— Faltam poucos meses, Vitória, se aguentamos até aqui, por que não esperar mais um pouco?

— Nós aguentamos, Ana Clara? Estamos levando isso por puro medo de colocar um ponto final. Sua vida está ótima aí, não sinto que faço parte dela ainda. Não temos tempo para caprichos, como eu disse na sua última noite aqui, nossas vidas são nossos trabalhos, não é justo mudarmos isso pela outra, temos que fazer por nós mesmas.

***

Não fazia ideia de onde tinha tirado forças para proferir tudo aquilo sem soltar o choro que estava contido, o nó formado em sua garganta parecia querer sufocá-la. Ver o semblante de Ana, o quanto estava se esforçando para não fraquejar também só piorou a situação. Sabia que não seria fácil, mas era o certo a fazer. Ana estaria completamente sem amarras para realizar seu sonho lá em Milão, acreditava que ela se recuperaria logo de um término, sua rotina lhe ocuparia e mal teria tempo para pensar no que acontecera.

— Você sempre vai fazer parte de tudo da minha vida, Vitória.

— Não pense que estou desistindo de você, estou fazendo o que suponho que seja melhor para nós duas. Você tem uma vida completamente diferente agora, eu sei que em breve vai estar aqui de novo, mas relacionamento nenhum muda da água para o vinho só por estar próximo fisicamente. Vamos carregar marcas do que está acontecendo entre nós e, quando voltar, o modo como nos relacionávamos antes pode não acontecer. Isso mudou tudo.

— Eu imaginava que isso aconteceria desde nossas últimas conversas, concordo com seu ponto de vista, nunca me opus aos seus pensamentos, não vai ser agora que vou fazer isso. Você me apoiou para vir e sempre serei grata por todo o incentivo, porque eu sei o quão difícil foi isso. Nosso erro foi acreditar que seríamos capazes de passar por cima de qualquer coisa.

— Minha prioridade sempre foi te ver bem, Ana, e não como estaríamos. A sua chance de aproveitar essa oportunidade não incluía nosso namoro em perfeito estado.

— Paramos por aqui para não danificar mais o que foi ótimo até então. — Concluiu em voz alta, falando mais para si mesma do que para Vitória.

— Você disse que iríamos ficar bem, não significa que tem que ser juntas, não é? — Estava beirando seu limite, sua voz ameaçava ficar embargada. Não conseguia olhar diretamente para a tela do notebook, se o fizesse, voltaria atrás e não podia. Ouviu Ana soltar um suspiro de choro e seu coração apertou mais. Tinha que desligar o mais rápido possível, só a machucaria ainda mais deixar com que Ana a visse chorando.

— Vitória... — Saiu em um sussurro mas alto o suficiente para que ouvisse. Tomou coragem para olhá-la uma última vez e quando o fez, suas lágrimas escorreram sem sua permissão. — Eu te amo.

— Eu sei, meu bem, nunca duvidei do seu amor. Eu te amo também e sempre irei. Se cuida. — Comprimiu os lábios e olhou para a morena mais uma vez antes de desligar a chamada. Em fração de segundos seu rosto estava banhado. Estava paralisada encarando a parede a sua frente. Tudo havia acabado. Era tão difícil ter que abrir mão da pessoa que amava. Tinha ciência de que só amor não era suficiente. Não existe a possibilidade de sustentar um relacionamento baseado na falta de contato, é necessário tempo para a outra pessoa, é necessário se doar e não podiam fazer isso. Queriam, mas não podiam. Não agora.

Não podia prender Ana a si, seria egoísmo demais. Continuar com algo que não estava mais funcionando seria martirizar as duas. Não tinha como consertar, não havia modo de se comunicarem mais do que tentavam. Estava faltando tanto. Era tempo demais para esperar e esperaria se esse tempo não fizesse com que virassem duas estranhas.

****

Ana teve a impressão de que tudo à sua volta estava girando. Piscou várias vezes e em todas deixou cair as lágrimas que não conseguia segurar. Esperava por isso, não tinha outra saída, mas não imaginava o quanto doeria quando acontecesse. Nunca desejou tanto estar em São Paulo. Perder a pessoa que amava por conta de uma escolha incentivada pela própria era tão contraditório. A única certeza de que tinha em sua vida no momento era que a queria, que precisava da sua voz dizendo que não passou de um equívoco e que os próximos meses passariam logo e quando voltasse ao lugar que pertence, tudo estaria como deixou.

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