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- Eu vou a conduzir. - Insistiu o André pela enésima vez colocando a mala dele dentro do carro.

Estávamos a ter esta discussão desde que deixamos o nosso filho com os pais do André. Ele tinha ligado aos pais pouco depois de termos saído do restaurante a perguntar se não queriam passar algum tempo de qualidade com o neto. E por incrível que pareça a ideia tinha vindo de mim. Sabia como estas viagens podiam ser desgastantes para uma criança tão pequena e seriam apenas dois dias longe dele. Apenas. O meu coração começou a sentir a ironia dessa afirmação assim que fechei a porta da casa que o André tinha alugado. Olhei para trás e vi o pequeno junto à janela no colo da avó com um ar tão choroso que quase me fez voltar para trás.

- Está bem. - Concordei entrando para dentro do carro. Não queria mais aquela discussão, não quando estava o meu coração apertava a cada segundo desde que me despedi do André. Odiava deixa-lo sozinho porque penso sempre que ele estará a sentir-se abandonado pela própria mãe.

- Tens a certeza que é o melhor? - A pergunta do André tirou-me dos pensamentos ao vê-lo sentado ao meu lado no lugar do condutor. - Eu posso tomar conta dele quando estás no torneio. Não tenho tanta experiência como a minha mãe mas tenho que me começar a habituar.

- Ele fica sempre rabugento e inquieto quando anda muito tempo de carro e fazer duas viagens num espaço de dois dias é demasiado para ele. - Expliquei. - Apenas fico com esta sensação horrível de que ele pense que o estamos a abandonar. - Uma das mãos dele veio de encontro à minha apertando-a ligeiramente.

- Quando deres por isso já estamos aqui novamente. - Ele tinha este poder incrível de me fazer sentir segura e transmitir uma calma que muitas vezes não tinha. - E podemos falar com ele sempre que quisermos, é a era da tecnologia. Nunca estamos demasiado longe.

- Obrigada. - O moreno largou a minha mão para dar ignição e senti de imediato um vazio enorme. Isto estava mesmo a acontecer. Durante estes últimos dois anos tentei colocar bem no fundo toda esta dor associada à ausência dele mas agora estava tudo à flor da pele. Ele estava mesmo aqui e muito provavelmente não sobreviveria a outra ausência.

- Ou o motivo por estares com esse ar tão abatido é porque sou eu a conduzir? - Estava a sorrir abertamente quando a casa começou a ficar para trás. Queria aliviar um pouco o ambiente. - Eu sei que ficaste traumatizada com algumas das nossas primeiras viagens mas prometo que foi porque tinha carta há pouco tempo. Isto com o tempo melhorou bastante e posso gabar-me de ser um óptimo condutor.

- Olha que não sei. Ainda agora contornaste a rotundo e não deste pisca para saíres. - Decidi provoca-lo um bocado. A verdade é que ninguém o faz apenas quando estamos nas aulas de condução.

- Mas isso nunca ninguém faz. Quando chegares a Lisboa vais pensar várias vezes seguidas em como esta foi a viagem mais confortável que fizeste. - Nunca hei-de compreender este fetiche que os homens têm por carros e por serem considerados bons condutores.

- Lamento informar-te mas parte do confortável tem a ver com o carro e não com o condutor, André. - Vi-o comprimir os lábios sinal que não estava a gostar muito do rumo da conversa. - Nós quase tivemos um acidente. - Relembrei-o. Alguns meses depois de tirar a carta tínhamos ido passear e quando estava a tirar o carro do estacionamento quase que embateu num poste. Não íamos morrer nem nada do que se pareça mas era uma amostra do quanto o André pode ser despistado. - Ainda tenho pena do poste que não tinha culpa nenhuma.

- Nunca me vais fazer esquecer isso, pois não? - Sorri assentindo. Ele suspirou resignado mas acabou por fazer um pequeno sorriso. - Vais ser a minha morte!

André | André SilvaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora