Capítulo 26 - INVESTIGAÇÃO POLICIAL

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      Maya era a fiel escudeira de Ly, o braço direito da doutora quando ela tratava dos Caçadores. E, desta vez, acabou se tornando também o centro das atenções por sua proeza em eliminar um Nômade; e com apenas um tiro!

      Misaki, ainda com apenas uma criatura no seu placar, apesar de já ter certa experiência, tentou se mostrar indiferente ao fato, mas era nítido que sentia uma pontinha de inveja pelo que uma novata havia conseguido fazer; uma pontinha de inveja do tamanho da Muralha da China...

      E dentre os Caçadores, Mikhail era o que demonstrava mais entusiasmo em parabenizá-la pela façanha.

      Dmitri, que fora deixado para trás, chegou à clínica apenas trinta minutos depois, após uma exaustiva corrida onde obrigou-se a fazer alguns desvios pelo caminho com o objetivo de passar batido por qualquer olhar policial, que na ocasião, ainda estavam numa intensa movimentação.

      Dificilmente haveria um confronto direto se ele fosse reconhecido pelo seu uniforme negro, levando em conta a vista grossa que a polícia fazia a respeito do seu trabalho, no entanto, eles ainda eram oficialmente criminosos procurados. E o maior risco era dar de cara com algum recruta novato recentemente integrado à força policial, pois muitos desses jovens, seja por falta de informação ou de razoabilidade, se deixavam levar por um imaturo senso de justiça que terminava em atitudes questionáveis. Nestas ocasiões, muitos deles chegavam a abrir fogo, na tentativa de abater os perigosos exterminadores de imigrantes. E, mesmo sendo contidos pelos companheiros no instante seguinte, isso não evitava que algumas balas fossem inicialmente direcionadas aos Caçadores sob sua mira.

      Dmitri, pessoalmente, questionava muito estes pequenos enganos. Na sua opinião, eram propositais. Um sutil e calculado ato de vingança mascarado com uma desculpa pronta. Atitude que, apesar de infantil, era até compreensível. Afinal de contas, os Caçadores agiam acima da lei, desrespeitando normas e ignorando totalmente a autoridade policial. Mesmo que não houvesse provocação direta pelo que faziam, o ato em si já era uma afronta. Então, esses pequenos deslizes dos novatos era um momento em que a polícia extravasava sua frustração.

      E sobrava aos Caçadores a decisão de fazer vista grossa a isso e ignorar, evitando qualquer risco de confronto.

      No hall de entrada da clínica, o corpo do Nômade permanecia intocado no mesmo lugar, esperando a chegada dos policiais, que trariam a reboque seus investigadores e legistas. Mesmo que tardiamente, eles sempre chegavam nos locais onde as criaturas eram abatidas, por mais inóspitos que fossem esses endereços. No caso da clínica, situada no centro da cidade, a vinda deles certamente seria mais rápida.

      Mas, lógico, chegariam apenas depois de passados os minutos obrigatórios para garantir a própria segurança.

      Oculta na ala leste de um labirinto de corredores, a Área M contava com um prático consultório e equipamentos para exames; e sempre estava convenientemente em manutenção, afastando olhares curiosos. Servia como um refúgio seguro para os Caçadores quando precisavam ser costurados.

      Após auxiliar Ly nos primeiros procedimentos aos dois pacientes, Maya deixou aquela área isolada da clínica e dirigiu-se mais uma vez até o hall de entrada com a missão de acompanhar de perto os movimentos dos policiais. A arma usada para abater o Nômade ainda descansava atrás de si, enfiada no cós da saia, mantida oculta pelo jaleco branco. E sentia-se particularmente poderosa ao caminhar por aqueles corredores enquanto sentia o frio daquele pedaço de metal contra sua pele. Uma certeza de que não estaria indefesa caso houvesse algum imprevisto.

      Sentia-se preparada para tudo.

      E o fato absurdo de ser uma enfermeira cuidando de pessoas doentes com uma arma de fogo embaixo da roupa não parecia preocupa-la. Ao contrário disso, chegava a rir sozinha, viajando em devaneios um tanto absurdos: imaginava um dos pacientes se recusando a receber uma injeção e ela o incentivando a mudar de idéia de um modo bem pouco habitual.

      —Me dá esse braço ou estouro seus miolos...! – murmurava para si mesma enquanto caminhava tranquilamente pelos corredores.

      E ria.

      Os outros profissionais da clínica que cruzavam por ela já ignoravam o fato daquela enfermeira estar rindo e falando sozinha enquanto caminhava. Cumprimentavam-na como se fosse algo normal. Já estavam acostumados.

      Maya também começou a se perguntar se não teria uma vaga aberta na equipe de Caçadores de Nômades. Poderia substituir facilmente aquele gigante desengonçado que só sabia pilotar o carro. Afinal de contas, ela era tão habilidosa quanto ele ao volante. Talvez mais. E ainda tinha o bônus de ser mais eficiente com uma arma de fogo nas mãos.

      Quando chegou no hall de entrada, ela comprovou que, apesar de a atividade já ter voltado ao normal, muitos ainda conversavam entre si rodeando o corpo do Nômade. E, como sempre, as conclusões a que chegavam eram baseadas na cartilha difundida pela polícia, totalmente isenta de coerência e com a única finalidade de culpar os Caçadores por tudo:

      Então, como foi comprovado por várias testemunhas que a vítima era dotada de superforça e de uma ferocidade assassina, ele automaticamente deixava de ser um imigrante ilegal e se tornava um Caçador de Nômades enlouquecido que era executado pelos próprios companheiros após perder o controle.

      Apesar de, neste caso, ter sido uma mera civil a abater o membro enlouquecido daquele perigoso grupo de extermínio de imigrantes ilegais.

      Ao ouvir aquele monte de bobagens, Maya revirou os olhos e logo se dirigiu ao grupo que debatia, sentindo a necessidade de explicar a verdade a respeito daquela criatura.

      E dos verdadeiros heróis que as combatiam.

      Mas, como já imaginava, foi um esforço em vão.

      Ela, porém, não insistiu em tentar convencê-los, se limitando a uma bufada de indignação.

      E um meio sorriso lhe surgiu no rosto quando lembrou que, naquele momento, ela tinha um modo de obrigá-los a acreditar nela. Divertiu-se em fazer o quadro mental da cena, ao mesmo tempo que levou a mão às costas e apenas tocou no cabo da arma sobre a roupa.

      Mas, lógico, não a sacou. Ao invés disso, fez um pequeno pedido ao grupo. Instruiu a todos que, quando fossem interrogados, não dissessem que fora ela a responsável por matar o Caçador enlouquecido. Apesar de seu feito poder torná-la uma heroína, afirmou que não estava interessada neste tipo de fama.

       Os policiais não demoraram a chegar. E logo começaram o típico show com interrogatórios e exames minuciosos no local, numa cena que lembrava os grandes seriados de investigação policial. Tudo para deixar uma aparência de que estavam trabalhando incessantemente para resolver o problema.

      Mas, assim como nos seriados, tudo não passava de faz de conta.

Legado da Destruição - Caçadores de NômadesWhere stories live. Discover now