Cega provocação

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Retornar para a sala do juiz conseguiu deixar o meu humor realmente péssimo. Me vi como a antiga Anna, como uma garota rebelde prestes a brigar com alguém assim que abri a porta e encarei o seu sorriso de escarnio. Sentia como se ele estivesse se divertindo comigo. Se divertindo em ver as minhas reações.

— Sua caminhada foi agradável? – Perguntou cinicamente como se aquela situação fosse normal.

— Quero trocar de trabalho – Anunciei firme. Mesmo que eu fosse grata por ele ter me salvado, não continuaria me prestando a um papel patético como aquele. Não quando havia passado por tanta terapia para entender o quanto eu era importante, o quanto eu deveria amar a mim mesma. Não iria cometer o mesmo erro duas vezes. Não iria me apegar a alguém que estava me usando.

— E por qual motivo? – Um sorriso demoníaco surgiu em sua face. Ele se divertia em ver o quanto a sua revelação havia me afetado. Provavelmente começava a pensar que eu sentia algo por ele. Eu sentia gratidão, apenas isso. – O tempo lhe deixou sensível, garota rebelde. Antigamente estaria brigando comigo.

— Não sou mais uma criança irritadiça e medrosa.

— É bom saber – Sorriu largamente ao passar a mão pelos seus cabelos negros fazendo com que a minha atenção fosse direcionada para seus dedos longos. – De qualquer forma, é impossível conseguir outro trabalho.

—Irei falar com a diretora do abrigo. Ela vai compreender.

— Compreender que está fugindo assustada? Isso é realmente difícil de acreditar, senhorita rebelde.

Acabei suspirando realmente frustrada ao tentar conter a minha fúria. Nem mesmo o chocolate estava conseguindo me acalmar. Eu deveria voltar e pedir mais para Lian?

Acabei passando a mão pelos meus cabelos sem me importar de estar bagunçando-os. A roupa que antes era confortável agora fazia eu me sentir tola e desengonçada. Não conseguia entender o motivo para sempre ser usada pelas pessoas daquela forma.

— Sou tão insignificante para vocês ao ponto de me usarem? – Acabei falando ao olhar para o juiz, e mesmo que ele não esboçassem nenhuma expressão, me vi sorrindo em seguida – Foi uma brincadeira – Menti antes de abaixar a cabeça e seguir para a minha pequena sala. Meus passos foram em direção a sala lentamente tentando ignorar o som da cadeira do juiz, o seus passos e por fim a sua respiração próxima a mim antes de segurar em meu braço, forçando-me a virar e o encarar. Seus olhos pareciam mais sombrios ao me encarar tão seriamente. – Se tornou o juiz demoníaco novamente?- Perguntei tentando encontrar uma forma de desviar a sua atenção do meu rosto corado.

Eu parecia uma adolescente apaixonada. Estava com muitos problemas.

— Não é insignificante – Falou sério sem soltar o meu braço, entretanto seu toque não era grosseiro.

—Então por qual razão continua a me usar cegamente? – Abaixei os olhos com medo de ver algo em seu olhar. Enxergar compaixão.

Não queria pensar que ele tinha feito tudo aquilo por ter pena.

Mesmo após tudo o que passei, saber que uma pessoa sentia pena, compaixão, piedade, por mim conseguia ser pior do que qualquer dor que já haviam me afligido.

— Na primeira vez foi para salvá-la e agora não estou a usando. Estou lhe empregando, garota – Sua voz continha um tom de sensualidade ou escarnio? Acabei me perguntando ao erguer os olhos. O juiz Maison olhava para mim com intensidade enquanto mantinha sua mão segurando o meu braço e a outra se erguendo em direção ao meu rosto. Surpreendentemente, acariciou a minha face com delicadeza antes de se afastar. Rápido demais. Exageradamente rápido. Sua face mudou por alguns segundos antes de exibir o mesmo sorriso demoníaco. – Se não se sentir confortável com o trabalho, tentarei lhe arranjar outro. – Se deu por vencido ao virar de costas e seguir para a porta – Tenho uma audiência em duas horas, esteja no fórum – Anunciou como se não fosse nada ao me deixar sozinha.

O que havia acabado de acontecer?

E mesmo que soubesse a insanidade que estava prestes a cometer, acabei passando o dedo pelo local onde o juiz havia tocado em meu rosto. Ainda não conseguia recordar de seu toque suave e gentil.

Isso é piedade, certo? Precisa ser.

Suspirei antes de ir para a minha pequena sala, pegar todos os papeis possíveis e começar a ler o mais rápido que eu conseguia. Tinha pouco tempo para mostrar ao demoníaco juiz, o quanto eu era inteligente.

***
Entrar no fórum, na sala 305, designado ao juiz Maison fez com que eu parasse de respirar durante três segundos. Tempo suficiente para recordar das algemas em meu pulso, da vergonha que eu sentia e da solidão. Eu havia sido salva por ele.

Salva de uma vida vazia.

Devo ser grata pelo o que ele fez.

Gratidão era o único sentimento que eu poderia ter por ele. Após decidir, olhei para os lados ficando surpresa ao ver o tribunal vazio. Por algum estranho motivo não conseguia me recordar de como havia sido o meu julgamento, se estava cheio, se alguém que eu conhecia estava sentado atrás de mim ou se alguém estava sorrindo ao me ver ser condenada.

— Garota rebelde, aqui – Escutei o juiz me gritando sem se importar com os olhares em sua direção. Ele era realmente demoníaco. Andei até onde ele estava e sentei no lugar que ele apontou, na primeira fileira em frente a ele. – Preste atenção a tudo e anote se tiver duvidas – Assenti ao estranhar o modo profissional dele. O juiz trajava a mesma roupa escura da outra vez, entretanto agora sabia como era o seu corpo por baixo daquilo tudo.

— Caso número 6089 – O meirinho gritou e não demorou para ver uma garota que parecia ser ainda mais jovem do que eu. Seus cabelos eram vermelhos com mechas azuis, suas mãos estavam algemadas e ela olhava como se estivesse desafiando todos. A garota era uma pior versão de mim. Eu provavelmente seria como ela se não tivesse sido salva pelo juiz demoníaco. – O Estado contra Caroline Smiths.

— Como se declara? – O juiz perguntou preguiçosamente antes de avistar o sorriso de prepotência na face dela, provavelmente. A garota não parecia querer ser vista como inocente ou indefesa. Ela era agressiva, gostava disso nela. – Está achando graça no sistema judiciário? Gosto de trazer a realidade para crianças como você.

E então suspire pesadamente, ela iria sofrer agora.

Mas vai ter uma segunda chance quando sair. Assim como eu.

— Garotinha, como se declara? – Ele perguntou agora sorrindo maleficamente.

— Inocente – A sua voz era um pouco mais doce do que eu havia esperado. Pela sua expressão e seu modo seguro imaginei que sua voz fosse mais... forte.

— Acho que só uma teve coragem de se declarar culpada até hoje – Olhou em minha direção com o mesmo sorriso de escarnio. Desviei o olhar temendo que alguém percebesse algo.

Percebesse o que exatamente?

Acabei pensando confusa ao voltar a minha atenção para o julgamento.

O juiz estava acabando com qualquer sanidade.

CONTINUA...

MAISON [ Concluído] Where stories live. Discover now