XV - CORAÇÃO NEGRO

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A luz do Sol atravessava a cortina branca na parede que escondia a única janela daquele quarto cinzento. Várias camas da enfermaria estavam organizadas uma ao lado das outras, contando no total de dez, bem pouco para a quantidade de alunos do Instituto. Meicy estava deitado em uma delas, ainda dormia em sono profundo. Sua mão direita estava enfaixada com uma atadura branca, sua pele estava bem mais pálida que o de costume.

Lirah estava na cama ao lado, diferente de Meicy ela já havia despertado. Sentia-se um pouco desconfortável por uma das enfermeiras desprender o seu cabelo enquanto dormia. Ela tinha certo receio de descobrirem algum fio ou um sinal da cor natural de suas madeixas.

Millo estava sentado ao lado dela na cama, olhava para ela tristemente. Não havia conseguido dormir desde a hora que chegaram. Se recusou a ficar internado, apenas tomou um chá de gosto amargo, mas segundo uma enfermeira, tinha efeito calmante. Contudo, estava funcionando, ele não demostrava o mesmo nervosismo de antes.

— Estou com medo. — Millo sussurrou com o olhar perdido na parede cinzenta.

Lirah fitava o teto, observando as pinturas circulares em tinta branca e dourada. Ela não conseguia compreender bem o significado daquilo, em alguns pontos tomava forma de flores e em outros espirais. Chegava a ser estonteante, ao mesmo tempo que era belo também era surreal.

— Eu também. — A maga falou com uma voz rouca, não demonstrando muito sentimento.

O silêncio reinava. Millo suspirou, apesar da ansiedade, sentia-se um pouco mais tranquilo em relação aos livros que Meicy e Lirah trouxeram da tumba de Luciano Antunes. Conseguiu guardá-los em seu quarto antes mesmo de alguém questioná-lo. As enfermeiras estavam mais preocupadas em medicá-los. Eles tiveram sorte, porém, o caçador e o bruxo que havia salvo eles da floresta os dedaram ao diretor. Entretanto, o índio não poderia julgá-los, o trio havia atrapalhado o teste deles, o último teste que iria garantir a formatura de ambos.

O barulho da porta de madeira se abrindo chamou atenção dos amigos. Era Ganna. Ela estava trajada com sua roupa branca de costume, parecia um tanto aflita. As olheiras profundas ao redor de seus olhos demonstravam certo cansaço. Ela era o tipo de professora que passava horas estudando e desenvolvendo métodos de pesquisa. Millo a admirava por isso. Não seria surpresa vê-la na enfermaria, a jovem — embora ser umas das mais velhas professoras — conhecia todo o tipo de plantas medicinais e era comum sempre vê-la transportando poções e antídotos.

Ganna trazia consigo uma cesta de palha arredondada com medicamentos, supostamente desenvolvidos por ela. Olhou tristemente para Millo e Lirah que não conseguiram desviar o olhar.

— Bem... — Ela disse, balbuciando. — Não faço ideia do que aconteceu, mas... Eu quero que fiquem cientes. Vocês irão ser punidos.

Lirah baixou a cabeça e Millo não conseguia esconder a lágrima do canto do olho. Ganna também tentava conter sua emoção, de fato, aquela situação a comovia. Ela respirou fundo e levou o seu olhar até a cama de Meicy. O garoto de olhos escuros ainda estava em sono profundo, se não fosse pelo movimento de seu peito e narinas durante a respiração, poderia se dizer que parecia um defunto.

☽✳☾ 

Um barulho de ventania, porém não sentia nada tocando em sua pele. Meicy não sabia exatamente onde estava, mas reconhecia aquele lugar. Estava bastante escuro, o breu tomava formas alucinantes em sua frente, era quase como se visse espíritos translúcidos. O jovem feiticeiro não conseguia se lembrar de nada, parecia que sua memória havia sido apagada. Tentou não se desesperar. Procurou caminhar alguns passos, mas se sentia cego. Mesmo com olhos que enxergavam no escuro, as trevas ainda insistiam o consumir.

Legend - O Feiticeiro Oculto (Livro 2) EM REVISÃOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora