Salvação

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Satisfação?

Ansiedade?

Medo?

Não sabia exatamente o que sentir ao me aproximar da casa abandonada onde costumávamos ficar, ofegante. Sentia os meus cabelos grudados em meu rosto devido ao suor após correr por tantas quadras. Não me recordava de ter parado para respirar com medo de ser encontrada ou perseguida por algum policial ou ate mesmo pelo juiz. Parei antes de avançar em direção a entrada lateral, sorrindo assim que escutei vozes e sorrisos. Eles ainda estavam ali. Passei a mão pelos meus cabelos antes de entrar e encarar todos os rostos sorridentes.

Ninguém parecia sentir a minha falta, percebi tristemente ao sorrir assim que avistei Breno. Ele continuava o mesmo com o seu sorriso travesso e seu ar de bad boy.

— Breno – O chamei fazendo com que todos olhassem em minha direção. Alguns pareciam não acreditar que estava ali parada enquanto outros sorriam debochados.

O que estava acontecendo?

Foi a primeira coisa que perguntei a mim mesma assim que meus olhos focaram na jovem de cabelos castanhos. A jovem estava abraçada a Breno de uma forma que apenas eu ficava naquela casa.

Ele havia me trocado com extrema facilidade.

— Anna? – A voz de Breno pareceu realmente surpresa ao fixar seus olhos em mim enquanto sentia-me constrangida por ter corrido até ele. – É realmente você – Sorriu exagerado ao afastar a garota ao vir em minha direção. Eu deveria ficar feliz e aceitar a migalha que era oferecida, contudo não queria – Como conseguiu escapar deles? Os tiras são doente, nunca deixam nada escapar – Tentou me abraçar e eu me vi recuando. – o que foi? Estava com saudade.

A sua voz soou cínica e mentirosa como todas as outras vezes.

— Fui um bode expiatório?- Indaguei o que vinha em minha mente durante aquele tempo. Desde o momento em que ele havia me chamado para ir com eles, sabia que algo estava errado. Breno, nunca me levava para os roubos com os outros meninos. Sabia que tinha algo errado e como uma tola acreditei em suas palavras. – Desde o começo tinha pensado em mim como alguém descartável.

— E dai? – Ergui meus olhos para encarar sua expressão fria. Todos diziam o quanto Breno era calculista e gélido, entretanto sempre acreditei que eu era uma exceção ao seu comportamento. Uma exceção por ele me amar. – Todo mundo aqui é descartável, Anna – Falou calmo ao escutar a gargalhada dos demais – A única que se achava especial era você. Sempre foi uma garota boba que enxergava algum herói em mim – Sorriu ainda mais ao tocar em meu rosto. O toque de seu dedo em meu queixo, fez com que eu sentisse enjoo. – Pode ter a sua posição de volta. A de ser meu cachorro. – A sua crueldade era repugnante – Agora como conseguiu escapar da policia? Coloquei fogo no prédio e a deixei para atrás. Não tinha como você sair do reformatório com pouco tempo. O que houve?

— Eu fugi – Murmurei ao abaixar a cabeça.

— Uma garota como você fugiu? A segurança deveria ser pior do que péssima. Não consegue correr sem ficar ofegante e muito menos desviar de obstáculos. Nunca soube roubar e muito menos seduzir os homens. Sempre foi uma desgraça para o grupo. Se quiser voltar a ser meu cachorro, a tratarei muito bem, assim como antes.

— Até ser descartada novamente.

— É claro – Assegurou ao passar a mão pelos meus cabelos.

Algumas pessoas nascem para ser tratadas como lixo. Algo descartável que é usado e jogado fora constantemente e eu era uma dessas pessoas.

Eu era como uma nota adesiva. As pessoas me usavam e descartavam em seguida. Esse era o meu valor.

— Se não for o meu cachorro, o que será? – Breno voltou a perguntar ao aproximar o seu rosto do meu ouvido. – Seja obediente e venha para o meu lado.

Quando ele se tornou tão desumano?

Acho que ele sempre foi.

— Deveria se afastar dela – Não precisei me virar para saber de quem era o dono da voz alta e grossa atrás de mim. Mantive a minha cabeça baixa confusa com tudo segurando a malha do moletom. O que ele fazia ali? Fui a única a fugir dele. Por qual o motivo o juiz estava ali? – Eu odeio correr, sabia? E fui obrigado pela senhorita rebelde a correr por vários quarteirões – Mesmo que sua voz soasse agressiva, por algum motivo sabia que ele nao estava irritado. – Agora pode olhar para mim? – Virei-me e o encarei. Seu rosto estava molhado de suor e ele não parecia realmente feliz. – Parece que meu plano acabou acontecendo mais cedo do que esperava – Falou ao dar passagem para três policiais e entre eles estava Ian, o mesmo do hospital. Eles avançaram em direção a Breno e aos outros meninos sem hesitar, algemando-os um por um. Permaneci parada esperando a minha vez até sentir a mão do juiz em meu pulso.

— O que está fazendo? Eu devo ir com eles – Acabei falando enquanto o encarava. Algo no juiz era estranhamente incomodo e sincero.

— Está sendo irracional ou simplesmente burra? – Perguntou parecendo confuso diante da minha expressão – No moletom tem uma escuta – Esclareceu – Sabia que não havia sido a única culpada pelo incêndio e por isso fui procura-la no reformatório. Estava esperando que entregasse alguma pista, mas quando não o fez precisei improvisar. Ia tirá-la do reformatório com algum desculpa e foi então que a vi daquela forma. A salvei duas vezes, deveria ser grata.

— O que quer em troca?- Indaguei friamente ainda sentindo sua mão quente segurar o meu pulso com delicadeza, como se apenas não quisesse que eu me afastasse. – Ninguém faz nada em troca. – Havia acabado de ter certeza após as palavras de Breno, a pessoa que confiava cegamente.

— Quero que viva a sua vida bem – Suas palavras fizeram com que eu erguesse a cabeça para encará-lo apropriadamente. – Quero que tenha orgulho de ser quem é e que continue vivendo. É isso que quero em troca.

Palavras gentis saindo dos lábios de um ser demoníaco.

Suspirei ao fechar os olhos para evitar que as lagrimas caíssem pelo meu rosto. Durante longos não escutava palavras tão acolhedoras de alguém como ele. Alguém que não desejava nada em troca.

Senti meu corpo sendo puxado em direção ao seu, sua mão acariciando meu cabelo, enquanto a outra se mantinha no meio de minhas costas. Eu estava sendo consolada quase paternalmente.

Ele nada falou ao escutar meu choro e não se importou com os policiais que olhavam para a cena com curiosidade. O demoníaco juiz tinha acabado de me salvar. 

CONTINUA...

MAISON [ Concluído] Onde as histórias ganham vida. Descobre agora