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André

Hoje era o dia do meu aniversário.

O despertador acordou-me para mais um dia de treinos e apesar de amar o que fazia hoje era um daqueles dias em que não me apetecia sair da cama. Desliguei a chamada com a Lis já passava das três da manhã e agora estava a sofrer com a ausência de descanso. Praticamente queria atirar o aparelho electrónico contra a parede mas um respirar tranquilo chamou-me a atenção.

Durante a vida conheci vários tipos de amor. O amor incondicional que sentia pelos meus pais, o amor pelo meu irmão por quem facilmente daria a vida. Depois percebi que o amor não se caracterizava apenas pela alegria e felicidade que nos causava. Percebi que amava a Lis quando adormecia e acordava todos os dias a pensar nela. O simples facto de estar longe dela era tão doloroso como arrancarem-me uma perna. Fui percebendo que era um amor diferente dos restantes, muito mais forte e tão frágil ao mesmo tempo. Que nos faz pôr a felicidade da pessoa que amamos à frente da nossa. Tornamo-nos egoístas por queremos aquela pessoa só para nós mas também bipolares, tudo numa fracção de segundos. Sempre achei que o meu coração estava cheio e que não conseguiria amar mais ninguém com aquela intensidade. Mas estava enganado.

A figura pequena que dormia serenamente ao meu lado veio mostrar-me o contrário. Este era o novo amor que estava a aprender a conquistar. Faz-me sentir tão vulnerável saber que existe alguém que depende de mim para tudo. Não posso simplesmente deixa-lo sozinho e esperar que vá ao frigorifico buscar algo para comer ou que vá à casa de banho sozinho. Mas ao mesmo tempo faz-me sentir incrivelmente abençoado por ter criado algo tão belo e perfeito ao lado da mulher que mais amo no mundo.

Percorro com a ponta dos dedos a face do meu filho e o sorriso instala-se no meu rosto quando o vejo fazer uma pequena careta. Fez-me lembrar tanto a Lis com o seu mau humor matinal e o quanto odeia que a acordem. Quando ouvia as velhas dizerem que os netos tinham o nariz da mãe ou a boca do pai apenas ficava incrédulo porque para mim os bebés eram todos iguais. Como é que descobriam que era parecido com este ou aquele? Parecia-me uma ciência demasiado bizarra. Agora dou por mim a olhar para o André e pensar nos traços que tem em comum com a Lis. A forma como enruga o nariz é tão parecido com o mesmo que faz a Lis que atrevo-me a dizer passado todo este tempo que tem o nariz da mãe.

Volto a percorrer com a ponta dos dedos a sua face e demoro mais tempo por trás da orelha fazendo cocegas. Precisava de o acordar para lhe dar de comer e assim poder sair para o treino. Ouço estranhos sons indecifráveis e é tudo tão Lis que não consigo parar de sorrir.

- Bom dia campeão. Hora de acordar. - Anuncio e vejo-o a esconder o rosto entre os lençóis. - Estou a ver que andaste a passar demasiado tempo com a mãe que até já apanhaste os tiques dela.

Peguei no telemóvel enquanto esperava que ele acordasse e não tinha nenhuma mensagem nem notificação por parte da Lis. Ela disse-me que tinha coisas importantes a fazer esta amanhã e que iria ficar incontactável. Tentei perceber o que era mas não tenho qualquer ideia sobre o que possa ser.

Bom dia, amor. Já acordada?

Enchi a mensagem de corações e voltei a bloquear o telemóvel. Olhei para o André e já estava com os olhos abertos mas com uma cara nada feliz. Ter duas pessoas com mau humor matinal iria fazer das minhas manhãs uma verdadeira animação.

- Vamos comer qualquer coisa? - Questionei beijando o seu rosto. Ele abanou afirmativamente com a cabeça mas não tinha muita vontade de se levantar. - Temos que nos despachar, filho. Não queres ver um treino do pai?

- Oa... - Disse sonolento, o que na linguagem dele presumo que seja bola. Eles deviam vir com dicionário integrado ou um tradutor.

- Sim, bola. Queres jogar à bola com o pai? - Ele parecia aos poucos mais animado e menos chateado por ter que acordar. Era impossível não querer mostrar-lhe o meu trabalho e poder passar-lhe uma das minhas maiores paixões que é o futebol. - Então vamos comer!

André | André SilvaWhere stories live. Discover now