iguais, tal como o cabelo escuro, embora mais grisalho.

– Esta é a Louisa – Rick apresenta-me, e eu esforço-me por sorrir. – Este é o meu tio Henry.

Então sinto o ar a desaparecer-me dos pulmões.

E estamos de volta! Espero que gostem do capítulo!

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E estamos de volta! Espero que gostem do capítulo!

Quem será o Henry? E porque Rick nunca disse que tinha família dentro do Quartel?

Vamos ter de esperar pelo próximo capítulo! No sábado, sairá outro.

Não se esqueçam da estrelinha.

Atenciosamente,

a autora.

Filhos das RuínasWhere stories live. Discover now