— Vocês estão preparando algo para o show de talentos? — A voz da professora Olga chama a atenção dos alunos enquanto a mesma apaga o quadro branco.
— Sabem que é um show beneficente? A faculdade decidiu fazer para arrecadar dinheiro pra um orfanato aqui perto.Eu não sabia desde então. Já havia informado Caroline e Urias que não iria cantar com eles no show, que era beneficente e desconhecido por mim.
— Somos obrigados? — Rebeca, uma garota que se sentava na primeira cadeira perguntou.
— Não, mas isso será ótimo pra ver a bondade de cada um.
Bato a caneta em cima do caderno e suspiro. Eu não iria participar, na verdade eu tinha tempo para pensar sobre o show.
Olga nos liberou assim que seu horário acabou. Demorei a guardar o material na bolsa pois queria que ela me desse o endereço do orfanato.— Professora, poderia me dar o endereço do orfanato? — pergunto me aproximando de sua mesa e colocando a mochila do lado do meu corpo.
— Claro, vai fazer algo na apresentação de talentos?
— Ah, eu não sei. — respondo sem graça.
— Pensa com carinho.
Ela me entrega um papel rasgado e dá seu melhor sorriso antes de sair da sala com seus materiais nas mãos.
Sinto meu celular vibrar no bolso da calça e o pego. O corredor estava alvoroçado até o estacionamento onde alguns alunos pegavam seus carros.
*****:
Oi Mari, é a Julie. Tudo bem?Resolvo salvar seu número antes de lhe responder. Coloco seu nome normal. Na sua foto de perfil estava ela e o pessoal da igreja, e eu me forcei a não ficar observando Jonathan.
Mariana:
Oi Julie, tudo sim e você?Entro no carro e jogo a bolsa e o celular no banco do carona.
»»»»
O orfanato não era tão distante da escola. Sua aparência era bem precária. A pintura desgastada e o portão em péssimas condições. O piso do chão manchado e algumas janelas quebradas, aquilo parecia uma verdadeira casa fantasma. Talvez eu pudesse doar algo, provavelmente papai concordaria com a ideia em ajudar aquele orfanato.
Talvez eu também os convencesse de adotar alguma criança. Tínhamos condições pra isso, e sei que muitos pais queriam ter condições para adotar uma criança que só quer amor e uma família para amar.Meu olhar captou os funcionários que vestiam blusas, da cor do céu, com o nome do orfanato acompanhado com uma calça branca. Todos andavam conversando ou apressadamente pra lá e pra cá.
— Boa tarde, o que deseja? — uma mulher com um coque e um sorriso impecável no rosto me pergunta dando-me um pequeno susto.
— Eu...queria ver as crianças.
Não sabia como funcionava um orfanato e nem como era as crianças que nele estavam. Antes de sair do carro, pesquisei em minha internet lenta o que devia e o que não devia fazer em um orfanato. E uma delas era nunca prometer levar uma criança pra casa e nem perguntar sobre seu passado.
— Qual seu nome?
— Mariana Evan. — digo observando o modo como ela escrevia em uma ficha. Pediu algumas informações antes de sorrir e levantar-se.
— Venha, vou te mostrar as crianças de quatro a seis anos primeiro pois eles estão no jardim brincando.
A sigo por um enorme corredor onde se podia ouvir várias pessoas e crianças conversando pois ecoava por ali. Saímos por um grande porta e pude contemplar o lindo jardim, acho que era o único lugar belo ali.
— Ei, Jonas quieto ai garotinho. — uma mulher ao meu lado grita e eu me assusto. Um menino passa correndo por mim e dá voltas tentando fugir da cuidadora.
— Me desculpe gritar assim, Jonas é um pouquinho inquieto.
Rio com seu comentário e vejo outras crianças brincando umas com as outras. Algumas se encontravam isoladas como um lindo garotinho embaixo de uma pequena árvore onde a sombra bastava para ler um bom livro. Sua cabeça estava abaixada e parecia que algo no chão estava a lhe distrair.
— Venha, vamos ver...
— Não! — falo rapidamente. — irei ficar aqui por um tempo.
Ela assente e me informa que posso ficar somente vinte minutos com as crianças, para evitar apego ou qualquer situação que venha interferir a paz de ambas ali.
Caminho em direção ao garoto sentado debaixo da árvore e sento ao seu lado assim que chego nele. O mesmo me olha espantado e se afasta um pouco. Seu cabelo era cacheado e sua pele bronzeada, seus olhos eram castanhos e brilho era o que não tinha neles, parecia os meus olhos ali. Em sua boca não se encontrava um sorriso e embaixo de seus olhos estavam bolsas provavelmente por noites mal dormidas.— Ei calma, não irei fazer nada.
Ele apenas continua me encarando. Não parecia ter seis anos, nem um pouco.
— Quantos anos você tem? — pergunto inclicando minha cabeça para ver seu rosto que ele havia abaixado. Ele permanece em silêncio e eu engulo em seco. — Não quero ser intrometida, quero saber...porque não parece que você tem seis anos.
Rio para amenizar o clima tedioso que estava ali conosco. Ele balança a cabeça negativamente e eu tento compreender sua linguagem silenciosa.
— E ai garotão? Arrumou uma namorada?
Coloco o cabelo atrás da orelha para enxergar o indivíduo um pouco escandaloso na minha frente. A ventania estava forte, tornando impossível controlar meus fios para longe do meu rosto.
Ele estava com a roupa do orfanato. A roupa que os funcionários usavam. Aquilo estava começando a virar uma novela mexicana. Como em um livro, meu coração deu um salto ao ver ele e ver seu sorriso meio brincalhão no rosto, que logo se desfez ao ver que era eu quem me encontrava sentada com o garoto. Pisco duas vezes para assimilar.— Você aqui? — pergunto me levantando do chão. O garoto nos olha intrigado.
— Eu trabalho aqui. — diz retribuindo o olhar que eu lhe dava. Desvio para o menino e depois para as outras crianças. — O que faz aqui?
Rio ironicamente.
— Vim visitar umas crianças.
Olho para o garoto que agora me encarava com o semblante confuso e eu apenas o encarava de volta.
— Pode vir aqui um segundo? — Jonathan me pergunta inclinado sua cabeça para onde deveríamos ir. O olho receosa e ele insisti. Apenas assinto e vamos para um canto longe daquele menino. - Tentou falar com ele?
— Sim, ele não respondeu minhas perguntas e...
— Ele é mudo, pode apenas ouvir.
Abro a boca para dizer algo, mas o algo se perde na minha garganta. Ele era mudo, por isso apenas negou sem transmitir um som.
— Eu...não sabia. — digo tão baixo que me pergunto se ele ouviu.
— Ele não liga muito, apenas quando não pode responder.
Me calo. Eu apenas encaro a grama do jardim. Algumas crianças pulavam e brincavam, outras estavam brigando e umas como aquele garoto, estavam isoladas. Podia me sentir um nada ali, eu fui tão burra.
Viro-me para ir ver outras crianças. Acho que não estava pronta para encará-lo novamente, tudo volta à minha mente em fração de segundos.
— Mariana! — Jonathan segura minha mão e eu prendo a respiração por dois segundos. Viro minha cabeça lentamente para não demonstrar o meu nervosismo. — Por favor, Deus não tem culpa do que eu fiz. Não deixa de buscá-lo por causa de mim.
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Entorpecida - Vol 1
SpiritüelA vida é como uma equação. Para alguns é fácil e compreensível. Para outros difícil e, às vezes, impossível. Viver: simples, difícil e doloroso. Mariana não sabe como seguir em frente. E mesmo dizendo para os outros que está, com sua vida monóton...