4.0 - Aniversário

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   Por mais que eu quisesse ficar dormindo durante o dia inteiro, enrolada na coberta, vagando pelos meus sonhos, não poderia. É um dia importante e eu preciso estar presente mesmo sem forças para ficar em pé por alguns minutos.

O aniversário de Skye.

É estranho dizer que é importante, principalmente por ela não estar aqui, mas fazia tempos que não via os seus pais.

  Ambos mudaram-se depois do ocorrido. Não mantiveram contato comigo e muito menos com os meus pais que eles sabiam que Skye os adorava. Uns dois anos sem notícia alguma dos senhores Souza. Talvez, no aniversário eles estivessem no cemitério levando flores ao túmulo.

   Isso ocorreu no último ano, porém eu me escondi atrás de um pequeno arbusto. Não sei como reagiriam ao me ver, saudável e bem enquanto sua está morta.

— Mariana! — meu pai grita meu nome do andar de baixo. — Vou sair.

   Esfrego os olhos e ando em direção ao banheiro com cuidado para não esbarrar em algo. O sono ainda dominava meu corpo, o desejo de voltar para a cama pulsou em meu coração.

Água fria.

  Isso com certeza resolveria o problema. Fiz uma concha com a minha mão e deixei a água da pia cair sobre ela. Pisquei algumas vezes antes de jogá-la em meu rosto, acordando totalmente para um novo dia.

 Pisquei algumas vezes antes de jogá-la em meu rosto, acordando totalmente para um novo dia

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Jonathan:
Ei, vai dar tudo certo.

   É a última mensagem que recebo antes de chegar ao cemitério onde Skye encontrava-se enterrada. Tentei duas vezes conversar com os meus pais, mas as duas tentativas foram em vão pois é difícil mudar a opinião de alguém.

   Desço do carro e observo o letreiro prata, já enferrujado pelo tempo. "Cemitério rosa branca", lembro-me da primeira vez que li esse nome. A primeira vez que tive coragem suficiente para andar até o túmulo de Skye e observar claramente a data de sua morte. Não recordo quanto tempo fiquei ajoelhada chorando, mas ver aquilo quebrou o meu coração em milhares de pedaços.

O dia em que eu também deveria ter morrido.

  Penso com cuidado naquela noite. Pra onde eu teria ido se tivesse morrido junto com Skye? Por que Deus havia me escolhido? O que Ele verdadeiramente queria de mim?

— Me ajude a entender. — sussurro enquanto atravesso o portão.

— Desculpe moça, mas o quê?

   Meu coração salta com o susto que o homem, um segurança, dá ao escutar meu sussurro sozinha. Sua testa franzida deixa claro que ele não estava entendendo.

— Ah, desculpa. Estava falando comigo mesma. — sorri. — Boa tarde!

   Ando apressadamente para o arbusto onde podia-se ver a lápide de Skye. Como previsto, seus pais estavam ali, com velas e flores. Por um momento, achei desnecessário, mas repreendi o pensamento e os respeitei.

  Respiro fundo e tomo a coragem que eu precisava para mover as pernas na direção para onde meu olhar estava fixado. Tento o máximo não deixar que minhas sapatilhas façam algum barulho.

   Minha voz some quando tento chamá-los. Novamente o pânico entra em mim como da última vez e a vontade de correr quase ganha se dona Aurelina não tivesse virado a tempo. Seus olhos encontraram os meus e quase saltam para fora da órbita. O rosto inchado e a boca trémula denunciava que os últimos minutos ela passara chorando.

— Mariana?

    Senhor Patrick virou instantaneamente quando meu nome foi pronunciado em forma de sussurro. Aurelina lembrava tanto Skye que por um momento, pensei que fosse ela um pouco mais velha.

— Oh, Mariana! — Ele exclamou surpreso. Um pequeno sorriso surgiu em seu rosto, mas logo desapareceu ao lembrar, provavelmente, que aquele lugar era insano para sorrisos.

— Minha menina, que saudades.

   Ok, talvez eu não estivesse esperando essa reação. As únicas coisas que consegui pensar antes de andar até aqui era as formas mais brutas que eles reagiriam. Mas alo estava senhora Aurelina, com a voz doce e suave como se eu fosse sua filha.

— Nunca mais tive notícias dos senhores. — Digo apertando seu corpo contra o meu em um abraço caloroso. — Como estão?

— Superando...aos poucos.

  Queria acreditar, nem que fosse um pouco, em suas palavras. Mas no fundo, eu sei que não é verdade, sei que eles não estão superando. Perder um filho era algo difícil e doloroso demais. E eu sei que eles não superaram pela forma como estão tratando a data do nascimento dela.

— Você mudou bastante desde da última vez que nos vimos. — Senhor Patrick diz segurando a mão da esposa firmemente.

— Como estão seus pais?

— Bem, estão bem. — digo enquanto meus olhos percorrem aquela lápide bem conhecida por mim.

— Sabe, quando quiser ir na nossa casa...as portas estarão abertas.

— Ah, claro. — Sorrio, grata pelo convite.

   O assunto encerrou ali. Ficamos minutos encarando o nome de Skye com letras douradas sendo iluminada pelas velas. As flores vermelhas estavam em um canto. O clima estava leve, mas o silêncio de algum modo me incomodou.

  Eles não superaram.

  Pelo olhar, eu conseguia ver isso.

  

Entorpecida - Vol 1Where stories live. Discover now