Capítulo 41→" Obrigado pai, amém."

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Naquele ano, Jesus Cristo renasceria numa terça-feira e nós festejaríamos seu nascimento com alguns membros da família, na casa dos meus falecidos avôs paternos.
O céu estava super nublado e o vento estava gelado, mas nem isso impedia com que os preparativos para a ceia de Natal acontecessem na naturalidade.

Cada um cumpria com sua tarefa. A minha era descascar um saco de batatas inteiro. Tinha começado até a sentir um certo desconforto na região da coluna e sentia minhas pernas doloridas.

— Falta muito? — Tia Ofélia, gêmea do meu pai, surgiu na varanda com seu avental xadrez coberto de sangue.

— Não, estou quase a terminar. — apontei para o saco de batatas quase vazio.

— Posso trazer algumas cenouras para descascares, também? — perguntou com receio e eu sorri para não mostrar que queria atirar a faca para ela.

— Sim, pode, Tia.

Ela se virou e entrou na casa, me deixando sozinha novamente. De qualquer lugar da casa podia-se ouvir Jazz. Jimmy DluDlu tinha suas músicas como hinos em Moçambique e não só. Os membros mais velhos da família Paruque amavam.

— Aqui estão. Quando terminar é só dizer.

— Ok.

Voltei meu olhar para a batata que ficava "nua" à cada vez que eu pressionava a faca contra sua casca. Do lado de fora da casa,  Tio Vitor, irmão mais novo do meu pai e herdeiro da casa,  cuidava do jardim. Algumas crianças se faziam curiosas perante seu ato profissional de cortar plantas. Dentro da casa, minhas tias cozinhavam e ornamentavam, meus primos mais velhos tinham saído com meu pai para comprar bebidas e outras crianças corriam de um lado para o outro com vestes de frio.
De tantos primos eu só queria que uma chegasse: Agnes.

— Não viu as chaves do carro? — minha mãe apareceu na varanda enquanto enxugava suas mãos no avental azul claro que trazia.

— Não. Não estão com pai?

Parou por um minuto e saiu da casa para falar com seu cunhado, que deu atenção assim que ouviu seu chamamento.

__________|♥|__________

Na sala super espaçosa,  estávamos todos vestidos de vermelho e branco. Num canto a mesa de comida estava farta e já se podia ouvir pessoas a reclamarem pela demora:

— Estamos com fome, quem falta afinal? — a única irmã do meu pai me representou em suas falas.

— Agnes e Vitor. — meu pai respondeu.

No segundo seguinte, podíamos ouvir gotas finas de chuva caírem sobre o telhado da casa. Estávamos todos agasalhados dos pés à cabeça. Agnes surgiu do corredor que dava acesso aos quartos da casa, vestida com uma camisola enorme branca com estampas vermelhas, calças brancas, meias vermelhas e seu telefone na mão. Logo depois Tio Vitor entrou pela porta com um plástico de gelo.
Eu olhava para tudo e todos de forma indiferente. Fazia de tudo para não ter atenção de ninguém, porque, para mim, era como se todos pudessem ver oque havia dentro do meu ventre. Vestida de um blusão enorme do meu pai, listrado pelas cores vermelho e branco, bermudas brancas, meias e sapatilhas a condizer, roia minhas unhas e tentava gerir a colisão de aromas que paivara no ar.

— Finalmente! Estamos completos? — perguntou o senhor Ivan Paruque.

— Sim. — respondemos  em uníssono.

— Podemos nos juntar a mesa para uma oração.

 Nos aproximamos da mesa e meu pai, como o filho mais velho da casa, limpou a garganta antes de começar a falar.

— Boa noite à todos aqui presentes.

— Boa noite! — respondemos mais uma vez em uníssono, então olhei para Agnes que filmava tudo aquilo e sorri. Sorriu de volta.

— Então, agradeço a todos pela presença e garanto que vai valer a pena. Hoje nos unimos aqui com o propósito de comemorar o nascimento de Jesus Cristo e, por via deste imóvel, ter memórias que nos levem à vida dos nossos pais, avós, Tios ou até mesmo bisavós: Paulo Paruque e Páscoa da Silva.

Meu pai não era tão bom com discursos, mas estava a se superar. Num certo momento de sua fala, o barulho da porta sendo aberta soou, porém, não me dei o trabalho de virar para ver quem era.

—...então agradeço mais uma vez pela vossa companhia e vamos orar.

Meu olhar voltou para o de Agnes que parecia olhar para algo por trás de mim. Ignorei e segui aos outros que ali estavam ao fechar os olhos.

—...unimo-nos hoje ao redor desta mesa para celebrar o nascimento do seu filho...

Eu nunca fui de me concentrar em orações, porque eu tinha pensamentos completamente aleatórios tipo: "Um passo meu equivale à quantos quilômetros para uma formiga?" quando devia estar a orar. Mas naquele momento, uma respiração bem próxima do meu rosto fazia com que minhas pestanas se movessem ao seu ritmo. Atentei-me em abrir um olho e virar um pouco meu rosto, mas mesmo assim não consegui virá-lo à ponto de ver quem era.

— Hellow! — o dono daquela voz pronunciou a palavra com uma perfeita combinação de sotaque e voz, ao sussurrar para meu ouvido, fazendo com que o ato, consequentemente, criasse arrepios pelo meu corpo.

Meu coração acelerou e algumas lembranças de um ano que se tinha passado, vieram à tona enquanto meu coração ganhava rapidez frenética.

Que não seja ele...
Que não seja ele...
Que não seja ele...

— Amém!

Obrigado pai, amém.

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