— Está quase na metade, logo estaremos juntas de novo. — Silenciou podendo ouvir Vitória respirar fundo.

— Como está? Como foi seu dia? Você deveria estar dormindo.

— Não conseguiria dormir sem falar com você, três dias sem ouvir sua voz é uma tortura. Aqui está tudo ótimo. Meu dia foi como todos os outros, aula e a preparação da próxima.

— Estou orgulhosa por estar se dando tão bem assim, faz valer a pena essa distância toda.

— Vitória?

— Hum?

— Eu amo você.

— Eu também amo você, amor.— A ouviu suspirar pesado novamente.

— Sei que não estamos tão bem como lhe prometi, mas vamos ficar.

— Eu espero. — Sua voz soou baixa. Ana não soube o que responder e pelo visto nem Vitória o que acrescentar, foram segundos em silêncio. — Vou desligar, você precisa descansar, está tarde aí.

— Você também precisa. Promete para mim que vai ir para casa no horário em que seu plantão acabar?

— Não estou fazendo por querer...

— Eu conheço você, Vitória, até em coisas que você não imagina.

— É o que tem me ocupado, é o meu trabalho, é o que eu amo fazer. Da mesma forma como você está aí.

— Tem razão. Só não quero que fique sobrecarregada.— Não havia o que discutir, Vitória estava certa, ambas estavam fazendo o que sempre fora prioridade, não podia cobrar dela o que também não fazia.

— Não vou... Boa noite, Ninha.

— Boa noite Vi.

***

Vitória encerrou a ligação e encarou o celular por segundos. Fora a conversa mais longa que teve com Ana em três dias e ainda assim não estava satisfeita. Não estava conseguindo se contentar com tão pouco. Os assuntos estavam faltando e tudo estava ficando frio. Temia ter que admitir a si mesma que o relacionamento já não era o mesmo. O que haviam evoluído em três meses, decaíram proporcionalmente. E o pior era saber que a culpa não era de nenhuma das duas. Não havia muito o que fazer. Quando acordava, Ana já estava ocupada. Quando chegava em casa, Ana já deveria estar dormindo. Aumentando ou não as suas horas de plantão, não mudaria nada em relação às duas. Lhes restavam os finais de semana, os quais Ana estava sempre ocupada por lá, seu nome estava na lista de diversos eventos, desfiles e jantares. Não negaria que estava orgulhosa de como tudo estava tão bem para a estilista, acalmava seu coração farto de saudade quando via Ana sorrir ao contar sobre como as coisas funcionavam por lá, das pessoas que havia conhecido – as quais sentia inveja por poder tê-la perto –, dos lugares que visitara e de como estava sendo tão bem recepcionada, como estava satisfeita ao ver pessoas apaixonadas pelo mesmo que ela aprendendo.

Sua rotina em São Paulo continuava a mesma, estaria mentindo se dissesse que não estava sabendo lidar com tudo isso. Nunca tivera Ana na sua vida até meses atrás, apesar do quão incrível foi tê-la conhecido e ter a sorte de ter todo seu amor correspondido, não poderia e nem queria fazer sua vida girar em torno de um relacionamento. Ana estava se dando bem em Milão. Sua vida continuava sem muitas diferenças notórias em São Paulo.

O relacionamento desgastando cada dia mais era só um detalhe, um maldito detalhe que estava tomando conta dos seus pensamentos. Sentiu falta até mesmo do modo como a morena era presente em sua cabeça, antes por motivos que a fazia suspirar, agora, motivos que a desestruturaria. Apesar de não poder e não querer parar a sua vida por conta de alguém, era quase isso que estava acontecendo. Ana realmente a tirava do eixo com qualquer coisa, e dessa vez, infelizmente, não era algo bom. Deixou o celular sobre a cama e entrou no banheiro. Se olhar no espelho e notar sua própria aparência de cansaço a lembrou de quando seu cansaço físico não era nada perto do que passava dentro de si. Antes, o que lhe atormentava era estar muito perto de alguém a quem hoje procurava nem lembrar da existência. Dessa vez, tudo o que precisava era dos braços que sempre lhe fariam descansar depois de um dia corrido no hospital. Ana havia mudado até sua rotina, tinha lhe oferecido tanto e tudo estava sendo tirado aos poucos.

Imergiu seu corpo na banheira, encostando sua cabeça e fechando os olhos. Não tinha como fugir do caminho que tudo estava tomando e, infelizmente, o destino final não era o que nenhuma das duas esperava quando Ana partira. Já era claro para ambas que não tinha como manter um relacionamento que até mesmo Flávia dizia a Vitória que se tornara um iceberg. Levaria ainda quatro meses para ter Ana de volta ali. Se em três havia tido essa reviravolta imprevisível, em quatro, se tornariam praticamente desconhecidas. E como seria quando Ana voltasse? Estavam sendo pacientes até então, sustentando até onde era possível, mas uma hora sairia do alcance segurar tudo que estava prestes a desabar.

Viviam em tanta sintonia.

Viviam.

****

— Aninha! — Bárbara estalou os dedos em frente ao rosto da morena. Ana observava as pessoas andando ao seu redor, seus olhos pararam em um casal sentado em uma mesa no canto do café e foi impossível não pensar em Vitória, sempre escolhiam os lugares mais reservados, as mesas de canto. Seus dedos tamborilavam a madeira da mesa, próximo ao seu copo ainda cheio de café.

— Ah, me desculpe sis. — Voltou seu olhar à amiga à sua frente. Bárbara seguiu seu olhar e encontrou o que a morena tanto observava. Se lembrou de quando Ana a buscou no aeroporto, estava transbordando seus conflitos internos, tudo porque uma médica entrara em sua vida. Já imaginava que a partir daquele dia, naquele café em São Paulo, num fim de tarde, a conversa e os conselhos dados resultaria em algo, só não imaginava que seria algo tão grande assim, no máximo, achava que Ana tinha atração pela mulher e um mero desejo de ter sua companhia, não cogitaria a ideia de que veria a amiga dispersa, dispensando tomar café por conta de estar longe da mulher que amava.

— Falta pouco, patinha, essa ansiedade de vocês só faz o tempo parecer passar lentamente. — Pousou sua mão sobre a de Ana a acariciando e recebeu um leve sorriso de puro desânimo.

— Não sei se vamos aguentar esse tempo, sis. Acho que acabamos discordando dessa ideia de conversarmos cinco minutos por ligação a cada três ou quatro dias, de nem podermos nos ver direito e trocar mensagens básicas de bom dia e boa noite. Suponho que nenhum relacionamento possa se basear nisso.

— Aninha, não, por favor! — Falou quando viu que os olhos de Ana estavam brilhando por conta das lágrimas.

— É tão estranho ter ela tão fora assim, à parte de tudo. Nenhuma de nós está bem com isso.

— Tem como consertar, patinha, é tudo questão de tempo, paciência.

— Já estamos tendo paciência, se não tivéssemos, nem desse jeito estaríamos ainda.

— Aninha...

— Acho que nossos dias juntas estão contados.

Desde quando Vitória encerrara a ligação de madrugada, seu coração estava apertado. Não era a primeira vez que tinham uma conversa fria daquela forma e via que também não seria a última. Era por um tempo determinado, entretanto, nada impedia de que quando voltasse a São Paulo, o relacionamento continuasse o mesmo. Pensaram que aprenderiam a conviver esse tempo longe e aparentemente estavam enganadas, era provável que poderiam se enganar ao pensar que tudo voltaria a ser um mar de rosas quando estivessem próximas de novo.

O que desaba de uma vez leva tempo para ser reconstruído.

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