Capítulo 55→" É oque mais tenho feito nos últimos tempos."

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Narro esta história de um tempo meio distante, mas ainda me pego em pensamentos desesperados na busca pelo exacto momento em que tudo começou a sair dos eixos. Num dado momento, pareceu que formou-se um tornado com um simples estalar do dedos, se aproximou da minha vida e eu nem vi. Devia estar ocupada demais com minha meninice que se perderia no meu passado em pouco tempo. Desarrumou tudo e como é sabido, um tornado leva sempre algo consigo.

Os comentários maus e os olhares tortos aumentaram e se expandiram. Eu não era condenada e gozada somente na escola. Diziam-me que em rodas de senhoras, em alguns salões da zona e até no hospital no qual minha mãe trabalhava, eu e minha mãe eramos o motivo de comentários ofensivos. Algumas vinham deitar suas opiniões na minha cara, com repúdio, sem ao menos se importar com oque aquilo me faria sentir. Nunca desejei tanto me livrar da minha gravidez como naqueles dias.
Buma das deprimentes manhãs, minha mãe entrou no meu quarto e me disse que precisava que eu a levasse para casa de Weben. Procurei em seu rosto um traço que me fizesse pensar que era só mais uma de suas conversas e que terminaria por me dar mais tempo, mas não era. Estava séria e decidida, foi então que justificou sua decisão com a dificuldade que eu passava e que ele precisava estar próximo de mim dali em diante. Depois de tanto suplicar e não haver efeito, acabei por ceder e em alguns dias eu a levaria para lá.

Num intervalo de 6 dias, quebrei o recorde de vômitos e desmaios, minha queda de pressão se tornou mais frequente, meu corpo doía sempre em algum lugar e eu estava mais preguiçosa que nunca. Comia imenso e não era nada do que me fou recomendado, meu desleixo passou a ser evidente. A dimensão da coisa se assemelhava a de uma mulher deprimida durante a gravidez. Estava com notas péssimas na escola, estava distante de meus amigos, distante de mim mesma e a única forma de me encontrar era manter um diálogo-não-recíproco com o bebé que crescia em meu ventre.

Não havia suporte, o meu único suporte era o chão.

Vou levá-lo para o dia em que completei 5 meses e uma semana de gravidez. Exacto dia em que tinha minha terceira consulta com a ginecologista e que devia levar minha mãe para conhecer a casa de Weben.
Aquela manhã estava bonita demais para oque se sucederia. O sol pintava a cidade com seus raios de ouro, nuvens se tinham derretido no calor da manhã, o céu estava azul e limpo, o vento estava fraco e fresco, notei-lhe a fraqueza quando fixei meu olhar na árvore que tinha folhas verdíssimas e se moviam num balanço como o que faz um bebé dormir: lento, suave e carinhoso. Talvez eu precisasse do carinho daquele vento.

Fixei o olhar ali para tentar esquecer a dor insuportável que se tinha instalado no meu abdômen. Doía muito como se virassem de forma contínua uma faca espetada exactamente no canto superior esquerdo dele. Me tinha cansado de chorar por horas. Revirei e o colchão revirou comigo, levantei e caminhei pelo quarto...

Me perguntava se eram cólicas ou se já era hora de dar o parto, me perguntei também se tudo aquilo era normal, mas nada nem ninguém me podia dar respostas. Lembro que troquei o absorvente duas vezes naquela noite e mesmo assim uma mancha formou-se no lençol da minha cama.

Depois de tanto tempo, encontrei uma posição que minimizava a dor. Fiquei ali com as duas mãos segurando minha barriga saliente e com os olhos fixos na janela. Amanheceu e eu estava ali, com olhos inchados, com rastros gordos e molhados de lágrimas pelas têmporas. O ar só entrava nos pulmões se eu o inalásse de forma violenta, sentia fome de doer, mas não podia me mover.

Virei a cabeça assim que a porta do meu quarto foi aberta e minha mãe surgiu sonolenta nela.

— Bom dia! Hora de acordar e se preparar para o dia de hoje. — sorriu fraco e suas palavras inflamaram meu peito, fazendo com que eu chorasse ainda mais. — Estavas a chorar? — estreitou seu olhar em minha direcção e entrou no quarto.

— É oque mais tenho feito nos últimos tempos. — Falei com dificuldade e a saliva descia densa e adesiva pela minha garganta.

— Houve alguma coisa que não me contou ontem? — se aproximou e eu me preocupei em sentar por cima da mancha de sangue.

— Não, eu conto tudo...— mentira —...é que todas essas coisas, as pessoas...eu não estou a aguentar, mãe. — mais uma vez minhas lágrimas escorrerram.

Minha mãe, pela primeira vez, parecia não saber oque dizer. Apenas se aproximou de mim e me abraçou desajeitadamente por conta das posições de ambas. O corpo esticado só fez com que a dor voltasse com mais força ainda, no ombro da minha mãe fechei os olhos com força e num ato totalmente necessário, apertei-lhe os ombros com a pouca força que me restava.

— Eu juro que tudo isso vai passar. — se afastou e sentou na minha cama.

— Quando? Está a demorar muito. — tentei sorrir, mas só intensifiquei o choro de tal modo que me tirava a habilidade de falar.

— Ok, vamos para a casa do responsável por isso, vamos a consulta e eu prometo que depois disso vamos para onde você quiser, onde você se sentir melhor.

Assenti sem conseguir dizer uma palavra e respirei fundo por vezes sem conta. Dentre tudo aquilo, me pesava a decisão que tomei de não contar para minha mãe sobre o sangramento. Me pareceu ser, sem sombra de dúvida, a pior das decisões.

EVIE: Das Más Escolhas Nasceu A Maturidade Where stories live. Discover now