Capítulo 21 - SURTO DE VIOLÊNCIA

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      Depois de passarem em frente à subestação e pegarem Mikhail, seguiram pela rua por onde a Nômade fora arremessada, a pedido dele. Ao avançarem por quase três quilômetros daquela pista larga e reta, perceberam poucos estragos significativos pelo caminho. Avistaram apenas um carro tombado e com a peça do reboque extremamente torta, após ter perdido sua carga. O provável proprietário ainda se encontrava ao lado do veículo sob aquela chuva torrencial, discutindo calorosamente com alguém pelo celular. Mas felizmente escapou ileso do choque que destruiu sua premiada carga. Gesticulava muito enquanto gritava, com a boca colada no aparelho, parecendo tentar dar explicações. Sua outra mão estava sobre a própria cabeça, agarrando os cabelos. Mas não era um gesto que denotava dor por algum ferimento sofrido.

      Estava apenas confuso.

      No restante do caminho, bem mais à frente, eles encontraram vários pedaços de um animal espalhados ao longo do asfalto, juntamente com partes da Nômade. Alguns pedaços, inclusive, foram avistados no alto de postes. Também haviam partes arrancadas de um trailer, daqueles usados para transportar cavalos. E no final daquela trilha quilométrica, alguns destroços maiores do trailer e as partes principais do torso do animal equino estavam impregnadas na parede de uma casa. Chegaram lá depois de, evidentemente, fazer um buraco no muro que protegia sua frente.

      Mikhail sentiu-se mais tranquilo ao observar de perto tudo aquilo, descartando qualquer possibilidade de uma tragédia maior causada pela Nômade voadora, após seu descontrolado Soco de Impulsão.

      Seguiram em frente. Pegaram o caminho pela esquerda após a casa atingida e continuaram a ronda, apesar da chuva ter se intensificado um pouco. O bom senso dizia que era melhor voltarem para a base, mas eles não costumavam ser guiados pelo bom senso. O sucesso da recente caçada os motivou a querer mais.

      —É... Você matou um cavalo – disse Dmitri, de forma distraída, quebrando o silêncio que pairou no interior do veículo, enquanto observavam aquele cenário diluviano pelas janelas. – Nenhuma pessoa foi ferida, mas... – Balançou a cabeça, fingindo estar extremamente pesaroso com o fim trágico do animal. – Coitado do cavalo...!

      —Bom, agora são mais dois para meu placar – Mikhail rebateu, enquanto também olhava distraído pela janela.

      —Ei, ei!? Como assim mais dois!? – reclamou Dmitri imediatamente, encarando o companheiro com uma expressão discordante. – Alto lá! Cavalo não conta!

      —Claro que conta! Foi morto na caçada – Mikhail explicou, encolhendo os ombros e lançando um olhar entediado, como se não tivesse culpa de ser tão eficiente. – E era um alvo grande! – Ainda ergueu um dedo, complementando sua opinião com um argumento bastante questionável: – Talvez, aquele cavalo fosse um Nômade disfarçado.

      —Ah, claro, um Nômade vestido de cavalo. – o outro debochou, fazendo uma careta. – Faz muito sentido isso...!

      —Não vestido – corrigiu –, mas transformado.

      —Ah, os Nômades são transmorfos agora, tipo doppelgängers?? Mudam de forma?! – As perguntas eram carregadas de sarcasmo.

      —Você não pode provar o contrário. Ou pode?

      —Tá legal, não posso – ele respondeu, depois de pensar um pouco. – Mas, tecnicamente, não foi você quem matou o cavalo. Foi o Nômade que você socou quem o matou.

      —A Nômade. Era uma Nômade-Mulher.

      —Tanto faz – Deu de ombros. – De qualquer forma, foi ela quem matou o cavalo. Você nem chegou perto de tocar no bicho. Então, a morte dele não conta para você. – finalizou, cruzando os braços, exibindo um olhar triunfante na direção de seu parceiro de caçadas.

      Mas Mikhail retribuiu aquele olhar com um sorriso ainda mais triunfante. – Mudança de regras? Tem que tocar neles agora? Ótimo então! Neste caso, eu estou na frente, porque você não eliminou nenhum Nômade até agora.

      Dmitri franziu o cenho, com um sorriso de deboche. – E por que não?

      —Porque, tecnicamente, você não matou nenhum deles, foram as balas da sua arma que fizeram o serviço. Você não tocou em nenhum deles. Já eu, pelo menos uns vinte por cento dos que eu matei, foram com minhas mãos. – Ergueu as mãos e passou a mexer os dedos de maneira provocativa, encarando seu estupefato amigo com um sorriso ainda mais vitorioso.

      —Tá bom, tá bom...! – Dmitri ergueu as mãos espalmadas na altura do rosto. – Pode incluir o cavalo! – Acabou cedendo, mas ainda balançava a cabeça, contrariado. – E eu não disse que as regras mudariam. Não mudou nada! – Em seguida, deu de ombros novamente, recostando-se no banco, sentindo-se um pouco mais conformado com aquele desfecho. – Sem problema, ainda estou bem na frente mesmo...

      Maks e Aleksei apenas se entreolhavam e reviravam os olhos, enquanto aquela importante discussão chegava ao fim.

      E o grupo foi mais uma vez recompensado pela insistência em continuar a caçada. Ao passarem por uma área residencial no bairro de Nishijin, no momento em que aquela tempestade abrandava, Maks pregou um susto em todos quando gritou que havia captado mais Nômades.

      Ao longe, sirenes policiais já eram ouvidas.

      —Lá atrás! Captei lá atrás! Estavam bem no limite do meu Radar! – gritou Maks, movendo a cabeça rápido, olhando por cima do ombro através do para-brisa traseiro. – Dê a volta e pegue à esquerda!

      Misaki seguiu as instruções, deu a volta e entrou à esquerda, depois, seguiu reto. Todos recolocaram as balaclavas sobre o rosto.

      —Caramba! Dois grupos de Nômades numa mesma noite! Nunca conseguimos isso antes! – exclamou Mikhail, surpreso, dando tapinhas nas costas de Maks que, instintivamente, se encolheu, ainda se sentindo receoso enquanto seu companheiro de caçadas permanecia emanando aquele assustador brilho azulado depois de se recarregar novamente na subestação. Mas desta vez, pelo menos, pareceu não ter exagerado tanto. – Está nos saindo melhor do que a encomenda, parceiro!

      —Tem dez Nômades ao todo – Maks continuou relatando, agora com mais exatidão, pois a proximidade colocou todos os Nômades no perímetro do seu Radar. – Estão meio parados.

      —Pior para eles – disse Dmitri, já sacando suas duas pistolas. – Vão morrer parados.

     Foram guiados até as proximidades de um condomínio residencial, de onde puderam ver os Nômades a olho nu. Estavam todos praticamente parados em frente a um prédio, movendo-se lentamente, parecendo não terem um rumo a seguir.

      E, mais uma vez, aquele poder que parecia abranger toda a cidade voltou a ser percebido por Maks.

      Dmitri pôs o braço direito para fora da janela, com sua mão empunhando a pistola. – Fácil demais... – murmurou, enquanto fazia pontaria de maneira bem displicente.

      Mas antes que puxasse o gatilho, aquela calmaria findou: as criaturas inesperadamente se agitaram. Num sincronismo assustador, passaram a mover a cabeça de modo agonizante e frenético, berrando a plenos pulmões, como se dor e ódio, ambos incontroláveis, explodissem dentro deles.

      Surtaram.

      Agindo quase como animais selvagens, tornaram-se verdadeiras máquinas de matar. Os braços se moviam de modo agressivo, como se quisessem golpear o ar furiosamente.

      E começaram a correr, alucinados. Sem rumo. Sem rédeas. Sem controle 

      Estavam tendo, naquele exato momento, um Surto de Violência!



Legado da Destruição - Caçadores de NômadesWhere stories live. Discover now