Destino ou Sorte

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Um ano e alguns meses. Esse foi o tempo necessário para que eu me transformasse em outra pessoa. Meus cabelos não mais possuíam mechas rosas, meus olhos agora demonstravam a alegria e minha auto estima havia retornado. Permanecer no alojamento somente de mulheres ajudou para que eu percebesse que meu relacionamento com Breno era toxico e doente. Nada de bom tinha do meu relacionamento com ele.

— Anna, vamos comer – Sorri para Julia, uma das jovens que me ajudou quando cheguei no alojamento – Não quero perder o chocolate – Resmungou como sempre nas sextas-feiras, o dia em que serviam chocolate como sobremesa no refeitório. Descobri que o alojamento era patrocinado pelo juiz Maison, semanas após chegar e que todas as meninas trabalhavam como ajudante na policia, tribunal ou gabinete dos juízes sempre que fazia um ano. Logo, eu seria enviada para trabalhar em um daqueles locais. – Deve estar ansiosa, não é? Comecei meu trabalho como assistente administrativa na 20ª delegacia. Acredita que um policial ficou dando em cima de mim? Os homens são repugnantes – Não estranhei o seu discurso, pois ela havia sido abusada pelo seu namorado ao se negar entregar drogas para alguns garotos. Ele havia a punido por ela ter escolhido fazer a coisa certa.

— Realmente – Concordei. Não havia namorado ou saído com ninguém no ano em que estive naquele alojamento. Passava a maior parte do meu tempo nas palestras, terapias, reuniões em grupo e em qualquer outra atividade que pudesse me ajudar a melhorar. – Ah, soube que a diretora quer falar comigo.

— Provavelmente irá falar sobre o seu trabalho – Bocejou ao coçar o cabelo e olhar para o refeitório cheio – Prefere falar com ela agora ou depois?

Eu estava curiosa demais para esperar. Pedi a Julia para guardar o meu prato e segui para a sala da diretora. Todo o primeiro andar era reservado para a administração e lazer, enquanto no segundo andar estavam os quartos. O alojamento era simples, mas ainda assim aconchegante, e aos olhares de qualquer pessoa parecia uma casa normal. Uma casa repleta de amor familiar. Mas, como o juiz demoníaco tinha conseguido fazer isso? Eu não fazia ideia.

— Diretora – A chamei ao bater na porta escutando segundos depois para entrar. Abri a porta com um sorriso na face ao ver a senhora de olhos gentis e cabelos grisalhos sentada atrás da mesa – Soube que queria me ver.

— Sim, sente-se – Apontou para a cadeira em frente a mesa – Deveria ter lhe chamado meses atrás, mas sempre acontecia alguma coisa – Se lamentou ao passar a mão pela sua testa – Temos uma vaga para você.

—Um trabalho finalmente – Sorri.

— Sim, será auxiliar de um gabinete de um juiz. Ajudara com tudo que ele precisar, não se preocupe. Será um trabalho fácil.

—Quando começo?

— Amanhã – Sorriu ao me estender um envelope com endereço e algum dinheiro – Todas as garotas recebem o mesmo valor para o inicio para estimular a quererem mais. – Sorriu largamente – Isso a ajudará até receber o seu salario. – Assentiu ao segurar o envelope com força. Aquela era a minha chance de mudar e seguir em frente.

***
Ainda não conseguia acreditar ao subir as escadas em direção a entrada ao tribunal. Segurava em minha mão o papel que indicava a sala para onde eu deveria me encaminhar, com força. Por mais que eu sorrisse, sabia que a felicidade conseguia ser maior do que aquilo. Durante um ano, tentei ser útil para todos a minha volta como uma forma de agradecimento para o homem que havia me ajudado, o estranho juiz demoníaco.

Me peguei sorrindo ao avançar pelo corredor silencioso naquela hora do dia. Jamais esqueceria o juiz que fez de tudo para mostrar o quanto o mundo poderia ser belo, apesar da escuridão. O juiz demoníaco havia me ensinado mais em alguns dias, do que a minha própria família em anos. Como eu poderia chamar isso?

Destino?

Sorte?

Eu realmente nao me importava com a nomenclatura.

Talvez eu sentisse falta dele, e por isso pensasse tanto no passado.

— É aqui – Murmurei para mim mesma ao parar em uma porta com o número 302. Respirei fundo antes de bater e escutar a permissão para entrar. Minhas mãos tremeram ao girar a maçaneta e no instante em que abri a porta, senti que estava alucinando. O homem sentado atrás da mesa era o mesmo de um ano atrás. Seus olhos ainda me encaravam com a mesma frieza e seriedade. Seus lábios se curvaram como se sorrisse, talvez de ironia pela situação. Mantive meus olhos fixos em seus braços, os quais estavam em cima da mesa.

Ele estava mais forte?

Meneei a cabeça afim de concentrar-me na cena a minha frente.

— Anna Johnson, é sempre um prazer revê-la – Sua voz repleta de sarcasmo ainda era a mesma de antes. O cheiro de sua sala era idêntico ao que eu tinha sentido em sua casa. – Surpresa? – Assenti tentada a negar para ver a sua reação. – Feche a porta e sente nessa cadeira – Apontou para a cadeira em frente a sua mesa. Minhas pernas se moveram automaticamente, pois meus olhos ainda estavam cravados em sua face. Era estranho encarar o juiz tão insistentemente?

— Isso é algum erro? – Perguntei ao sentir o tecido da cadeira com meu dedo. Acariciei o estofado tentando me concentrar. O que havia de errado comigo? – Eu deveria estar na sala do meu empregador.

— Está no lugar certo – Sorriu mais uma vez.

— Por qual motivo estou aqui? Fez tudo isso de proposito? – Perguntei temendo pela resposta. Em alguma parte de mim, desejava que a sua resposta fosse afirmativa.

— Talvez tenha sido uma coincidência.

— Talvez – Repeti a palavra ao encará-lo. O juiz demoníaco nada demonstrava ao apoiar o seu queixo em sua mão. – E então? O que devo fazer?

— O que quer fazer? – Pisquei confusa com a sua pergunta. Um empregador não deveria falar ao empregado o que fazer?

— Você deveria me falar.

— Vejo que ainda não me chama de excelentíssimo ou juiz, ou Maison – Sorriu como se estivesse relembrando os velhos tempos. Assim como eu. – O que acha de começar contando o que aprendeu com tudo?

—O que você realmente deseja? – Minha pergunta soou alta e grosseira. Não tinha como esconder esse fato.

— Mostrar que a vida é muito mais do que aquilo tudo que já viveu – Falou sorridente ao se encostar na poltrona, sempre mantendo o seu olhar fixo em mim – A partir de amanhã deve se vestir com mais sobriedade. Irei enviar algumas roupas para você.

— Há muitas pessoas qualificadas para trabalhar com você – Falei sem perceber. Colocar a mim mesma em uma baixa posição, era um dos meus pecados e eu deveria aprender a contorna-lo. – Quero dizer, ainda não entendi o motivo de eu estar aqui.

— Eu a quero aqui.

Se a minha vida fosse um filme, seria nesse momento que eu me apaixonaria por ele, contudo sabia que não seria possível.

— Pretende me usar novamente?

— Não a usei. A salvei, foi diferente. Sabia que mentia e não achei justo que apenas uma pessoa pagasse pelos erros. Você acharia justo?

Permanecia em silencio. O incomodo começava a crescer dentro de mim. O juiz demoníaco sempre tinha esse efeito em mim.

— Por quanto tempo trabalharei aqui? – Acabei perguntando como se estivesse me dando por vencida, quando não estava.

— Talvez um mês ou um ano – Deu de ombros despretensiosamente – Vamos ver como será o seu trabalho, Anna.

O meu nome saindo de seus lábios conseguia ser melódico.

Eu estava perdida.

Percebi ao dar as costas ao juiz, contudo respirei fundo antes de abrir a porta e falar as palavras que tanto desejei durante aquele ano.

— Obrigada por ter me salvado – Falei antes de sair da sala. 

CONTINUA...

MAISON [ Concluído] Onde as histórias ganham vida. Descobre agora