É chegada a hora

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--- 19 horas e 58 minutos.

O fogo parecia que ia consumir a todos. Como num filme em câmera lenta, foi possível ver nos olhos de Nadine o desespero que a morte lhe causava durante a explosão. Alves entrou em sua memória e vira uma menininha frágil chorando a morte do pai dentro de uma mina explodindo. Ela estava na porta da mina quando a explosão aconteceu e a fumaça tomou conta de tudo. Ela apenas gritava e chorava: "Papai! Papai!".

Era a única coisa que tinha na sua mente durante aquela explosão: a simbologia que a morte a imprimira na vida desde tenra idade lhe mostrando que a solidão é parceira que anda de mão dada.

Já Mendes... "Ah, Mendes! Quanto sofrimento!" Mendes apertara os olhos desde a primeira fagulha. "Prefiro um filho morto que filho viado" -, dizia seu pai segurando o cinturão de seu uniforme militar. O primeiro beijo dado no seu primo, sob luz de lanterna numa cabana feita de lençol na casa da tia. O primeiro namoradinho no ensino médio de mãos dadas escondidos no box do banheiro masculino. Os beijos secretos em sexo grupal nas cabines das grandes cidades cheios de tesão e prazer já na fase adulta. A memória de Mendes era ansiosa e dolorosa. Socos e mais socos. Chutes e pontapés nas ruas. As batidas vitais no hospital com o seu pai chorando ao seu lado e pedindo a intervenção da Santa Mãe para que seu filho sobrevivesse. Depois de tudo passado, o discurso homofóbico: "Tudo o que quero é que viva, se afaste dos gays". Mendes tinha a dor de ser quem não podia ser.

Já Hector, apenas a memória de voar e dar rasantes na aeronáutica lhe transmitiam a paz. Gostava de adrenalina e viver perigosamente. Tinha orgulho em ser piloto da FAB e depois, ser contratado para ser piloto do governo por ser o melhor da área. Morrer pelo trabalho e voar para a liberdade; essa era a única memória de Hector.

Alves suava com o calor daquele fogo que queria consumir o helicóptero, mas a sua luz azul, a essência de seu sangue azul, não permitiria que ninguém morresse naquele instante.

Desde que fora abduzido, aprendera usar seus poderes para a intuição e, assim, conter possíveis tragédias. Assim que encasquetou com a luz vermelha na porta do helicóptero já focara a sua mente na criação de um campo eletromagnético capaz de realizar combustão com o fogo sem que ele tocasse o objeto; no caso, o helicóptero. Assim que avistou o primeiro caça, entendera que estava numa emboscada e se aliviou em saber que a primeira-dama não chegara a tempo. Mal avistou o míssil partir do caça e vir na direção da luz ele já buscou as memórias dos integrantes como um filme para que pudesse agir livremente e salvá-los.

O helicóptero era pesado demais. Estavam perdendo altitude vagarosamente. O que de certo modo era bom, na avaliação de Alves. Mendes, Nadine e Hector estavam desconectados daquela realidade. Para eles, aquela cena nunca existirá.

Não podia deixar que todos vissem o tamanho de seu poder. Aprendera a não confiar nas pessoas desde que voltara de sua abdução e fora colocado num sanatório. As pessoas sentiam pena, mas, a compaixão era hipócrita e perigosa. Para Alves, trancafiar alguém por seu discurso é totalmente maldade. Esse senso de injustiça o levou a se expressar e estudar jornalismo e radialismo. Queria dar voz aos oprimidos.

Assim que a aeronave se aproximou o máximo que podia do rio. Alves arquitetou a segunda parte do plano. Soltar a aeronave e deixar mergulhar o helicóptero para apagar o fogo e qualquer risco de incêndio. Traria de volta à superfície para desligar o campo e deixar as coisas fluírem naturalmente. Ninguém entenderia o que aconteceu. Ficaria apenas uma memória de uma queda com algumas lacunas.

Assim foi feito. Mergulhou a aeronave e trouxe de volta a superfície. Ela começava a encher de agua. "Pulem para fora e nadem para o mais longe que puder, a aeronave vai afundar e haverá sucção, quem tiver perto pode afundar.

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