Ele se revela

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--- 21h e 52 minutos

"Só não entendo como conseguiu prender o chinês?" -, perguntou Vanessa estupefata.

Isaías sorriu com malícia: "Eu já fui jovem um dia e já tive meus dias com o perigo" -, intervalou engolindo o sorriso e retomando a seriedade. "Deus me colocou de volta nos trilhos" -, confessou.

"Fez o melhor dos resgates. O senhor só arrebanha os justos e corajosos" -, disse Silvério entregando uma xícara de chá ao Pastor. "Sabe que poderia ter morrido na mira daquela arma, não sabe?" -, inquiriu.

"Sim. Não esperava que fosse diferente, mas sabia que não atiraria. A curiosidade dele era maior. Foi um risco que tive que correr para ganhar espaço nessa luta" -, explicou Isaías.

"E que luta" – redarguiu Silvério arcando a sobrancelha. Pigarreou: "Preciso voltar à paróquia. Dona Rosa está sozinha com Daniel".

Isaías se levantou e rebateu as mãos na calça para desamarrotar: "Vou a busca de Estela. Pessoas especiais a guardam para mim. Pela manhã estarei na cidade com ela já hospedada em minha casa".

Vanessa assentiu com certa preocupação. "O exército vai lhe procurar pelo sumiço do Chinês. Sabe disso!".

Isaías caminhou até a porta e parou. Sorriu um riso amarelo a fim de esconder a sua preocupação: "Daqui a um minuto já é futuro. Só me preocupo com o agora, doutora. O futuro a Deus pertence. Ele escreve as linhas da vida e assim eu as sigo com fé" -, disse o pastor dando um aceno banal: "Até!".

Vanessa torceu o nariz com a postura de Isaías. Silvério percebeu algo errado em sua respiração. Sorriu para ela a fim de acolher a dor. Vanessa recebeu o sorriso com outro. Notou que o padre ficava ainda mais amarelo debaixo daquela precária luz de mercúrio do casebre na roça.

"Não se preocupe. Deixe-o a curtir a adrenalina momentânea. No fundo ele está preocupado, mas não quer demonstrar fraqueza" -, afirmou o padre com carinho.

Vanessa forçou um sorriso e coçou os olhos marejados com as costas das mãos.

"É preocupação generalizada". Respirou fundo engolindo o choro que queria sair, mas ela não se permitia por ser uma mulher forte. Prosseguiu: "Estamos todos no limite. Eu, principalmente, estou cansada. Sempre tive Cohen do meu lado e, agora, estou perdida, sem saber para onde seguir. Ele era o mentor dos estudos. Aqui eu tenho vários corpos alienígenas e eu nem sei exatamente qual rumo tomar. Sem tirar que..." -, Vanessa engoliu a fala.

"Você o ama" -, intuiu Silvério. "Esse desabafo é o de amor, de um coração ferido pela saudade".

"Exatamente" -, concordou Vanessa. "Todas as noites olho para o céu e oro a Deus pedindo pela vida dele, mas parece que o que vem do céu nesse momento é só alienígena" -, entregou Vanessa.

"Temos uma cientista cristã. Curioso!" -, usou o padre da ironia para quebrar a dor do momento. Funcionou. Vanessa abriu um sorriso:

"É! A vida tem seus mistérios e suas exceções".

Num gesto paternal Silvério a abraçou para acolher o seu coração partido. Aproveitou a proximidade e deu um beijo de despedida na sua testa: "Preciso voltar à minha paróquia".

Vanessa assentiu. Silvério a olhou com brandura: "Deus ouve todas as orações e ouviu a tua também. Seu amor estará de volta se for da vontade d'Ele" -, disse recolocando a jaqueta.

Vanessa sorriu amarelo entendendo os dizeres consoladores do padre que continuava dizendo "não sabemos se ele volta".

No olhar paternal daquele homem tinha a estranha marca de despedida. Vanessa viu o rosto de Silvério fotograficamente como se não fosse um momento registrado na fotografia da memória. Sentia que não voltaria a vê-lo. Essa sensação era perturbadora, mas não quis compartilhar. Sabia do peso que o padre carregava e quis poupá-lo.

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