1.1 - Um menino

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— Vocês estão preparando algo para o show de talentos? — A voz da professora Olga chama a atenção dos alunos enquanto a mesma apaga o quadro branco.
— Sabem que é um show beneficente? A faculdade decidiu fazer para arrecadar dinheiro pra um orfanato aqui perto.

   Eu não sabia desde então. Já havia informado Caroline e Urias que não iria cantar com eles no show, que era beneficente e desconhecido por mim.

— Somos obrigados? — Rebeca, uma garota que se sentava na primeira cadeira perguntou.

— Não, mas isso será ótimo pra ver a bondade de cada um.

  Bato a caneta em cima do caderno e suspiro. Eu não iria participar, na verdade eu tinha tempo para pensar sobre o show.
Olga nos liberou assim que seu horário acabou. Demorei a guardar o material na bolsa pois queria que ela me desse o endereço do orfanato.

— Professora, poderia me dar o endereço do orfanato? — pergunto me aproximando de sua mesa e colocando a mochila do lado do meu corpo.

— Claro, vai fazer algo na apresentação de talentos?

— Ah, eu não sei. — respondo sem graça.

— Pensa com carinho.

   Ela me entrega um papel rasgado e dá seu melhor sorriso antes de sair da sala com seus materiais nas mãos.

   Sinto meu celular vibrar no bolso da calça e o pego. O corredor estava alvoroçado até o estacionamento onde alguns alunos pegavam seus carros.

*****:
Oi Mari, é a Julie. Tudo bem?

  Resolvo salvar seu número antes de lhe responder. Coloco seu nome normal. Na sua foto de perfil estava ela e o pessoal da igreja, e eu me forcei a não ficar observando Jonathan.

Mariana:
Oi Julie, tudo sim e você?

Entro no carro e jogo a bolsa e o celular no banco do carona.

»»»»

  O orfanato não era tão distante da escola. Sua aparência era bem precária. A pintura desgastada e o portão em péssimas condições. O piso do chão manchado e algumas janelas quebradas, aquilo parecia uma verdadeira casa fantasma. Talvez eu pudesse doar algo, provavelmente papai concordaria com a ideia em ajudar aquele orfanato.
   Talvez eu também os convencesse de adotar alguma criança. Tínhamos condições pra isso, e sei que muitos pais queriam ter condições para adotar uma criança que só quer amor e uma família para amar.

Meu olhar captou os funcionários que vestiam blusas, da cor do céu, com o nome do orfanato acompanhado com uma calça branca. Todos andavam conversando ou apressadamente pra lá e pra cá.

— Boa tarde, o que deseja? — uma mulher com um coque e um sorriso impecável no rosto me pergunta dando-me um pequeno susto.

— Eu...queria ver as crianças.

Não sabia como funcionava um orfanato e nem como era as crianças que nele estavam. Antes de sair do carro, pesquisei em minha internet lenta o que devia e o que não devia fazer em um orfanato. E uma delas era nunca prometer levar uma criança pra casa e nem perguntar sobre seu passado.

— Qual seu nome?

— Mariana Evan. — digo observando o modo como ela escrevia em uma ficha. Pediu algumas informações antes de sorrir e levantar-se.

— Venha, vou te mostrar as crianças de quatro a seis anos primeiro pois eles estão no jardim brincando.

A sigo por um enorme corredor onde se podia ouvir várias pessoas e crianças conversando pois ecoava por ali. Saímos por um grande porta e pude contemplar o lindo jardim, acho que era o único lugar belo ali.

— Ei, Jonas quieto ai garotinho. — uma mulher ao meu lado grita e eu me assusto. Um menino passa correndo por mim e dá voltas tentando fugir da cuidadora.

— Me desculpe gritar assim, Jonas é um pouquinho inquieto.

  Rio com seu comentário e vejo outras crianças brincando umas com as outras. Algumas se encontravam isoladas como um lindo garotinho embaixo de uma pequena árvore onde a sombra bastava para ler um bom livro. Sua cabeça estava abaixada e parecia que algo no chão estava a lhe distrair.

— Venha, vamos ver...

— Não! — falo rapidamente. — irei ficar aqui por um tempo.

Ela assente e me informa que posso ficar somente vinte minutos com as crianças, para evitar apego ou qualquer situação que venha interferir a paz de ambas ali.
Caminho em direção ao garoto sentado debaixo da árvore e sento ao seu lado assim que chego nele. O mesmo me olha espantado e se afasta um pouco. Seu cabelo era cacheado e sua pele bronzeada, seus olhos eram castanhos e brilho era o que não tinha neles, parecia os meus olhos ali. Em sua boca não se encontrava um sorriso e embaixo de seus olhos estavam bolsas provavelmente por noites mal dormidas.

— Ei calma, não irei fazer nada.

Ele apenas continua me encarando. Não parecia ter seis anos, nem um pouco.

— Quantos anos você tem? — pergunto inclicando minha cabeça para ver seu rosto que ele havia abaixado. Ele permanece em silêncio e eu engulo em seco. — Não quero ser intrometida, quero saber...porque não parece que você tem seis anos.

Rio para amenizar o clima tedioso que estava ali conosco. Ele balança a cabeça negativamente e eu tento compreender sua linguagem silenciosa.

— E ai garotão? Arrumou uma namorada?

Coloco o cabelo atrás da orelha para enxergar o indivíduo um pouco escandaloso na minha frente. A ventania estava forte, tornando impossível controlar meus fios para longe do meu rosto.
Ele estava com a roupa do orfanato. A roupa que os funcionários usavam. Aquilo estava começando a virar uma novela mexicana. Como em um livro, meu coração deu um salto ao ver ele e ver seu sorriso meio brincalhão no rosto, que logo se desfez ao ver que era eu quem me encontrava sentada com o garoto. Pisco duas vezes para assimilar.

— Você aqui? — pergunto me levantando do chão. O garoto nos olha intrigado.

— Eu trabalho aqui. — diz retribuindo o olhar que eu lhe dava. Desvio para o menino e depois para as outras crianças. — O que faz aqui?

Rio ironicamente.

— Vim visitar umas crianças.

Olho para o garoto que agora me encarava com o semblante confuso e eu apenas o encarava de volta.

— Pode vir aqui um segundo? — Jonathan me pergunta inclinado sua cabeça para onde deveríamos ir. O olho receosa e ele insisti. Apenas assinto e vamos para um canto longe daquele menino. - Tentou falar com ele?

— Sim, ele não respondeu minhas perguntas e...

— Ele é mudo, pode apenas ouvir.

   Abro a boca para dizer algo, mas o algo se perde na minha garganta. Ele era mudo, por isso apenas negou sem transmitir um som.

— Eu...não sabia. — digo tão baixo que me pergunto se ele ouviu.

— Ele não liga muito, apenas quando não pode responder.

   Me calo. Eu apenas encaro a grama do jardim. Algumas crianças pulavam e brincavam, outras estavam brigando e umas como aquele garoto, estavam isoladas. Podia me sentir um nada ali, eu fui tão burra.

Viro-me para ir ver outras crianças. Acho que não estava pronta para encará-lo novamente, tudo volta à minha mente em fração de segundos.

— Mariana! — Jonathan segura minha mão e eu prendo a respiração por dois segundos. Viro minha cabeça lentamente para não demonstrar o meu nervosismo. — Por favor, Deus não tem culpa do que eu fiz. Não deixa de buscá-lo por causa de mim.

Entorpecida - Vol 1Hikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin