Capítulo 28→"Me desejem boa sorte."

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Na manhã de sexta-feira, eu observava, através de meus olhos inchados e ardentes, minha mãe tomar seu chá, como se não houvesse nenhuma outra presença ali. Seu olhar vadio e seu silêncio me fizeram perceber que estava tal e qual no dia anterior.

Passei a noite toda aos prantos. Algumas vezes me arrependi por não ter tirado, outras desejei estrangular Weben, mas tudo terminava com meus dedos secando meu rosto e um conformismo que me acalmava. Assim foi durante a noite toda. Não dormi um minuto que fosse, a fome me levou para a cozinha, onde ela me encontrou logo depois, bem no início da manhã. De si recebi apenas um "Bom dia" num sopro frio e seco.

Foi então que tive certeza que algo tinha mudado entre nós duas, sabia que a imagem que ela tinha de sua filha tinha sido borrada pelo meu delito e aquilo só me matava mais por dentro. Me preocupava também a dúvida de não saber se ela contaria para meu pai ou não, porque eu não queria que ele soubesse. Pelo menos não tão cedo.

Algo me impedia de proferir qualquer palavra, talvez fosse a forma de estar e agir da minha mãe. Ela tinha prometido que me ajudaria com tudo oque pudesse, mas algo em sua forma de agir me dizia que nada seria como era antes dela saber. Eu sabia que tive o seu perdão na primeira vez que pedi, porém, era compreensível a dificuldade que tinha de controlar uma decepção causada por algo daquela dimensão.
Então por mais doloroso que fosse, eu entendia.

— Teu pai volta amanhã, provavelmente. Que horas sais da escola? — depositou sua chávena de chá e bateu suas mãos para se livrar das migalhas de pão.

— 14 no máximo.

— Quando sair da escola vai me encontrar no hospital Central. Quando chegar lá, me dê sinal e antes de sair deixa as chaves onde costumamos deixar para teu irmão. — me olhou rapidamente e se levantou.

Seus movimentos rápidos faziam seu corpo exalar ainda mais seu perfume. Vestia um vestido às listras, preto e azul-escuro, saltos e casaco no mesmo azul. Estava muito bonita e pronta para mais um dia de trabalho, mas lhe faltava o brilho que geralmente brincava no seu rosto. Terminou de falar, foi lavar a loiça que tinha usado e, tendo meu silêncio como resposta, passou por mim e sussurrou um "tchau".

Seu perfume foi inalado como um ar gélido por conta da rapidez com a qual ela passou. Normalmente bateria no meu ombro ou puxaria meu cabelo, mas não o fez.

Eu, definitivamente, mão era mais a menininha dela.

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Vozes ecoavam de forma ondulante do fundo do meu subconsciente. Então o eco foi desaparecendo e as vozes ficaram plenamente audíveis a medida que meus olhos se abriam lentamente. Era Agnes e Tânia. Me acordaram do sono no qual caí sem perceber.

Algo de muito estranho aconteceu. Não o facto de Tânia e Agnes estarem juntas, mas sim o meu sono que pareceu triplicar assim que acordei.
Meus óculos estavam tortos, meu pescoço doía um pouco por conta do desconforto, minha testa estava transpirada e, assim que abri a boca para falar, o hálito era um pouco desagradável, apesar de ter uma pastilha elástica presa no céu da boca. Cospi a pastilha e coçei meus olhos:

— Oque foi? — era como se eu carregasse toneladas em pestanas.

Minhas têmporas doíam imenso e meu estômago roncou.

— Porque é que teus olhos estão inchados? — Tânia inclinou para ter certeza do que tinha visto.

A empurrei de leve e me levantei para que ela não sentisse o hálito que saiu assim que eu respondi.

— Minha mãe já sabe. — peguei ma garrafa de água que estava na minha pasta e dei um gole para bochechar e cuspir.

Demonstração clara de "um minuto de silêncio", foi oque elas fizeram perante minhas palavras e oque fazia. A dor retornou e minha mente me levou de volta ao momento em que minha mãe expressou sua decepção. Voltei a me sentar, segurei a garrafa contra meu peito e meus olhos se marejaram mais uma, em centenas de vezes, só naquele dia. Agnes me olhava fixamente com os braços cruzados e Tânia fazia o mesmo, mas com as mãos plantadas na cintura.

— E oque foi que ela disse? — minha prima perguntou.

— Eu não contei, ela descobriu. Não sei como, só sei que ela apareceu no meu quarto com o teste na mão e me fez algumas perguntas. — engoli um gole azedo e adesivo — Estava muito séria e zangada, as vezes lhe custava acreditar em tudo aquilo e tal. — enxuguei as lágrimas com a manga da minha camisola e coloquei melhor meus óculos sob seus olhares atentos.

— Wow! Nem sei oque ti dizer. — Tânia mordeu seu lábio inferior.

— Mas eu sei! — se pronunciou, minha prima — está claro que esse é só o inicio da grande tempestade que vem por aí. De facto virão coisas difíceis, estaria a mentir se dissesse o contrário. Mas dê espaço para tua mãe digerir tudo isso. Assim que ela o fizer, você não vai se sentir mais sozinha, porque eu não duvido que ela será a pessoa mais presente nessa fase da tua vida.

— Sim, eu sei. Ela disse isso ontem, mas é inevitável sentir culpa por ter lhe decepcionado tanto. — meus olhos ardiam por tê-los esfregado tanto com o tecido da minha camisola.

— Isso é facto, mas dá tempo ao tempo, Evie. — a única coisa que Tânia conseguiu falar.

— Farei isso. Mas que horas são? — perguntei assim que lembrei do que tinha que fazer.

Agnes olhou para a tela do seu telefone e me disse as horas.

— São 13:38.

— Certo, eu preciso ir para o hospital Central, como minha mãe mandou.

— Quer companhia?

— Acho melhor não. Não sei nem oque vou fazer lá nem quanto tempo vou levar, mas acho melhor ir sozinha.

— Você acha que ela vai ti ajudar a tirar?

— Eu não acho. Minha tia não faria isso por mais decepcionada que estivesse. Quero dizer, isso vai contra os princípios dela assim como de sua filha. — gesticulava enquanto falava com Tânia e eu só questionava o surgimento da paz e harmonia entre as duas.

Decidi ignorar por um tempo.

— Exatamente, talvez seja o pré-natal ou outra coisa, mas isso não. E mesmo que fosse, eu acho que de facto não aceitaria. — confessei — Me desejem boa sorte. — respirei fundo e as duas assentiram.

Foi então que saí da sala de aulas, ainda domada pela preguiça, fome e sono, rumo ao hospital.

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