◆◆◆◆◆

O sol mal havia nascido e eu estava caminhando pela floresta, afastando arbustos e tropeçando em pedras. Mesmo que não tivesse dormido bem noite passada eu não me importava nem um pouco de não estar embaixo de um cobertor quentinho. Estar ali era necessário.
Segui pelo caminho que conhecia muito bem, afinal, eu já fazia aquela caminhada há muito, muito tempo. Não precisou de muito para avistar o que estava procurando. Ao me aproximar, vi como a lápide de pedra cinzenta estava desgastada pelo tempo, mas ainda tinha o poder de me atrair para ela mesmo que o tempo corresse ao meu redor.
Ajoelhei-me no gramado ainda molhado com o orvalho da manhã. Era doloroso estar ali. Sempre era. Embora, também fosse muito bom, como se eu estivesse prendendo a respiração por muito tempo e agora, enfim, eu podia respirar. Toquei com a ponta dos dedos a lápide ao lado, um pouco mais desgastada, mas igualmente suntuosa.
- Olá, vovó - sussurrei, minha voz trêmula - Espero que esteja cuidando muito bem dela.
Com isso, deixei meus olhos irem de encontro à lápide diante de mim.

AMY ANDREA BENNETT

Amada Filha

Toquei as letras em relevo sobre a pedra, deixando-os escorregarem até a inscrição abaixo.
- "Você não está mais dentro de mim…" - parafraseei, minha voz trêmula - "…mas eu a sinto. Nunca a conheci, porém, a amo."
Amy foi enterrada logo no dia seguinte à sua morte. Não participei de seu enterro porque ainda estava me recuperando do parto e, sinceramente, eu não estava em condições psicológicas para ver minha filha ser sulputada sob sete palmos de terra e lidar com isso de forma que não fosse através de gritos e tentando parar meus amigos. Mandei lapidar seu nome e aquela frase meses depois, quando fui visitá-la a primeira vez - obrigada por meus amigos - e foi uma experiência, de certa forma, libertadora. Pude, enfim, dar um rumo à minha vida depois daquele dia. Mas isso não quer dizer que esqueci dela. Nem mesmo por um segundo. Ela era meu primeiro pensamento ao acordar e o último ao fechar meus olhos à noite. A dor de sua perda nunca havia diminuído, eu apenas aprendi a conviver com ela.
- Eu… sinto muito - sussurrei, sentindo lágrimas começarem a molhar meu rosto - Eu sinto tanto a sua falta! Espero que…- funguei, tentando secar as lágrimas com a mão livre -… onde você estiver, possa perdoar o que fiz à você e à Eve. Nada justifica. Eu só… peço perdão!
Esse é um dos motivos pelo qual eu preferia vir aqui sozinha. Eu não conseguia parar de chorar e implorar um perdão que nunca seria ouvido. Esse era o meu local de penitência e eu merecia toda a dor que estava carregando comigo. Em nenhum momento sequer fui capaz de reclamar disso, porque eu era a única causadora do meu inferno.
- Eu a amo tanto, Amy - sussurrei, acariciando as letras incrustadas na pedra fria - Eu sempre vou amá-la.
Não sei quanto tempo fiquei ali, apenas sentada na relva, decorando cada mínima reentrância e saliência em sua lápide, imaginando tudo o que eu podia ter feito para salvá-la.  Mas não havia uma solução. No momento em que seu coração parou de bater dentro de mim, eu soube que já não haviam mais esperanças, eu apenas fui insana e teimosa, arriscando a minha vida e à de Eve para tentar reanimar um bebê que estava morrendo desde os primeiros meses de gestação. Depois disso, jurei à mim mesma que não faria mais nada arriscado e impensado. O mundo poderia queimar desde que eu e minha filha estivéssemos seguras.
Depois de algumas horas, enxuguei as lágrimas e me refiz daquele momento, como em todas as vezes em que vinha visitar meu bebê. Ajeitei os cabelos e peguei o pequeno buquê de flores coloridas e silvestres que eu plantava em meu jardim apenas para Amy. As depositei em frente à sua lápide e, assim, notei a grande flor branca aos pés da estrutura de pedra. Um lírio com pétalas grandes e majestosas.
Franzi o cenho.
Essas flores sempre estavam lá, em todos os anos, sem falta. Eu já havia questionado meus amigos sobre isso, mas todos eles sempre diziam a mesma coisa: nenhum deles a colocava lá. Ela simplesmente aparecia nessa mesma data. Por um segundo um pensamento vacilante sempre passava por minha cabeça. E se…? Mas eu sempre afastava essa idéia. Era ridículo e impensado.
Beijei as pontas dos dedos e os deixei correr pela sepultura.
- Até logo - sussurrei - Feliz aniversário, meu amor.
Deixei flores para vovó também, e então, parti. Afinal, minha vida estava me esperando.

LAÇOS MORTAIS | Bonkai |Where stories live. Discover now