Percepção

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Engoli em seco diante do olhar incisivo de Julia. Ela parecia realmente animada quando retornei para o abrigo, provavelmente esperando escutar o quanto o meu dia havia sido incrível e o meu chefe era maravilhoso, contudo como poderia contar a ela que o juiz era demoníaco?

Como poderia contar que o juiz havia me empregado para satisfazer seus desejos insanos de egocentrismo?

— Quero saber tudo – Julia sorriu largamente ao segurar em minha mão realmente ansiosa. O olhar dela conseguiu me deixar constrangida por não saber o que dizer – Como é o seu chefe? Detalhes.

— Eu já havia lhe contado antes – Sorri sem graça – O juiz Maison é bem agradável – Menti tentando não revirar os olhos – Li alguns relatórios, acho que o nome é esse. Estava em uma audiência também.

— Qual era o crime?

—Ser tola o bastante para não perceber a merda que fazia com a própria vida – Dei de ombros – Me conte sobre o seu dia. – Apenas uma pergunta tão simples, a fez sorrir largamente ao começar a narrar tudo o que havia acontecido na delegacia com os olhos brilhantes. Julia sempre parecia mais feliz quando falava do trabalho. Ela se sentia útil e amada. – E o policial que estava dando em cima de você?

— Disse que se continuasse prestaria uma queixa sobre ele me assediar – Falou firme.

— Está certa – Apoiei ao puxá-la em direção ao quarto. Por alguma tola razão, acabei me sentindo ansiosa para contar a verdade a Júlia. A verdade sobre como o juiz havia me salvado, como povoava meus pensamentos e em como estava me usando. – Preciso confessar algumas coisas – Disse assim que fechei a porta do quarto. Julia não me olhou apreensiva, pelo contrário. Respirei fundo antes de contar tudo desde o inicio, mesmo sabendo que ela conhecia algumas partes da minha história, pois nas reuniões era aconselhável contar sobre como chegamos no abrigo – E ele é o meu chefe, e bem, o juiz demoníaco não é exatamente como me recordava.

— Como assim? O que mudou?

Eu.

— Ele parece mais sarcástico.

— Isso deveria ser um problema? – Perguntou confusa. Trabalhar com policiais havia afetado a forma como ela reconhecia um humor normal, essa era a única resposta – Ou está sendo afetada pelo juiz? – Sorriu gracejando, mas algo em sua expressão modificou-se rapidamente ao me encarar – Anna, isso é verdade? Sabe que não podemos nos relacionar com alguém como ele.

— Alguém como ele? – Perguntei já imaginando a resposta. Não era como se eu estivesse pensando em algo assim de qualquer forma.

— Homens como esse juiz não devem ser associados a garotas problemáticas como nós. É um pouco difícil admitir, mas é verdade.

— Está dizendo que não merecemos nada? Um erro e devemos ser banidas?

—Não, é só que... – Calou-se por alguns segundos. Seu rosto avermelhou-se rapidamente antes de abaixar a sua cabeça levemente. – Eles vão ser envergonhados.

A olhei querendo acreditar que minhas suspeitas estavam erradas. Não tinha como alguém ter rejeitado alguém como ela. Julia era perfeita.

— Já saiu com alguém na posição de juiz – Não perguntei. Não precisei fazer isso ao ver a sua expressão de desolada. – O que houve?

— Ele desistiu – Deu de ombros querendo parecer ser forte. Eu sabia o que era aquela dor. Eu sabia o que era ser rejeitada, pois desde a minha infância havia sido. – Ele foi um babaca – A abracei ao falar em seu ouvido – Por isso não sai com ninguém na delegacia. – Ela assentiu confirmando. Julia devia temer sofrer novamente. Ser rejeitada.

MAISON [ Concluído] Onde as histórias ganham vida. Descobre agora