Capítulo 12

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[Esse capítulo é o meu favorito ate agora, é um pouco pessoal e eu espero realmente que gostem, ate logo, bjss]

Ana.

Acordei na manhã de domingo com o sol entrando por um pequeno feixe entre as cortinas, e iluminando um pouco do lençol e meu rosto. O primeiro pensamento do dia? Aqueles olhos castanho-esverdeados. Enquanto nos olhávamos durante a madrugada, eu pude ver seus pequenos detalhes, e os apelidei mentalmente de olhos-cor-de-marte.

Minha camisa do dia anterior estava nos pés da cama, peguei e suspirei por alguns segundos de olhos fechados, ela havia servido de lençol para o pequeno colchão que havia no terraço, o meu cheiro estava misturado com o de Vitória, e só de pensar nisso, senti meu corpo reagir instintivamente. Era quase que impossível controlar meus pensamentos quando se tratava dela.

Apesar de ter passado a madrugada maravilhosamente bem, eu senti uma angustia durante toda a manhã, quase como um pressentimento ruim. Já era noite  e eu não havia falado com Vitória durante o dia, não que isso fosse necessário, mas era no mínimo estranho. Recebi uma mensagem dela enquanto preparava algo para comer: "Precisamos nos ver; emergência, ás 21h terraço!".

Senti minha garganta secar, minha angustia só aumentava a cada segundo que passava, olhei no relógio "20h45", tomei um banho rápido e me vesti as pressas. Quando cheguei no lugar, avistei seu carro no fim da rua, as portas do prédio estavam destrancadas, me apressei com medo do que estava por vir, ao chegar no terraço, pude ver Vitória concentrada observando o céu pelo telescópio.

- Cheguei. - Disse fazendo-a virar seu corpo em minha direção, seus olhos estavam com um tom triste, meu coração apertou ainda mais. – O que houve?

– Senta. – Ela disse apontando para o colchonete no chão.

– Você tá me assustando Vitória.

– Tem algumas coisas sobre o processo que você precisa saber. As famílias, aparentemente, foram silenciadas, algumas entraram em contato e desistiram da denúncia, e a mãe que iria prestar depoimento ao nosso favor, fugiu da cidade.

– Ele as ameaçou! O que vai acontecer com a minha família? Vitória, você me garantiu que eles estariam seguros!

– Calma, não foi ameaça, infelizmente eles foram subornados, o inquérito civil contra o Dr.Carlos já estava aberto, o sistema de proteção a testemunha já estava em andamento, só quem pode parar a investigação são as próprias testemunhas, retirando a denúncia, e foi justamente o que aconteceu.

– Então quer dizer que não temos mais nada.

– Eu sinto muito, mas não da pra desistir, é a sua carreira e a vida de centenas de pessoas que estão em risco.

As palavras de Vitória ecoavam na minha mente, mas eu não prestava atenção, andei ate o telescópio, e observei o céu por alguns instantes.

– Ana, eu sei que parece ruim, mas presta atenção, ainda podemos por esse homem na cadeia.

Sua voz soava preocupada e cuidadosa.

– Me fala sobre o céu. - Pedi interrompendo sua fala.

– Que?

– Me fala sobre o céu. – Disse voltando para colchonete, e me deitando logo em seguida.

Vitória.

– A nossa galáxia é uma das menores em relação ao universo. - Comecei olhando para o céu, estávamos deitadas olhando para as estrelas, como o terraço não tinha iluminação, as luzes da lua e das constelações observáveis iluminavam o local. – Dentro dela, existem cerca de 200 a 400 bilhões de estrelas, nós não vemos nem um quarto delas.

– E em relação a todas elas, não somos nada. - Ela me disse e a olhei de canto, seus olhos continuavam vidrados no céu, eles estavam mais negros naquela noite, e um brilho pequeno e intenso brotava deles a medida que sua fala se alastrava. – Imagina: daqui, nós a enxergamos tão próximas, mas estão a distancias absurdas uma das outras, se estender essa distancia em relação ao universo, nos tornamos poeiras cósmicas.

– Por isso que eu acredito na teoria dos multiversos, o nosso pequeno universo observável esta em constante expansão, milhares de galáxias existem, e a possibilidade de universos paralelos ao nosso é gigante. Me sinto minúscula em relação a tudo isso, eu vejo as pessoas correndo de um lado pro outro, dentro do escritório, na rua, no trânsito, e ate dentro de suas casas, ninguém para pra pensar no por que de tudo isso. Todo mundo se preocupa em ter, comprar, vencer, e tudo isso pra que? Nos tornamos escravos de tudo isso, nossa felicidade é constantemente condicionada a pessoas, coisas, o cargo que você ocupa, o carro que dirige, o diploma que ostenta, e no final das contas, nada disso vale nada. – Falei.

– Brigar, matar, roubar, fazem tudo em nome de que? Status? Reconhecimento? Patrimônio? Não faz sentido, estamos perdendo tempo correndo atrás de objetivos supérfluos, enquanto desvalorizamos nossas conexões com as pessoas, que no fim, é só o que podemos levar. - Ela disse completando minha fala.

Virei meu corpo para o lado, queria gravar cada milímetro do seu rosto, sua expressão mudou ao olhar para meus olhos, e nos perdemos. Naquele momento eu senti meu coração disparar, em meio a todo caos em que tudo se encontrava, ali, deitada ao seu lado, com o som de sirenes e buzinas nos servindo de música, me senti em paz.

Acariciei seus cabelos lhe fazendo um cafuné tímido, Ana ainda me olhava como se estivesse a ler minha alma.

– Marte.

Ela sussurrou em um tom inaudível.

– Marte?

– Seus olhos, eles tem cor de Marte.

Não consegui formular uma resposta, apenas a beijei lentamente, nos permitindo por um momento transbordar da nossa conexão inenarrável. 

Quase sem quererOnde as histórias ganham vida. Descobre agora