Paraíso?

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O cheiro de tabaco, álcool e detergente foram as primeiras coisas que senti assim que o juiz abriu a porta do apartamento para onde havia me levado após sairmos do reformatório. Ele nada disse ao me colocar em seu carro e dirigir silenciosamente. Nem por um segundo mostrou curiosidade em responder as minhas perguntas incisivas sobre o lugar para onde estaria me levando.

Em algum momento, fechei meus olhos deixando que a minha vida estivesse em suas mãos. Estava desistindo da vida ou confiando naquele juiz? Não saberia responder.

— Entre de uma vez – Sua impaciência foi perceptível com extrema facilidade ao passar por mim e avançar em direção a um sofá cinza que ficava em frente a televisão. O apartamento conseguia transmitir uma sensação de desconforto diante dos moveis escuros e sem vida. Suspirei ao entrar, olhando em volta. Ainda não sabia o que estava acontecendo, e por isso permaneci parada ao lado da parede. – Parece que sou perigoso quando a verdadeira criminosa está encostada na parede – Ele disse sentado no sofá ao me olhar. Sua mão foi em direção ao seu próprio queixo.

— Então, o que estou fazendo aqui? – Indaguei com medo da resposta.

— Será a sua nova prisão.

— Não conseguiu vaga em algum reformatório? Não deve ser tão difícil achar um buraco para enfiar uma garota problemática – Repeti as mesmas palavras que havia escutado certa vez de meu pai.

— O problema não é exatamente esse – Levantou-se do sofá seguindo em minha direção. Continuei parada, esperando. Esperando que ele fizesse algo quando parasse em minha frente, o que não ocorreu. O juiz manteve uma discreta distancia entre nós. – Gosto de punir os culpados, se quiser me chamar de Lucifer por isso, não irei me importar, entretanto assim como gosto de aplicar punição também sou favorável a beneficiar as vitimas. Por isso, ficará em uma prisão domiciliar aqui.

Pisquei ainda sem conseguir compreender o que ele realmente estava propondo.

— O que diabos está falando?

— Deveria melhorar o seu linguajar – Sorriu levemente mostrando suas covinhas – Sou um juiz e não um professor. Gosto de aplicar punições, e não lecionar, Senhorita rebelde. Permanecerá neste apartamento até o dia em que eu a mandar sair. É simples.

— E realmente acredita que eu iria me sujeitar a um papel ridículo desses?

— Sim, já que suas alternativas são inexistentes.

Engoli em seco diante de sua convicção. Ele estava realmente certo.

Estava em suas mãos e nada poderia fazer diante disso. Ele era o juiz e eu ninguém.

— Pretende me deixar presa neste apartamento, mas por qual motivo?

— Vai descobrir, se tiver paciência – Revelou com calma ao retirar um objeto do bolso – Precisa usar isso – Mostrou a tornozeleira eletrônica, e finalmente entendi. Ele desejava me usar para alguma coisa, provavelmente para acusar o guarda do reformatório. Essa era a única explicação em que conseguia pensar. A única plausível.

— Pretende me usar para acusar o guarda, certo? – Perguntei tentando encontrar alguma brecha em sua fria expressão, sem sucesso. O homem conseguia ser tão inexpressivo quanto uma rocha. – Acha que me importo? – Sorri largamente – Não sou uma dessas garotas bobas e inocentes que acreditam na bondade do mundo. Podemos usar alguém ou sermos usados, basta compreender o seu papel no momento e agir de acordo. Sou assim.

— Está dizendo que posso lhe usar como bem entender e que serve apenas para isso?

— Estou dizendo que no momento, sirvo apenas para ser usada. – Algo na minha fala o fez emitir um xingamento baixo antes de desviar o olhar. Parece que havia deixado incomodado.

Isso é bom.

— O que farei, enquanto fico aqui presa?

— Portanto que não interfira em minha vida. Não ligo.

— Sua vida? – Pisquei tentando entender até observar tudo com mais atenção. Em cima da pequena mesa de jantar próxima a porta da cozinha conseguia ver alguns livros de direito, na estante próxima a televisão um porta retratos e mais alguns livros. Estava em sua casa. – Que porra é essa? Você me trouxe para a sua casa.

— E dai?

— Tu deve ser um cara bem doente – Deixei escapar após entender o perigo. Ele havia me levado sem dizer a ninguém para onde me levou e agora estava sozinha com ele. – É um desses doentes que gosta de machucar as mulheres?

— Se eu fosse fazer isso por qual motivo a traria para a minha casa? – Sua arrogância não passou despercebida diante de seu desprezo. Seu tom possuía um tom de sarcasmo como se zombasse de minha conclusão e da minha capacidade em pensar. Ele achava que eu era burra. – Se eu fosse mata-la ou qualquer outra coisa a levaria para um lugar bem longe, garotinha. – Sorriu debochado – Tenho um quarto extra que uso como escritório. Deixei uma cama de armar para você. Se precisar de algo tente fazer sozinha, caso não consiga após tentar muito, me procure.

O juiz era definitivamente um cretino.

— E meu nome é Oliver Maison, pode me chamar de excelência ou qualquer outra coisa.

— Você é bem pretencioso – Falei ao revirar os olhos – Não estamos no tribunal, desta forma jamais irei lhe chamar de excelência.

— E como pretende me chamar?

— De velho.

O juiz pareceu sorrir como se começasse a se divertir como a minha birra infantil.

— Faça como quiser – Se afastou indo em direção a um corredor onde deveria ficar os quartos e somente então pude me aproximar da varanda e olhar com atenção para o apartamento dele. Sabia que juiz ganhava bem, contudo o apartamento dele conseguia ser simples apesar de estar em uma boa localização na cidade e ter varanda. A mobília não parecia ser barata.

—Por que diabos ele me trouxe? – Perguntei para o silencio ao sentir o meu estomago doer de fome. Eu queria comer alguma coisa e tentada, fui em direção a cozinha ficando surpresa com a organização e limpeza do lugar. Todos os utensílios pareciam de ultima geração. Sabia que nao deveria fazer isso, porém acabei começando a procurar por comida em todos os armários até encontrar um pacote de biscoito. Um biscoito que nunca tinha visto. – Não importa. Prefiro morrer comendo do que de fome – Abri o pacote e na primeira mordida percebi que poderia existir um paraíso. Aquele havia sido o melhor biscoito que havia provado na vida. – Isso é muito bom – Falei com a boca cheia.

— Que bom que gostou – O sarcasmo preencheu meus ouvidos ao me virar com relutância ainda segurando o pacote de biscoitos e com a boca cheia. O juiz estava com cabelos molhados, toalha em seu pescoço, tórax desnudo e vestia apenas um short azul folgado. – Parece um animal – Alfinetou. Continuou me olhando de forma incessante até ver que eu tinha desistido de comer o pouco que sobrara e que havia me levantado. – Se quiser continuar agindo como um animal selvagem, é de sua conta, ao menos tome um banho. Deixei umas roupas minhas no banheiro para você.

Banho. Essa palavra acarretou em uma extrema felicidade para mim.

Ignorei qualquer outra coisa que o juiz tinha falado ao ir em direção ao banheiro, abri as portas aleatoriamente até encontra-lo. O banheiro do juiz conseguia ser o cômodo mais bonito da casa com o piso branco, a pia em mármore preto, o box de vidro e a banheira com hidromassagem. Naquele momento soube onde ele tinha colocado o seu dinheiro. Tirei a minha roupa o mais rápido que consegui antes de ligar o chuveiro para sentir a agua cair em meu corpo. Aquela sensação poderia ser considerada como o paraíso após os biscoitos.

CONTINUA...

MAISON [ Concluído] Where stories live. Discover now