Capítulo 43 - AZAR

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      Minutos atrás. Bairro Shimogyo – 19h00min


      A cada passo, ela desviava o olhar para os lados, remoendo uma indignação consigo mesma.

      Pelo menos, o tornozelo parou de doer de maneira tão insuportável. Já nem mancava tanto agora, como fazia minutos atrás.

      Mas não podia culpar ninguém por sua situação de momento. O atraso havia sido culpa dela mesma.

      Só dela.

      Poderia estar em casa a esta hora, quentinha debaixo do cobertor, enquanto assistia os episódios finais de seu anime preferido. Era seu merecido prêmio depois de ter vencido mais de trezentos e tantos episódios numa maratona que quase a transformou numa zumbi, gastando todas as suas horas vagas possíveis nas últimas semanas.

      Mas, infelizmente, ainda estava na rua.

      Tentava distrair-se de algum modo e vencer o medo que ameaçava sufocá-la. Procurava se concentrar no que aconteceria com seus personagens favoritos nos maravilhosos últimos capítulos daquela longa saga que logo veria ao chegar em casa.

      No entanto, seus pensamentos sempre voltavam para o agora, sendo forçada a mover a cabeça para as ruas laterais que cruzava, perscrutando todos esses locais escuros e assustadores.

      A noite já começava a cobrir a cidade com seu manto negro, e mesmo que a iluminação pública garantisse uma boa quantidade de luz, o medo deixava sempre uma pincelada a mais de terror em cada trecho do cenário que seus olhos espreitavam enquanto avançava a passos largos.

      E aquelas ruas, já desertas pelo toque de recolher, ajudavam a instaurar um assustador sentimento de estar sendo observada por olhos assassinos a cada passo.

      O fato de ainda estar a mais de cinco quilômetro de casa não ajudava em nada a diminuir aquela sensação angustiante. Carregava seus sapatos nas mãos. Um deles estava com o salto quebrado, sendo o responsável por ela ser obrigada a retirá-los do pé após a consequente torção no tornozelo que sofreu. Isso havia diminuído bastante sua velocidade.

      Pelo menos, encontrou uma maneira de dividir sua culpa, pois aquele salto idiota foi o causador de seu atraso, que a fez perder o último ônibus que a levaria para casa.

      'Te odeio, sapato. Te odeio, te odeio, te odeio!'

     E como se não bastasse isso tudo, a roupa escolhida para montar seu look de hoje era outro detalhe que deixava seu arrependimento ainda pior. Queria chamar a atenção daquele carinha novo que começara a trabalhar no seu setor; um tipinho estranho, mas bem bonito. Achou que valeria a pena sentir um pouco de frio para impressioná-lo. Afinal de contas, já o havia flagrado devorando-a com os olhos algumas vezes. Então, que mal teria em mostrar-lhe um pouco mais do que ele já queria ver.

      Até porque, aquela lambisgóia que trabalhava ao lado da sua baia já estava começando a se jogar em cima dele como uma... lambisgóia oferecida.

      Enfim, hoje havia sido um dia em que simplesmente tudo deu errado. E, como resultado disso, ela estava agora sozinha, assustada, longe de casa, com o salto (idiota!) do seu melhor sapato quebrado, sentindo como se mil olhos a observassem pelos cantos mais sombrios que cruzava e passando um frio dos infernos nas pernas com a minissaia ridiculamente curta que mal cobria dez centímetros de suas coxas.

      Roupa que, além de permitir o congelamento de suas pernas com aquele vento cortante que começava a soprar, a tornava um excelente chamariz de potenciais pervertidos.

Legado da Destruição - Caçadores de NômadesWhere stories live. Discover now