16.

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Ele está completamente diferente. Sua postura, antes desleixada, está rígida e tensa. Mas são os seus olhos que mais assustam o Sacerdote, injetados de sangue e transbordando de ódio.

O olhar louco do garoto o paralisa. Ele o encara, avançando com passos pesados em sua direção. O Sacerdote estaca no lugar, tentando um diálogo, sua voz falhando:

- O... Olá?

O outro continua a se aproximar, ignorando o cumprimento, e o empurra contra uma árvore.

- Você está ficando louco, garoto?!

A voz dele é tão intimidadora quanto seu rosto. O garoto de olhos negros ergue a mão em punho, mostrando um pedaço de papel praticamente destruído pela agressividade com que o segura. O bilhete.

- Eu... Eu... Não queria que...

- O que você acha que está fazendo?! – grita, empurrando o Sacerdote com mais força. As protuberâncias do tronco da árvore se fincam em sua pele, ardendo em vários pontos diferentes.

O garoto parece um demônio enfurecido, descontrolado e cruel, nenhum traço de sua personalidade anterior visível. Por um momento, o Sacerdote tem a certeza de que aquela é sua punição por flertar com o mal. Ele havia deixado que o mal acontecesse, e agora o verdadeiro ente por detrás daquele garoto havia se libertado, com sede de sua alma.

O Sacerdote entra em pânico. Olha de um lado para o outro, na esperança de alguém estar por perto para socorrê-lo. A floresta, porém, está tão deserta e silenciosa quanto a morte. Gritar por ajuda seria inútil.

Volta a encarar o outro, o medo estampado em seu rosto.

Ele, a pessoa mais poderosa da cidade inteira, que poderia ver qualquer um executado apenas com uma palavra, está agora indefeso.

O garoto, apesar de magro e pálido, é mais alto e mais forte que ele. E, mesmo que sua condição física não fosse tão boa, a expressão de insanidade sanguinária em seus olhos não deixa dúvidas de que ele seria capaz de fazer o que quisesse. Alguém que desobedece todas as leis sem demonstrar qualquer remorso não veria problema algum em ir mais além e cometer outro crime. Era o que merecia, afinal. Não tinha sido clemente com o criminoso? Olhe só o que ganhou como recompensa!

O outro poderia fazer o que quisesse, ainda mais contra ele, que havia crescido a vida toda rodeado de cuidados, que nunca havia sequer discutido com alguém, muito menos entrado num embate físico.

Indefeso. O outro poderia muito bem golpeá-lo, poderia sacar uma faca e o matar ali mesmo. Nem precisaria de uma faca.

Ele está perdido nas mãos de um louco.

Transfigurando-se, porém, o garoto relaxa seu aperto, rindo.

Seu olhar sarcástico retorna, nenhum sinal restante da violência de instantes atrás. Seu corpo assume uma postura tranquila, um meio-sorriso torto subindo pelo lado esquerdo de sua boca. Ele ri, encarando o Sacerdote com as sobrancelhas erguidas.

- Você realmente é um filhinho do papai, não é?

O Sacerdote respira fundo. Aparentemente estava prendendo a respiração por um bom tempo. O sangue retorna a seu corpo, dando-lhe um calor de desmaio. Ele permanece mudo.

Um ódio repentino surge em seu interior, e pensamentos violentos tomam sua mente.

Ele sente vontade de gritar com o garoto, de lhe dizer que estará morto no dia seguinte, que o entregará e mandará que seja executado diante de seus olhos. Sua tolerância chegou ao fim. O mal deve morrer. E o mal morrerá em suas mãos.

Porém, quando o pânico desaparece, é um sentimento de alívio que o consome, e o grito de ódio morre antes de sair de seu peito.

A fúria passa, e ele se sente ridículo. Se sente como uma criança que levou uma bronca, exatamente como se sentiu quando Anton o arrastou pelo braço: furioso e humilhado. O terror havia esgotado todas as suas forças e todo o seu orgulho. Ele se sente nu diante de outro, depois que sua personagem, sua armadura de honras e invulnerabilidade, fora esmagada e destruída pelo medo. O medo havia o transformado num animal, num fraco, na criança que ele realmente era por debaixo das túnicas douradas e das proteções reais. O garoto havia o desarmado e o deixado nu emocionalmente, uma das piores sensações que um líder supremo poderia sentir.

E ele, com o orgulho ferido, em carne viva, não grita palavras de ódio contra o garoto que o deixou nu.

Ele apenas abaixa a cabeça, envergonhado.

E sorri.    

    

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Dantálion [COMPLETO]Où les histoires vivent. Découvrez maintenant