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Há uma liberdade na luta que não consigo explicar

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Há uma liberdade na luta que não consigo explicar. Talvez se deva a toda a minha infância ter sido passada a lutar e a treinar para matar. Para mim, o conhecimento de onde atacar, o quando e o facto de o fazer com uma precisão inflexível, desperta uma adrenalina explosiva no meu corpo.

O foco principal está nos pontos de pressão e na velocidade, sendo que está dependente da resistência e da flexibilidade do atacante e do defensor. Uma manipulação e exploração das fraquezas do meu oponente.

O suor pinga da minha testa, onde alguns caracóis se agarram. Prendi o meu cabelo num coque no cimo da minha cabeça, no entanto a rebeldia dele já fez com que muitos se soltassem. Estou naquela sala de armas há horas, a tentar esgotar a energia do meu corpo. Annaleah treina comigo.

Após limparmos as arestas do que fazer – infiltrarmo-nos na Alta Sociedade, procurar alguém que o Kai conhece, arranjar ajuda, salvar o Aidan –, ambos decidiram que era boa ideia percebermos o que cada um de nós é capaz. Em si, é mais para mim pois eles lutam juntos há anos.

– Vais admitir a derrota, Imogen? – O tom da rapariga é provocativo. Há um sorriso convencido desenhado nos seus lábios.

Está ganho, eu penso.

Apesar de já não ter arma nenhuma comigo e ela estar acompanhada de uma espada não me impossibilita de conseguir prender-lhe a cintura e, com a ajuda dos meus pés, fazê-la cair no chão. As costas de Annaleah caem com um forte baque, ao mesmo tempo que a espada lhe foge da mão e rola pelo chão.

Olho para ela, estendida, com o cabelo loiro espalhado pelo chão de madeira. Ela está a rir-se às gargalhadas. Num gesto cordial, estendo-lhe a mão para ajudá-la a ficar de pé. Sem cerimónias, ela aceita.

– Vamos outra vez? – Pergunto.

Contudo Annaleah abana a cabeça. – Não, não. Já tive a minha dose por hoje. Kai, que achas de tentares tu?

O meu estômago revolve-se. O meu instinto diz-me para voltar, correr para a porta e refugiar-me no quarto. Além de já o ter visto a lutar e saber que vou perder esta luta, a memória das mãos dele em mim ainda me assusta. Sinto o meu corpo inteiro enrijecer.

Em breves instantes, penso que o rapaz não vai aceitar a proposta. Não se move, nem responde a Annaleah. Por isso, quando finalmente se levanta, o coração no  meu peito dispara. Quem me condenaria se eu agora gritasse que não e dissesse que não queria que ele me tocasse mais?

Calmamente, ele anda até nós. Veste uma t-shirt básica preta que despe e atira para o chão. Respiro fundo mentalizando-me que isto vai acontecer. Ao menos terei a oportunidade de despejar toda a minha frustração acumulada no meu próprio atacante.

Ele coloca-se a um metro de distância de mim. Consigo ver quase ao detalhe as suas expressões. Não se assemelha nem ao Kai de ontem à noite, nem ao de manhã. Parece um Kai completamente diferente – calmo, um pouco despreocupado.

O rapaz dá dois passos atrás indicando que já começou, mas que não me vai atacar já. Espera que eu entenda a mensagem enquanto pula no mesmo sítio, de uma maneira frenética. O meu corpo começa a reagir à expectativa, a adrenalina a voltar a mim. Então o receio dissipa-se e eu sinto a Imogen, no meu modo kakoi, a voltar.

Avanço tão rápido sobre ele que consigo empurrá-lo sem dificuldade. O sucesso do meu primeiro ataque desnorteia-o durante um certo período de tempo. Mas não durante muito. Apenas o tempo suficiente para que eu tenha oportunidade de voltar a ataca-lo. Sei que estou a cometer um erro, ele já está preparado desta vez e consegue desviar-se com facilidade. Assim ele aproveita que não estou à espera e ataca-me de lado, logo abaixo do braço. Sinto a dor, mas esforço-me para não perder o foco.

Kai não perde tempo. Volta a investir contra mim, sem deixar-me sequer abater ou lidar com a dor do seu golpe anterior. Perseverança, eu gosto disso. Contudo, não estou disposta a deixá-lo ganhar.

Sem rodeios, avanço e coloco-me de lado para conseguir acertar-lhe com o meu cotovelo. Oiço-o gemer com o impacto da dor. Puxo-lhe então pela perna, na parte detrás do joelho, fazendo-o cair no chão. Ele torna a soltar outro gemido no momento em que as costas caem sobre a superfície rígida. Eu própria me contraio com a força com que ele cai. Corro para agarrar a minha espada, caída a centímetros de mim para, por fim, deitar-me sobre o seu torso e colocar-lhe a espada encostada ao pescoço.

Seria tão fácil, penso. A própria Annaleah já não está a tomar atenção a nós, mas sim a arrumar o espaço. Basta forçar a lâmina e ele deixa de respirar.

Várias expressões atravessam-lhe o rosto. Tenho quase a certeza que ele consegue perceber no que estou a pensar. No fim, ele solta uma gargalhada. O som preenche a sala, o que chama a atenção de Annaleah.

– Kai, tu perdeste? – A sua voz está incrédula.

Saio de cima do rapaz, um pouco envergonhada para dizer a verdade, para sentir Annaleah a colocar o braço dela em redor dos meus ombros, com um pouco de dificuldade visto que sou cerca de dez centímetros mais alta.

Kai encolhe os ombros, após se levantar. – Achei, por bem, não puxar muito pela Imogen. Afinal temos todos de estar no nosso melhor amanhã.

Nesse momento sei que ele me deixou ganhar. O motivo não consigo sequer imaginar um.

Annaleah ri mais alto. – Sim, sim. Não queres admitir que perdeste para uma rapariga.

Olho para Kai. O seu peito está coberto por suor devido ao esforç
o. Controlo-me para não olhar demasiado. Não há motivos para isso.

– Lutaste bem – ele diz-me. – Agora temos todos de ir descansar. Partimos amanhã ao primeiro raio de luz.

*

Nessa noite, após um banho que quase me salvou a vida, deito-me na cama, imóvel. O meu olhar foca-se no quarto no qual passei as últimas noites. É tranquilo. Com o tempo, podia ter-me habituado a uma vida aqui. Com acesso a alguns luxos aos quais nem todos da Cidadela têm direito. Quase podia ter sido normal. Quase.

Amanhã irei voltar à Cidadela, mas não àquela a que
estou habituada. Iremos ingressar
na Alta Sociedade onde somente os mais abastados têm acesso. Kai acredita que lá encontraremos alguém que nos dará acesso ao que pretendemos.

Não sei bem como me sinto com essa informação, no entanto é algo que tenho de fazer. Algum dia terei de enfrentar os meus demónios. Somente não tinha imaginado até agora que esse dia chegasse tão cedo.


Como acham que a Cidadela é na realidade? Não a periferia onde a população vive, mas a Cidadela rica?

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Como acham que a Cidadela é na realidade? Não a periferia onde a população vive, mas a Cidadela rica?

Não se esqueçam da estrelinha.

Atenciosamente,

a autora.

Filhos das RuínasWhere stories live. Discover now