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- Você está com raiva de mim, não está? - pergunta, retirando sua máscara e a entregando para Dantálion.

- Eu não sinto afeição nem desagrado por ninguém, Sacerdote.

Lúcio se aproxima dele, encarando fundo em seus olhos.

- Você é um péssimo mentiroso, Dantálion.

O garoto ri com desprezo, mas não consegue disfarçar certo nervosismo.

- Você não pode mais mentir para mim. - continua Lúcio, sustentando o olhar firme - Eu te conheço agora, e sei ler suas expressões. Você é tão transparente quanto eu, principalmente quando está com raiva.

- Você não veria a verdade nem se ela fosse esfregada na sua cara, Sacerdote. Pare de me encher.

- Está vendo? Agora você vai ficar na defensiva porque sabe que estou certo. Você não me engana mais, Dantálion.

O garoto se move bruscamente em sua direção, apertando um dedo acusador contra seu peito.

- Então me diga o que é que estou sentindo, se você é tão bom assim!

- Você está sentindo ciúmes! - atira Lúcio.

Pela primeira vez, ele consegue atingi-lo.

Dantálion estremece, seu rosto enrubescendo de vergonha, os olhos tornando-se úmidos. Com a voz agastada, ele solta as palavras pesadamente:

- E o que você vai fazer a respeito, Lúcio?! Vai me odiar por isso?! Vai me humilhar?!

- Não. Eu não sou como você. Não gosto de brincar com os sentimentos dos outros.

As palavras frias o deixam sem reação.

- Eu só desejo que você seja feliz, Sacerdote. - diz com a voz baixa, a umidade dos olhos desaparecendo aos poucos - Seja feliz tendo as coisas que eu nunca tive e nunca terei.

- Você está sendo idiota. Acha mesmo que eu estou feliz por me casar com uma desconhecida só porque um dos homens que mais odeio no mundo acredita que isso é o melhor a fazer para distrair uma cidade inteira enquanto eles reviram suas casas procurando o corpo de meu pai? Ou melhor, o corpo do homem que eu acreditava que era meu pai, antes de matá-lo! Você acha divertido jogar na minha cara todas as coisas ruins que aconteceram, só porque está com inveja de mim?! Acha justo rir de mim no meio dos Surdos como se eu nem existisse?! Você não precisa tentar me ferir, Dantálion, eu já estou magoado o suficiente sem precisar de sua ajuda. A única coisa que você está conseguindo com esse comportamento infantil é estragar tudo, inclusive o trabalho de sua vida inteira! O que está acontecendo com você, afinal?! Por que não consegue mais ser a mesma pessoa de antes?!

Dantálion leva as mãos ao rosto e senta no lugar onde está, abatido.

- Eu sinto muito. Eu perdi o controle.

Lúcio flexiona os joelhos para ficar ao seu lado.

- Está tudo bem. Todos nós estamos ficando um pouco loucos, eu acho.

A figura sempre imponente e corajosa de Dantálion se desfaz. A tristeza e o desespero fluem por todo seu corpo, dando-lhe uma aparência doentia e fraca. Ele está no seu limite.

- Estou com medo. - sussurra - Eu nunca senti medo assim antes, mas agora estou com muito medo, e não sei o que fazer. No começo, eu pensava que não me importaria com o que acontecesse conosco, eu jurei que faria tudo que precisasse, mas eu estava errado. Eu pensei que poderia te ver passar por tudo isso sem sentir nada. Eu gostaria de voltar atrás e jamais ter te conhecido, jamais ter te feito sofrer tanto ou colocado sua vida em perigo. Nada disso vale seu sofrimento, Lúcio, nem mesmo um mundo perfeito. De que adianta um mundo perfeito se nós não pudermos mais nos sentir felizes? Se nós dois não estivermos juntos nele? Se não chegarmos inteiros lá?

Dantálion [COMPLETO]Where stories live. Discover now