Capítulo 27

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Aquela noite estava guardada por tantos motivos, cada um em particular, cada um mais importante que o outro. Pouco se importaram com o fato de que estava amanhecendo quando pararam de dar os motivos para os vizinhos reclamarem. Quem nunca havia esquecido do resto do mundo dentro de quatro paredes com a pessoa amada que atirasse a primeira pedra.

****

Vitória mal havia dormido. Ana ressonava em seus braços e agradecia mentalmente por isso, sabia que não aguentaria segurar as lágrimas ao levá-la até o aeroporto, se ela visse as que insistiam em escorrer, certamente iria cogitar a péssima ideia de cancelar a viagem. O voo estava marcado para pouco depois do almoço. Eram poucas as horas que lhes restavam.

— Bom dia, amor. — Ana falou ao tentar manter seus olhos abertos. Vitória passou o dorso da mão pelas bochechas numa tentativa falha de secar as lágrimas sem que a morena visse.

— Bom dia. — Sorriu de um jeito que não convencia a outra. — Você é muito estraga prazeres, queria te acordar com café na cama.

— Não sei se é pior você disfarçar ou deixar transparecer. — Seu semblante já estava completamente diferente.

— Desculpa. — Sussurrou fechando os olhos.

— Eu me sinto assim também, devo então te pedir desculpa?

— Claro que não.

— Então não me peça desculpa por algo que não tem culpa.— Vitória não a respondeu em palavras, a abraçou ainda mais forte e teve uma sensação de alívio quando Ana a abraçou de volta tão forte quanto.

— Essas duas semanas passaram rápido demais.

— Os meses vão passar assim também.

— Eu espero.

— Eu também. — Ana beijou seu rosto ainda molhado pelas lágrimas que derramou.

Às vezes, detestava que tudo tivesse dois lados. Era tão importante esse passo na sua vida profissional que lhe traria ótimos resultados na vida pessoal também, mas Vitória a fazia querer desistir, só não ficaria porque a mesma que lhe fazia querer ficar, era a mesma que lhe apoiava a ir.

— Você mal dormiu, Em. — Disse desfazendo-se do abraço.

— Olha quem fala.

— Mas eu não vou passar oito horas dentro de um avião.

— Oito horas que posso muito bem passar dormindo. Meu sono pouco importa com você aqui. — Colocou o cabelo de Vitória atrás da orelha.

— A teimosia não acaba nunca.

— Faz parte. — Encolheu os ombros sorrindo.

— Vamos tomar um banho e não reclame de eu querer preparar o café sozinha. — Vitória levantou-se indo em direção ao banheiro.

— Você não vai me deixar te ajudar? — Ana perguntou ainda sentada na cama.

— Não, Ninha, tenha um café da manhã digno, por favor.

— Assim você me ofende, sabia?— Ana seguiu para o banheiro também e fechou a porta, encostando na mesma enquanto Vitória abria o chuveiro.

— Não era a intenção, meu amor. — Sorriu.

— Hum, sei...

Ana estava um pouco mais satisfeita pelo clima ter mudado por ora. Que as últimas horas juntas ao menos fossem boas, por mais que em algum momento desabariam. Tinham coisas que não tinha como evitar. Depois de terem decidido que era melhor deixar pelo menos um pouco de água para os vizinhos, já que provavelmente os mesmos poderiam ter sido um pouco incomodados durante a noite, saíram do banho e como Vitória havia dito, não deixou que Ana nem chegasse perto do que estava fazendo na cozinha. Feliz seria o dono do café que Ana escolheria ir toda manhã em Milão. As horas passaram mais depressa do que deveriam. O café da manhã fora mais para aproveitar a presença uma da outra do que de fato tomarem café da manhã. Quando se deram conta, Ana estava trancando a porta do seu apartamento e entregando as chaves à Vitória. Vitória a ajudou com as malas e o caminho até o aeroporto estava deixando ambas incomodadas. A hora que Vitória mais queria que demorasse, havia chegado. Seus dedos entrelaçados e apertando a mão uma da outra era como uma despedida negada.

Edmílson e Mônica estariam no aeroporto para se despedir e Bárbara iria junto, estava retornando a Milão a trabalho também, por isso havia dado o empurrãozinho para que Ana fosse a designer escolhida. A famigerada viagem juntas a Milão. Estiveram com as mãos grudadas o tempo inteiro, Vitória só a soltou para que pudesse despedir-se dos seus pais, seus olhos já embaçados pelas lágrimas mostrava que não aguentaria por muito mais tempo. Despediu-se de Bárbara antes de Ana, a mesma caminhou sozinha até a sala de embarque para deixá-las terem seu momento sem interrupções.

— Por favor, não chora, Vi, ou eu nem entro naquele avião. — Se segurava para não fazer o mesmo que a namorada estava prestes a fazer. Vitória se jogou em seus braços em um abraço de saudade antecipada, desespero e a despedida que se negava a fazer. Para Ana era tão difícil quanto, sabia que aguentariam esse tempo longe mas doía da mesma forma, só expressava menos, tinha certeza de que se juntasse sua vontade de ficar por Vitória com a vontade de Vitória de que ela ficasse, iria realmente ficar, mas não podia. Não dessa vez. Distância e suas desvantagens. Deixou que as lágrimas caíssem também ao ouvir o choro contido de Vitória próximo ao seu ouvido.

— Hey.

— Me desculpa. — Se afastou um pouco. — Não estou acostumada com você longe. Não pense que não estou feliz por você, sabe que estou, é só que...— Ana a calou com um beijo. O gosto da despedida vinha junto com as lágrimas que vinham de ambas. Vitória segurou o rosto de Ana entre as mãos enquanto os braços da mesma apertavam sua cintura numa tentativa de quase fundir seus corpos. Estavam no meio do aeroporto, pessoas passando por seus lados presenciavam uma das cenas mais difíceis que já tiveram que passar juntas. Não se importaram com o lugar e o tanto de pessoas que transitavam ao redor.

— Eu te amo muito. — Ana disse ao separar seus lábios, lhe dando um selinho em seguida. Tentou secar as lágrimas do rosto da morena com os polegares e Vitória fez o mesmo com ela.

— Eu te amo. — Tentou em vão secar as próprias lágrimas. — Vamos ficar bem, não vamos?

— Eu acredito em nós.— Vitória assentiu a abraçando uma última vez.

— Eu preciso ir. — Ana disse enquanto seu voo era anunciado novamente.

— Fale comigo o mais rápido que puder e se cuide, amor.

— Se cuide também. — Lhe deu um beijo na testa e a contragosto caminhou até a sala de embarque. Foi a vez mais dolorosa que teve que dar as costas a alguém. Vitória já a segurava na cama quando tinha que ir embora, deixá-la ir para tão longe sem a certeza de se tocarem novamente em sete meses só era mais uma prova da mulher forte que era. Ana sabia que ela estava feliz por vê-la em algo tão importante, mas isso não impedia nenhuma das duas de quererem estar perto. Tinha vontade de correr atrás de Vitória e a fazer ir junto ou de realmente ficar.

— Esse tempo vai passar rápido, patinha. — Bárbara a abraçou de lado.

— Eu sei que vai, mas pela primeira vez desde que nos conhecemos, algo pareceu ser mais complicado. Vitória tem o dom de deixar as coisas mais simples, mais fáceis e dessa vez foi totalmente o contrário.

— Isso só vai fortalecer a relação de vocês. Além de tudo, é só na despedida, logo estarão as duas rindo por chamada de vídeo.

— Sorte a minha ter você comigo, só vai tornar tudo melhor.

***

Vitória estava tão dispersa que várias vezes só acelerou o carro quando ouviu buzinas dos carros atrás indicando que o sinal estava aberto. Chegou em seu apartamento levando o dobro do tempo que levaria normalmente. Trancou a porta e jogou as chaves e o celular em cima do aparador ao lado. Se sentou no sofá e a única coisa que tomava seus pensamentos era o que havia acontecido no mesmo lugar, no dia em que Ana lhe disse sobre a viagem. Se sentia errada em não estar totalmente bem com isso, a questão era que de uns dias para cá, havia aumentado em si um receio que não sabia ao certo do que era. Confiava sua vida à Ana, tinha certeza que não aconteceria absolutamente nada que fosse deixá-la magoada se dependesse só da morena, mas ao mesmo tempo ecoava em sua mente que sentimentos ninguém controla e a distância e o tempo podem ser dois grandes problemas. Só se acalmou depois da terceira taça de vinho. Teria que ser como Ana havia dito:

"Eu acredito em nós."

Folhas De OutonoWhere stories live. Discover now