Capítulo 54→" É vez de escutar agora."

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Depois do banho, passei loção pelo corpo e desodorante nas axilas. Para absorver a fonte da minha angústia, coloquei absorvente e escolhi um vestido amarelo, largo, comprido e de tecido fino para que me sentisse confortável. Por fim calcei as pantufas da minha mãe e fui para a cozinha em busca de algo para comer.

Um prazer que eu sentia em estar limpa, era cheirar a sabonete de flores com loção de laranja e óleo de abacate. Pelo menos aquele cheiro não me dava náuseas, muito pelo contrário, me fazia querer juntar tudo num prato e comer.
Arrastei as pantufas pelo chão da cozinha até estar de frente para o fogão, tinha só uma panela que abri e tinha batatas, ovos, cenouras, cebola, couve, feijão verde e repolho. Tudo cozido. Me preocupei em temperar tudo aquilo e comer, mas quando estava para colocar as mãos na massa, meu telefone tocou.

 Me apressei em voltar para o quarto e assim que coloquei as mãos no aparelho, vi que era uma chamada de Cleyton.

Chamada on

— Alô!

Estou aqui há mais de 20 minutos. Você não pega no telefone e nem ouve. Venha abrir esse portão!

Estou a vir. — respondi com um sorriso.

Chamada off

 Corri até a sala e abri a porta principal. Assim que o vi, diminui a velocidade dos meus passos e passei a regular minha respiração acelerada.

— Você estava a gritar baixo, por isso não ouvi nada. — justifiquei enquanto caminhava para a entrada sob o olhar fuzilante do meu amigo.

— Eu não gritei porque vai contra meus princípios. Dei socos nesse portão e mesmo assim você não ouviu. — fechou o zíper da sua camisola.

— Ah...nesse caso, desculpa. — falei já destrancando o portão e logo depois o abri, dando passagem para ele. — Já conheces o caminho.

Assim que passou por mim, fechei o portão e o segui. Me permiti analisar a sua forma de andar e era meio peculiar, tinha sempre as mãos nos bolsos: ou da calça ou da camisola.

— Porquê é que você não anda como os outros que parecem ter levado tiros nas pernas e quebrado suas colunas? — ri e ele se virou para me encarar como se eu tivesse falado mais um dos meus absurdos.

Seu rosto estava em traços que denunciavam risos por vir.

— Você raramente pergunta coisas com sentido, agora. — riu junto comigo e algum tempo depois estávamos dentro da minha casa.

— Não tem sentido, minha pergunta?

— Porque é que você não é parecida com essas meninas todas que andam por aí?

— Porquê? — perguntei já prevendo sua irritação.

Detestava que eu respondesse as suas perguntas com outras perguntas, por isso me olhou sério quando passei para frente, segurei sua mão e o guiei até a cozinha.
   
— Eu estava para comer quando você ligou. Queres comer algo? Mas não é de coração. — brinquei.

— Eu sei, mas não quero nada. Só um copo de água. — se livrou do meu aperto suave e se sentou na cadeira que ali havia.

— Levante e sirva-se, você já não é visita e tanto eu quanto minha mãe já dissemos isso. — falei quando me digiria ao fogão para continuar com os preparativos da minha refeição.

— Fez oque eu disse para fazer? — levantou, deixou sua pasta por cima da mesma cadeira e deu passos lentos até o armário no qual ficavam os copos.

— Não, ainda não. — meus olhos e mãos dedicavam-se ao controle e corte dos alimentos cozidos. — Estava a tomar banho e vestir, você foi rápido. — sorri sem graça e olhei de relance para meu amigo que encheu um copo com água e bebeu toda em apenas dois goles.

— Ou foi você que demorou. Mas estás melhor? Ainda estás a...sagrar? — encheu o copo pela segunda vez.

— As dores de barriga continuam, mas não tão fortes como quando caminhava para cá. E sim, ainda estou a sangrar.

— Ótimo! Seja rápida então, precisamos ver oque você tem.

__________|♥|__________

De estômago cheio e relaxada no sofá na companhia de Cleyton, eu me fazia atenta a leitura dele, que tentava saber, com base no livro, o que acontecia comigo. Meu amigo estava com o livro no colo e passava o dedo pela página enquanto lia em voz alta oque nela estava escrito.

— Você sabe que todo livro tem índice, nem? Ou vai querer ler o livro de ponta à ponta? Acredita, você não vai querer fazer isso. — falei já impaciente e com uma almofada pressionada conta minha barriga.

— Eu sei que tem índice, mas eu quero ler algo antes. — ergueu seu olhar para mim e franziu o cenho durante o contacto visual — Já agora, oque houve com você e Tânia?

— Falou muito. Tem boca grande. — passei minha língua pelo lábio superior de forma estranha, sem saber porque fazia aquilo.

— Disso todos nós sabemos, mas ela disse oque? — semi-fechou o livro e me deu toda sua atenção.

— Vamos falar sobre isso depois, eu não quero falar nem sobre isso e nem quero saber oque tenho.

— Porquê?

— Não sei, tenho medo e não vou ficar em paz. Sei lá...

— Tem certeza? Eu particularmente não acho uma boa ideia.

— Tenho.

— Está bem, nem? Mas se for algo simples, você tem que saber. Se for algo sério, também precisa saber para tratar enquanto ainda é cedo. Eu acho que você devia ter o máximo de cuidado possível, agora que é responsável por duas vidas.

— Eu sei, só que tenho medo de saber. Só isso.

Meu amigo me olhou por algum tempo e fechou completamente o livro quando suspirou pesado.

— Pensa no que eu te disse, Evie. Você sabe que eu sempre tento te entender, mas pode ser uma coisa simples e normal, como também pode ser algo sério que você pode estar a tempo de curar, salvar, sei lá...

Cleyton estava certo e eu teria a noite toda para decidir aquilo com o bebé. Foi o que pensei antes de sentir que tínhamos passado tempo demais a discutir e falar sobre mim que nem me dei tempo para saber como ele estava.

— E você, como está? — a pergunta pareceu ter lhe surpreendido ligeiramente.

— Normal. Ainda em conflitos com meu pai, problemas financeiros dos meus tios, rejeições, etc. Mas estou um pouco bem. — cruzou os braços e permitiu que seu corpo relaxasse.

— Você sente como se estivesse entupido, pesado e engasgado, nem?

— Porquê?

— Porque você está a mudar. Fala pouco, anda como se carregasse algo nos ombros e dificilmente expressa oque sente. — cruzei minhas pernas e pressionei mais ainda a almofada contra minha barriga.

— Nada haver. É que parece que falei muito a minha vida toda... — sorriu de leve e piscou como em câmera lenta, um pestanejar lento como o tamborilar de dedos que fez —...é vez de escutar, agora.

EVIE: Das Más Escolhas Nasceu A Maturidade Where stories live. Discover now