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Ao acordar, se sente revigorado pela boa noite de sono. Já se passaram dois dias desde a última vez que viu Dantálion, e não pretende encontrá-lo tão cedo. Na verdade, considerava seriamente cortar as relações com o garoto definitivamente.

Retomar a rotina de Sacerdote é um alívio após tantos dias de tensão e problemas. Sua vida, afinal, é tranquila e fácil.

Acostumado a ser simpático com todos, ele interage muito bem com os Auxiliadores, dissipando totalmente as preocupações de antes. Talvez possa ser feliz dessa forma, apenas cumprindo seu papel e esquecendo qualquer mistério e qualquer dúvida. Retomando sua personalidade anterior, poderá se redimir de seus erros, e a Voz falará com ele, e tudo será perfeito como sempre foi, e então não haverá mais medo do futuro. É preferível ter um futuro tedioso a não ter futuro nenhum.

Durante o almoço, os Auxiliadores parecem espontaneamente interessados nele, cercando-o de atenções e agrados como jamais fizeram antes.

- Como vai, senhor Sacerdote? Já está melhor de saúde? Que bom. – diz o Auxiliador responsável pelo grupo da metalurgia.

- Senhor Sacerdote, a Voz tem lhe dito algo a respeito das oferendas? – diz o Auxiliador do grupo da tecelagem.

- Senhor Sacerdote, acredito que o povo anda muito materialista, o senhor deveria consultar a Voz para saber se seria bom que fizessem novas oferendas...

E assim todos falam praticamente ao mesmo tempo, sobre coisas diferentes, mas sempre mencionando algo relacionado às oferendas.

Ele olha para o pai em busca de auxílio. O antigo Sacerdote está sozinho em um canto da sala e move a cabeça discretamente em sinal de confirmação. Provavelmente, era dessa maneira que a Voz falava através dos Auxiliadores, com muita confusão e desordem.

O Sacerdote baixa o olhar, incomodado com toda aquela situação.

Uma voz grave e poderosa repentinamente rompe acima das outras, fazendo com que os Auxiliadores se calem imediatamente:

- Deixem que ele mesmo fale! Com certeza a Voz se comunica mais com ele do que com qualquer um de nós.

Os Auxiliadores se afastam, deixando livre o caminho para que o autor da fala apareça.

Anton está vestido com sua túnica negra, circundada por um cordão dourado em sua cintura, vestimenta usada somente pelo Auxiliador da Justiça, e se destaca entre os demais, tanto pela altura quanto pela boa aparência.

Apesar de já não ser tão jovem, Anton aparenta ser mais novo que os demais, tendo talvez por volta de trinta ou quarenta anos. De qualquer modo, ele conserva um rosto perfeito, sem qualquer falha ou mancha, exceto por uma cicatriz em seu lábio inferior, cuja origem é desconhecida, e que ninguém jamais ousou perguntar. Sua beleza contribui de uma maneira estranha para que ele seja temido e respeitado por todos, como se fosse a própria Voz encarnada. A Justiça em sua maior glória. Ele encara o Sacerdote inquisidoramente, esperando uma posição.

- Eu... – diz este, nervoso – Consultarei a Voz a respeito disso na próxima Audição.

- Ótimo. – responde Anton – Tenha a bondade de nos informar sobre tudo. Certo, senhor Sacerdote?

As últimas palavras saem em tom de desafio.

- Informarei tudo quanto a Voz me mandar informar. – responde Lúcio, rispidamente, encontrando em si uma coragem que desconhecia para enfrentar aquele homem.

Os dois sustentam um olhar arrogante, até que Anton se vira e caminha para fora da sala. Os Auxiliadores rompem em alvoroço novamente após alguns instantes de silêncio amedrontado.     

     

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Dantálion [COMPLETO]Where stories live. Discover now