1

7.5K 452 254
                                    

Possivelmente, eu vou morrer

Ops! Esta imagem não segue as nossas directrizes de conteúdo. Para continuares a publicar, por favor, remova-a ou carrega uma imagem diferente.




Possivelmente, eu vou morrer. Não é tanto uma certeza, mas mais uma possibilidade. Embora, esse pensamento possa amedrontar muitos se se encontrassem no meu lugar, eu estou completamente extasiada. Por base, sempre agi conforme a lógica. Sempre fui boa a distinguir os sentimentos dos pensamentos, numa mais valia para a minha vida. Como se costuma dizer, preto no branco. Embora eu própria não me encaixe nesse registo. Por essa mesma razão, sinto cada vez esse dia a chegar mais perto. Eventualmente, tenho de deixar de fugir e confrontar-me com o meu destino. Porém, até lá, tento escapar da melhor forma.

A razão pela qual eu cresci desta forma é uma consequência directa do mundo que já não se assemelha a nada do que outrora foi. Quando eles ascenderam ao governo e lugares de poderes, ninguém imaginou que um dia a humanidade fosse ser empurrada até à beira do precipício, que seríamos obrigados a retornar ao estado mais primitivo. Por esse motivo, a desfasada cidade à minha frente é bonita. Mesmo de noite, é possível ver tudo em detalhe. As Ruínas exibem uma beleza que encaixaria na perfeição num postal, se houvesse forma de alterar a parte paisagisticamente mórbida. É a imagem perfeita de uma realidade que é agora a nova condição humana.

Com os pés à beira do edifício, num esforço para me manter em equilíbrio, sou assolada pela adrenalina a percorrer-me as veias. Um frenesim recebido com agrado e entusiasmo.

De certo modo, desde sempre houve algo a chamar-me para este lugar. Não há muitas pessoas que conheçam os caminhos que me trazem até aqui, mas também não há muitos que se atrevam a afastar-se das barreiras seguras da Cidadela. Resto somente eu. Aqui, eu sou capaz de sentir uma empatia com tudo o que está destruído e que me rodeia. Suponho que assim seja, pois de certo modo revejo-me sob esse contexto.

Quando o início do fim chegou, ninguém estava preparado. Ninguém, em geral, acreditava no Apocalipse até este estar de facto a acontecer. Talvez esteja a exagerar um pouco, mas o que aconteceu assemelhou-se muito a isso. Após a Grande Guerra, não ficaram mais do que restos do que outrora formou as nações. Sobraram apenas pessoas quebradas, outras doentes, outras
loucas; lugares sujos e sem vida; uma esperança morta. Houve claro pessoas que se revoltaram, tentaram trazer novamente o poder para as mãos do povo para que nós pudéssemos escolher o melhor destino para nós mas em vão. Na última vaga morreram milhares. Desde então o povo conformou-se a viver no que já não se podia classificar mais como uma civilização.

Os ruidosos passos despertam-me dos seus pensamentos. Como uma estalada da realidade, recordo-me do que realmente estou ali a fazer. Eles estão perto. Inspiro fundo, desço do parapeito e ponho-me em posição.

Como já esperava, entram disparados no terraço, o seu peito a subir e a descer. Sinceramente nunca entendi porque insistem em fazer isso. Os kakois – como chamamos na gíria das ruas – não sentem fadiga, fome, sede ou sono. O seu corpo visualmente é igual ao de um homem normal, porém não precisam de manter uma sustentabilidade tão complexa.

Filhos das RuínasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora