Assim que a segunda-feira amanheceu eu já estava de pé, com minhas malas prontas, debruçada no parapeito do muro que dava para a Pedra do Cachorro. O sol subindo e minhas lágrimas descendo. Mas decidi que aquela seria uma das últimas vezes que eu choraria, e que era chegado o tempo de ser forte.
- Gel, a caminhonete chegou. – chamou-me Lourdes, minha vizinha.
Ainda era Novembro de 2014, mas parecia que em dois dias a minha vida havia se transportado para dois anos à frente. Despedi-me de Lourdes, da casa, do meu passado. Peguei as malas e segui viagem em direção ao inesperado futuro.
- Vai com Deus, minha filha. – abraçou-me Dona Lourdes – Seus pais sentiriam muito orgulho de você. – Segurou minhas bochechas, com olhos marejados – Tenho certeza que vai dar tudo certo! A filha da minha amiga já está avisada que você viaja agora cedo. Que Deus abençoe seus passos. – Abraçou-me de novo, demoradamente.
Subi na cabine da caminhonete F-1000 de Juvenal e ele deu partida enquanto eu via aquela casinha amarela cada vez mais distante do meu corpo e da minha alma.
- Ah, Seu Juvenal, só Deus sabe o que será de mim agora.
- Tenha fé, minha filha. Em você brilha uma luz.
- Só tenho fé mesmo. É o que me resta.
- Você tem cara de rica.
- Oxe! Cara de rica?
- Olha a sua cor. Se você vestir uma boa roupa, vai ser bem atendida em qualquer lugar.
- O mundo não devia ser assim. Não sou melhor que ninguém só porque eu sou branca.
- Lourdes falou algo sobre a capital?
- Não, não sei nada. – falei quase cochilando com a cabeça encostada na porta.
- Descanse. Te acordo quando a gente chegar lá. Ah, você vai amar conhecer o mar, os arranha-céus... Os shoppings!
Cochilei enquanto o caminhoneiro falava as maravilhas da cidade grande. Vim acordar cerca de duas horas depois, já perto de uns viadutos enormes e confusos que se misturam, parecendo obra de filme, coisa de novela. Já estávamos entrando na cidade.
- Desperta, moça. A gente já tá bem perto, viu?!
- Nossa! Como é grande essa rua. E quantos carros lindos!
- É uma avenida. Essa aqui é uma das principais, que liga o centro da cidade à área urbana.
Abri a janela e coloquei a cabeça um pouco pra fora.
- Vish, desculpe, mas eu preciso sentir o ar daqui. E essas buzinas? Que coisa incrível!
- E o cheiro de poluição... – Juvenal riu, mas eu estava começando a me animar com essa cidade.
- Como é o nome daqui?
- Aqui onde a gente tá agora? Essa é a Avenida Abdias de Carvalho. Eu vou te deixar no bairro da Jaqueira.
- Jaqueira? Lá vende jaca?
- Ah, menina... Vejo que você vai amar essa cidade. O bairro da Jaqueira tem esse nome por causa de um pé de jaca mesmo, mas é uma longa história.
- Eu amo histórias, Juvenal. E já estou amando mesmo tudo isso aqui. É tanto carro, né?! Vish Maria, valei-me. Por que o povo daqui anda tanto de carro?
Juvenal riu, novamente. Não resisti e sorri também.
- Muito bom te ver animada depois de tudo o que aconteceu.
- É a vida, né?! Me matar eu não vou, então tenho que enfrentar a vida.
- Você é corajosa.
Nunca me senti corajosa, mas ouvindo Seu Juvenal me elogiando assim, fiquei pensativa.
- A vida. Tudo é a vida. Eu nunca me senti corajosa, mas acho que a vida me encoraja de alguma forma. Sei lá, não sei explicar isso não. Eu só faço o que acho que tenho que fazer nas vezes que só encontro uma alternativa.
- Moça, olha à sua direita. Isso é o estádio do Sport Clube do Recife.
- Que enorme! Achei feio!
- Mas dentro é bonito. Já vim pra um clássico Sport e Santa. Foi fervente. É bonitão aí dentro, viu?!
- Eu não gostei. – falei enquanto já passávamos por um lugar que outros carros passam em cima – como é o nome disso?
- É um túnel. Essa cidade é cheia de pontes, mas de uns tempos pra cá, resolveram fazer uns tuneis também. Aí fica tudo alagado e engarrafado quando chove.
- Valei-me. E não tem perigo de os carros afundarem, não?
Juvenal não parava de rir da minha ignorância. Passamos também por uma praça enorme, chamada Praça do Derby. Uma praça grande e linda que fica em frente a um quartel enorme. Maravilhoso! E fomos passando por ruas estreitas, farmácias, padarias, outra praça, outro estádio... Até chegarmos à frente de uns prédios muito chiques.
- É ali que mora a moça que Lourdes falou.
Liguei pra ela.
- Bom dia! Dona Clara? Aqui é Gel, a moça de São Caetano.
- Oi, Gel. Já estou aqui na frente do prédio te esperando.
Juvenal parou a F-1000 mais à frente. Despedi-me e desci com minhas bolsas.
- Cuidado aí, minha filha. Qualquer coisa ligue pra Lourdes que eu volto.
- Valeu, Seu Juvenal.
Assim que desci da cabine, senti uma forte emoção de estar nessa cidade. Uma moto passou voando e senti o vento refrescar meus pensamentos. Suspirei. De alguma maneira eu tive certeza que tudo se faria novo em minha vida e que mesmo que não fosse nada fácil guardar os segredos e mistérios que me levaram a estar aqui, seria engrandecedor. Valeria à pena.
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Sexta às Oito
רומנטיקהA vida de Jéssica Medeiros Sabino nunca foi fácil. Com apenas 17 anos muda-se para a capital sem conhecer ninguém e durante mais de dois anos tem a sua vida transformada de um jeito que nunca imaginou. É clichê? Talvez, mas essa jovem mecânica muito...