48.

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Carolina Narrando.

Coloquei as crianças na cama e soltei um suspiro, peguei minhas coisas de banho e sai do quarto entrando no banheiro. Tomei um banho bastante pensativa, lembrava de minha conversa com a Lorraine e consequentemente lembrei do passado. É... Deus realmente sabe o que faz.

Peguei meu travesseiro, uma coberta e desci pra sala, puxei o sofá-cama e deitei naquele espaço só meu. Amo demais meus filhos, mas me sinto liberta quando estou assim sozinha, quando consigo dormir sem um braço, perna, por cima de mim. Coloquei na globo e tava passando um filmezinho até que interessante e então deixei ali mesmo, mas logo adormeci.

Acordei com uma sensação estranha, cobri a cabeça mas não passou. Descobri e abri os olhos devagarinho, virei pro outro lado e vi uma criança enrolada no cobertor com uma boneca, chupando dedo e cabelo desgrenhado.

Carolina: AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA. — Juro que não sou medrosa. — Quer me matar, Melissa? Puta que pariu, menina, porrrrrrra. — Falei ofegante, ela continuava parada. — Filha, vem cá. — Ela caminhou e pulou no sofá. —
Melissa: Não to conseguindo dormir.
Carolina: Deixa a mamãe falar com você um negócio. — Puxei ela pros meus braços. — Quando for assim me grita primeiro, não faz isso de novo não, tá? — Ela assentiou. — O que foi?
Melissa: Não vi você na cama quando fui te abraçar.
Carolina: Ah meu amor. — Fiquei fazendo um cafuné. —
Melissa: Me da dedeira, mãe.
Carolina: Fala direito, filha. — Ela continuou chupando o dedo. — Filha...
Melissa: Madeia. - Gente eu ri muito. — Para mãe sou palhaça, sou?
Carolina: Ih feia. — Levantei e fui pra cozinha, preparei rapidinho um leite com toddy e esquentei no microondas, voltei pra sala e dei ela. — Muito feia desse tamanho tomando mamadeira.
Melissa: Ih me deixa. — Mamou e adormeceu, estava quase na mesma quando escutei um choro. Levantei devagar e subi correndo e entrei no quarto vendo meu neném sentado na cama aos berros enquanto o celular tocava. —
Carolina: Shiiii, amor, mamãe tá aqui. Cala a boquinha vai. — Peguei ele e balancei. — Calma, Messias. — Ele dava cada suspiros fortes. — Filho mãe já tá aqui, vai acordar a casa toda amor. — Ninei ele que parou, mas o telefone continuava, atendi. —

Começo da Ligação:

Eu: Quem é?
X: Amor manda me buscar que a minha liberdade cantou.
Eu: É o quê? — Senti meu coração saltar. —

Ícaro Narrando.

Ta osso, é mais um dia menos um dia, a hora parece que não passa pô. Aqui é cheio de regras, horários, um comodismo repentino que me deixa angustiado, inquieto, pensativo. Porra mo saudade da minha família, dos meus parceiros, da vida que eu tinha lá fora.

Sorte que aqui dentro se você é de favela que tem nome, que representa, cê já tem benefícios. Da onde eu vim graças a Deus não tem guera com ninguém, o desentendimento que teve foi de facção lá de dentro mesmo, mas a treta acabou e já era. Meu vulgo aqui era bem falado, sempre fazia um pra não ficar na pedra. Depois que o patrão mandou a menina do corre passei a fazer dinheiro, mas sempre tem uns que quer passar a perna, não paga e os meus aliados lá de fora cobra mesmo. Ih tamo na mesma situação e nego quer pagar de jão sem braço logo pra cima de mim? Pô sou otário não!

Já tinha uns meses que fui do fechado pro semi-aberto e isso me trocou de ala, da cinco eu fui pra ala três e te falar bem melhor sem brava. Uma cela pra no máximo três pessoas, fala se não é daora? Pra quem tá aqui dentro é tudo, porque é foda ter que dividir um cubículo com mais de vinte caras, agora nesse barraco é eu e mais um. Mano é mil grau, coitado do Menor foi entregue pela mãe e não tem visita, não tem kit e é novinho. Meu coração fica com dó real, mas se escolheu essa vida tem que sustentar.

Zatão: To te falando, Menor, se você ganhar primeiro pode ir pra lá e procurar pela minha mãe que ela vai te levar no Renatinho, vou te fortalecer pô mais tem que fechar dez a dez.
Menor: To ligado meu mano, vai se arrepender de me dar essa moral não.
Zatão: É nós, bola um aí. — Fizemos um toque e eu passei a dola pra ele, peguei o bumba e vi que ia da duas da manhã ainda. Pensei em ligar pra minha preta, mas deve tá dormindo já com as crianças; a outra tava on então dei um salve. —
Menor: Aí. — Ele me deu um bolado brabo, acendi e fui pro banheiro. Dei uns tragos até a metade e passei a bola, sai do banheiro e continuei a fogueira do menor com jornal pra disfarçar o cheiro né não. Só menino esperto fala aí. — Bateu. — Sentou na jega dele. —
Zatão: Só dando um pra eu conseguir sustentar isso aqui. — Passei a mão no rosto. — Fé aí, Menor. — Deitei naquele colchão todo fundo que me fazia sentir o duro do concreto em baixo, mas era o que tinha. Fiquei de ideia no zap, mas logo entoquei o bumba, não posso com bobeira. Fiz minha oração baixinho e fechei os olhos, tava pronto pra dormir quando escutei um porradão na grade. — Porra uma hora dessa eles vêm atormentar.
X: DESCIDA. — Deu logo um gritão que me deixou esperto, levantei num pulo e colei a cara na grade. Vários foram chamados. — ALVARÁ. — Coração chega parou. —
Menor: Porra. - Sentou na cama. -
X: ÍCARO FELIPE ALMEIDA DOS SANTOS. — Pensa num garoto feliz? Porra dei logo um gritão e recebi um abraço pelas costas. —
Menor: Cantou, papai, porra só força, vai que chegou tua hora. Mano vai com Deus, porra. CANTOU PRO ALIADO AEHHHHHH. — Balançou as grades e vários deram gritos em comemoração, cai de joelhos com os olhos cheio de lágrimas e somente agradeci a Deus. O Agente destrancou, dei o último abraço no meu parceiro e sai de mãos pra trás mais com cabeça erguida. Não devo mais nada não porra vai tomar no cu. Passei pela revista e tirei aquela roupa horrível de feia, peguei as que me deram e com meu alvará na mão meti o pé de lá de dentro. Tinha porra nenhuma ali, nem se quer uma alma só os manos mesmo que saíram. —
Zatão: Ihh vou de balai só pra não ficar na mira dos contra. — Dei minha palavra e sai em direção ao ônibus, entrei. — Boa noite, motô, aí ganhei a liberdade agora e to zerado, tem como de me da uma moral na humildade?Motorista: Tem, vou abrir a de trás pra vocês. — Desci e ele abriu a porta do meio, entrei e os outros vieram. Fomos zuando o bagulho tudão, ih eu tava rindo que nem um retardado pô só pensa em respirar um ar livre. Desci ali mesmo na estação vilarinho e consegui um celular, o número que veio foi o da minha preta e nela que eu liguei, mas custou a atender e mesmo assim eu insistir pô me fortaleceu tem que ser a primeira a saber.

Começo da Ligação:
Carolina: Quem é?
Eu: Amor manda me buscar que a minha liberdade cantou.
Carolina: É o quê? — Perguntou confusa. —
Eu: Porra amor fui solto, manda alguém aí me buscar to com o celular da dona aqui pô tenho que devolver, to na estação vilarinho. — Falei rápidão. —
Carolina: Calma, Ícaro. — A voz falhou. —
Eu: Chora não minha preta, to esperando por você.
Fim da ligação.

Sentei ali do lado da dona mesmo que engatou numa conversa comigo, ela até deixou passar um balai mais aí já não tenho nada a ver, mo curiosa.

X: AAAAAAAAAAAAAAAAA. — Olhei pro lado assustadão, pô achei que era uma mina sendo assaltada, mas era só minha mulher vindo correndo e chorando. — Merda. — Gritou e eu ri, caminhei até ela e ajudei ela a levantar. — Não acredito, meu amor. — Me abraçou chorando pra caralho. —
Zatão: Calma, doidona.

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5/8

- METADE DO FIM! - EM PAUSA.Tahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon