Capítulo 2 - ALGUM DIA, EM ALGUM LUGAR

2.2K 224 263
                                    

      Tempo presente - Em outro lugar da cidade


      O relâmpago riscou o céu tempestuoso num clarão ofuscante. O estrondo do trovão veio logo em seguida, como um rugido infernal, fazendo tudo tremer.

      E o fazendo acordar.

     Ainda com um pouco de dificuldade, sentindo o pescoço dormente por ter ficado dobrado num ângulo quase reto, ele se colocou de pé, com as juntas parecendo ranger a cada articulação que era movimentada.

      Frio. Sentia muito frio. E não via nada ao seu redor. A escuridão o envolvia completamente enquanto uma corrente de ar cortante o fazia tremer. E ele estaria completamente imóvel, se não fosse pelo tremor constante e incontrolável gerado pelo frio. O único som que ouvia era o da chuva, que desabava com vontade sobre o telhado (metálico?) daquele lugar.

      Além dos seus dentes se batendo.

      'Mas que lugar é esse...?'

      Essa foi a primeira pergunta que lhe passou pela cabeça. A primeira, mas não a mais importante, porque logo em seguida, uma dúvida muito mais preocupante o abateu:

      'Espera um pouco... Quem sou eu...!?'

      Um outro relâmpago rasgou o céu num estalo estridente, gerando um fortíssimo clarão que iluminou a noite num flash de luz branca; parecia que o sol havia dado as caras na hora errada, fazendo o dia nascer, mas por apenas um segundo. Quase ao mesmo tempo, um novo trovão ribombou forte: uma combinação de estrondos que surgiu logo após ele se fazer a pergunta, como se a própria tempestade quisesse lhe proporcionar a cena mais clássica de um filme de suspense.

      Por um momento, o raio havia iluminado tudo, mas seu estado de tensão não o permitiu aproveitar a luz para observar o local. Estava ocupado demais tentando lembrar seu nome. Imaginava que o esquecimento deveria ser apenas passageiro, fruto do cansaço e do mal-estar que sentia após ter acordado naquele lugar.

      Onde quer que fosse aquele lugar...

      'O que aconteceu comigo!?'

      Pedia calma a si mesmo. Precisava lembrar de como veio parar ali. Mas não demorou para ter certeza de que seu esquecimento não era um branco temporário. Era algo mais sério. Por mais que se esforçasse, não lembrava do rosto de ninguém conhecido. Família, amigos, ninguém! Nenhuma lembrança de sua vida pessoal era encontrada! Pelo menos, no que se referia às pessoas. Sua mente vagueava, mas sem nenhum destino, pois sentia que suas lembranças pessoais, de certa forma, foram roubadas.

      Tocou o rosto com as mãos, com os dedos inquietos explorando os contornos da face, do nariz, do queixo, os cabelos...

      Espelho!

      Precisava de um espelho, de algo que pudesse refletir sua imagem. Com essa idéia fixa, parte do medo acabou sendo vencido e ele esticou os braços na busca de um interruptor, de uma lâmpada.

      Mas antes que pudesse dar um passo, esbarrou em poltronas, caindo sobre elas. O lugar estava cheio de poltronas.

      Poltronas estofadas!

      Cheio de poltronas estofadas e ele dormiu no chão duro e frio, com o pescoço quase quebrando apoiado numa parede!

      —Que ótimo...! – murmurou para si mesmo, erguendo-se.

      Espelho. Precisava desesperadamente se olhar num espelho para ver seu rosto, pois nem mesmo do próprio rosto conseguia lembrar!

      'Mas que diabos está acontecendo comigo?!'

Legado da Destruição - Caçadores de NômadesWhere stories live. Discover now