Batalha no canavial

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--- 11 de março; 2 horas e 45 minutos.

Jandira já estava cansada de ver estradas e árvores. Tinha um sentimento de incômodo de manter o irmão trancado no porta-malas. "Vou acomodá-lo no carona, ele vai acordar dolorido". Deu a seta e foi para o acostamento até perceber um ponto seguro para estacionar o carro em meio aos eucaliptos.

Desceu e contemplou a noite de céu estrelado. "Lua linda!".

Foi até o bagageiro e tentou tirar Joaquim sem derrubá-lo. O sono do irmão parecia mais leve. O arrastou segurando-o por baixo dos braços deixando suas pernas arrastarem pelo chão. Com muito custo e esforço conseguiu coloca-lo no banco do carona.

"Agora é apertar o cinto e sumimos desse inferno por uns tempos" – concluiu Jandira. Acertou a postura do irmão e ajeitou a sua cabeça presa ao encosto do branco. Prendeu com um lençol, "Não é bom viajar com o pescoço sacolejando, é arriscado se machucar".

Finalizou os detalhes e bateu a porta do carro. Ouviu um grunhido parecido com guizo de cobra. Olhou o chão atentamente para voltar ao seu lado do carro. Assim que abriu a porta percebeu passos vindos pelo o eucalipto.

Sentiu a saliva sumir. "Quem estiver por aí, se precisar de ajuda se manifeste. Não quero fazer mal" -, disse Jandira com medo.

Silêncio.

Jandira ia entrar no carro quando ouviu um gemido baixinho.

Seu lado humanitário decidiu ir até mais próximo das árvores: "Se tem algum ferimento, posso ajudar, sou enfermeira" -, disse com uma fagulha de esperança em encontrar alguém de bem. Estava tão próxima dos eucaliptos que pode ver uma sombra em pé atrás de uma das árvores.

O medo a impedia de seguir adiante. Deu alguns passos para trás: "Pelo visto não precisa de ajuda. Mas, insisto. Antes que eu vá, diga se precisa de ajuda. Podemos nos ajudar em paz!".

A palavra soou como um passe de mágica. Aquela sombra magra e de passos estranhos veio vagarosamente na sua direção. A cada passo avançado fazia com que Jandira recuasse os seus. Conforme a sombra foi aparecendo com aquela pele escura, Jandira tentava esconder a feição de horror.

Não era uma pele comum. Havia um ferimento em seu braço. Era uma pele mais acinzentada e com veias bem visíveis. Ela viu aquele braço vindo mais adiante na luz. A sua mão estava machucada; tinha apenas três longos dedos.

Jandira adiantou um passo e o braço permaneceu esticado por entre a moita. Tocou no braço. Era gelado. O braço recuou com um movimento que lembrava dor.

A enfermeira foi apalpando de leve o braço. "Uma fratura". A moita se abriu um pouco e a lua revelou os grandes olhos negros de um extraterrestre acuado. Jandira tentou se conter, mas foi se afastando para trás com medo.

A criatura veio em sua direção. A revelação total despertou um grito histérico forte que o alienígena sumiu novamente na mata. Jandira só escutou os passos 'daquela coisa' correndo. Em contrapartida, Jandira se jogou dentro do carro e saiu acelerando na primeira até retomar a pista sem fechar a porta. Estava tão assustada que nem notara a loucura.

Passados alguns minutos Jandira tomou coragem para fechar a porta. O silêncio da estrada após esse episódio a assustava. Ligou o rádio e procurou sintonizar em uma emissora que tocasse música calma para acolher sua alma. Um violão e voz aplacou a angústia. Começou a respirar um pouco mais aliviada.

Pode notar que Joaquim tinha mudado de posição. Esticou o braço para cobri-lo com o cobertor que levava no banco de trás sem parar de dirigir. Com muito custo conseguiu deixar o irmão protegido da friagem. Só então pode notar pelo retrovisor uma luz única no meio da pista. Bem distante, mas, acalmou ainda mais: "Graças, não estou sozinha nessa estrada. Deve ser um motoqueiro".

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