Capítulo 34→"Você não ouve!"

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Sabe quando dizem que você pode controlar teus nervos? Sim, isso era impossível com Tânia por perto. Partiu tudo de um mal-entendido da parte dela.
No último banco do semi-coletivo—vulgo chapa—, eu tentava manter o tom baixo da minha voz ao tentar fazer com que Tânia me percebesse, só que ficava cada vez mais difícil, porque ela fazia de tudo para me manter naquele estado. Parecia divertido para ela.

— Vou perguntar denovo: Doeu?

— Eu disse que não dói! — subi meu olhar até suas dreads pretas.

— Então? Eu cheguei de falar mais alguma coisa?

— Sim, falou!

— Eu só perguntei. — levou sus mão a boca e riu da minha cara.

— Entenda: eu disse que não dói, não que gostei! Isso é constrangedor em todos sentidos possíveis.

Sim, ela achou que eu tivesse adorado ter uma solda raspando meu canal, mas foi exactamente o contrário.

— Eu não neguei.

— Tânia, aquilo foi horrível por conta do incômodo que eu sentia sempre que a Dra. manipulava a sonda. Para não ter que falar do constrangimento por ter minha mãe ali. Bem diferente do que você sente quando está a fazer sexo, por vários motivos.

— Dentre os quais...?

— O pênis do homem não é sólido. — falei e cruzei os braços.

— Fala como se tivesse experimentado mais que um. — ouvi sussurar antes que eu desse atenção as pessoas ao meu redor.

 Só então percebi que tinha elevado o tom o suficiente para que algumas pessoas ouvissem. Essas pessoas olharam para mim com um certo espanto. Meu corpo arrepiou pela vergonha, então eu fingi que estava a coçar meus pés e me inclinei, encostando meu rosto no encosto do banco que estava na nossa frente e olhando para Tânia com raiva.
Fechei os olhos com força e belisquei, com toda força que tinha, a pele do braço da minha amiga. Seu olhar veio de encontro ao meu suplicando para que eu parasse, eu o fiz mas sussurei um "fuck you".

__________|♥|__________

Eu e minha amiga pisavamos cada um daqueles degraus com irritação e exaustão, porque eram tantos que davam até vontade de desistir.

— Falta muito? — perguntei meio ofegante.

— Não sei. Minha mãe falou de quinto andar, casa número 22.

— Eu me pergunto como deve ser o dia-à-dia das pessoas que vivem nos andares seguintes. Eu não resistiria uma semana aqui. — falei já sentindo meu estômago, junto com o paladar, implorar por mais um absurdo.

— Pelo menos sabemos que não são preguiçosas como nós.

— Eu posso usar a minha...sim,  não são como nós. — corrigi assim que me apercebi da merda que estava prestes a falar.

Tânia me olhou durante alguns segundos e eu aprumei os lábios. Parecia que tinha tirado o dia para passar vergonha.

— Eu, definitivamente, não aguentaria. — insisti e coloquei minhas mãos cintura.

— Estava a mentir, já chegamos. É ali! — apontou para uma porta que ficava havia menos de 20 passos de nós.

Caminhamos até lá em silêncio. Minha amiga tocou na campainha que ali havia, nos permitindo ouvir o som abafado de passos próximos da porta. De lá saiu um moço super alto, de cabelo comprido, bem encaracolado e de um castanho escuro. Era magro e vestia roupas esfarrapadas e meio sujas, denunciando que fazia algum trabalho que envolvesse canos.

— Bom dia. — se pronunciou o ser que estava ao meu lado.

— Boa tarde. — corrigiu ao mesmo tempo que respondeu sem esboçar nenhuma reação.

— Sim, eu sou filha da Dona Raquel e ela me mandou para entregar algo para um senhor chamado Virgílio. Posso falar com ele?

— Sim, entrem mas e.... — foi interrompido.

— Não será necessário, viemos só entregar um documento.

— Na verdade eu gostaria de entrar para beber água. — cocei minha nuca e sorri meio sem graça para ambos.

— Sim, mas não precisamos entrar para beber água. — minha amiga me ofereceu um de seus olhares que me devia intimidar, mas não o fez.

— Estou meio cansada também, uma cadeira ou sofá viria a calhar. — fiz a típica cara do cachorrinho que não teve efeito algum.

Tânia me ignorou e falou com o moço que nos observava como se atrasássemos sua vida.

— Então, ele está?

— Na verdade não, mas foi para um sítio perto daqui. Acho que não vai demorar muito para voltar.

— Pois é, me desculpa mas estamos com pressa, então pode... — meteu a mão na pasta pequena que tinha — ...entregar esse envelope para ele? Minha mãe disse para dizer que tem um documento em falta e que ele deve levar para migração na terça-feira, até no máximo 13 horas.

O moço recebeu o envelope branco  com os únicos dedos limpos que tinha, atento as palavras que ela dizia, enquanto eu me perdia no tédio que tudo aquilo me fazia sentir. Meu nível que impaciência era tanto que chegava até a afetar meu humor.
Assim que ela terminou, nos despedimos e eu resmungava frustrada por ter que descer todos aqueles degraus.

— Se você queria me fazer pagar pelo que aconteceu no chapa, fez um bom trabalho até agora.

— Na verdade não queria, porque estava e ainda estou  com cede e cansada, mas também serve.

Mais um de seus olhares me foi oferecido e mais uma vez não teve efeito algum. Começamos a descer as escadas e eu já sentia meus pés trêmulos, mas era mais fácil descer do que subir. Então, eu comecei a descer rápido para me livrar de tudo aquilo logo, oque não foi uma boa ideia, exactamente por ter sentido uma tontura que iniciou de forma brusca demais.
Ao soar da voz de Tânia em palavras de preocupação, me sentei num degrau  e meus poros libertaram muito suor, quando minha respiração começava a acelerar.

— Você não ouve!

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