Capítulo 5

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Ana.

A reunião começou, assim que me sentei a mesa, senti minhas bochechas corando, a mulher que havia visto mais cedo estava sentada na minha frente, me encarava discretamente com um olhar pesado, senti o calor em baixo das minhas pernas, qualquer um dentro daquela sala poderia sentir o clima que estava rolando.

-Vitória Falcão, ela é estagiária, trabalha com os advogados da família.

Marcelo, representante da universidade, me disse ao perceber que eu a encarava.

Meu estômago revirou com a informação, a sensação de repúdio junto com a excitação causada pelo nosso contato visual me deixou confusa.

Comecei a prestar meu depoimento conforme a orientação que recebi. Quando o Dr.Carlos começou a falar, ele apresentou uma receita diferente da que chegou às minhas mãos, as enfermeiras que trabalharam conosco naquela tarde, estavam de cabeça baixa, apenas concordando com os absurdos que ele dizia. Um burburinho começou na sala, senti o desespero tomar conta de mim, sem aquela receita, era apenas a minha palavra contra a dele, e naquele momento eu tive a certeza de que minha carreira tinha acabado.

Os advogados da família estavam agitados, discutiam entre si há alguns minutos, e como todos na sala já estavam alterados com a demora da reunião, ela acabou sendo suspensa por duas horas.

Sai da sala em direção ao banheiro, quando avistei no pequeno corredor antes da sala principal Vitória, dois homens e a mãe da paciente conversando baixo, tentei evitar, mas acabei ouvindo algumas frases soltas:

-Eu sabia que ele iria comprar algumas pessoas, mas não pensei que fosse chegar ao ponto falsificar a receita. - Um dos advogados disse.

-Não acredito que ele fez exatamente a mesma coisa do ultimo caso, a justiça desse país é uma palhaçada. –Vitória completou.

-Não precisa se preocupar, iremos tomar todas as providencias necessárias, ele não escapa dessa vez.

Disse outro homem para os pais.

Percebi que Vitória me notou, e virei meu corpo rapidamente segurando minha respiração, não adiantou, ela passou por mim e disse o mais discretamente possível:

– Me segue. - Olhei pros lados enquanto ela se afastava, e sem hesitar, a segui.

Vitória entrou em um armário, aquele famoso armário onde ficam as vassouras e escovões, a adrenalina do momento fazia todo meu corpo pulsar em direção daquele vulto albino á minha frente.

E sim, eu sabia que fossemos vistas, todo meu processo estaria em jogo, afinal, eu não podia me aliar à família da paciente, mas minha mente e meu corpo não trabalhavam juntos naquele momento. Assim que entrei, tranquei a porta atrás de mim.

–Seu supervisor já esteve envolvido em um caso parecido há cerca de dois meses atrás. - Ela disse rápido com o rosto próximo do meu, o armário era muito estreito, o que fazia nossos corpos se encostarem levemente. –Sabemos que há algo de errado com aquela receita, e precisamos da sua ajuda para provar.

–Prazer, Ana Clara Costa. – Disse em tom sarcástico.

–Vitória, Vitória Falcão. - Ela deu um meio sorriso, e involuntariamente mordi meus lábios desviando o olhar para baixo. –Desculpa à falta de apresentação, você entende a nossa situação.

–Entendo, mas voltando, como eu poderia ajudar? E por que vocês estão me ajudando?

–Eu estou ajudando. - Ela me corrigiu. – Conheço bem o tipo de homem que Dr.Carlos é: irresponsável, arrogante, e usa o dinheiro a influencia que tem pra sair impune de crimes como esse.

–Ainda continua sendo a minha palavra contra a dele.

–Temos uma foto da receita original, e é ai que você entra. - Olhei com a maior cara de interrogação no rosto e ela prosseguiu. – Como você continua sendo funcionaria do hospital, você pode tentar acessar a ficha da paciente, toda a medicação aplicada, inclusive a que a levou ao coma esta lá, assinada por Dr.Carlos.

Analisei a proposta, não seria nada simples acessar essa ficha, mas minhas colegas de quarto poderiam fazer isso por mim, me senti estupida por não ter pensado nisso antes. Senti o olhar de Vitória me fitando por longos segundos antes de dizer minha resposta.

–Fechado. - Disse por fim olhando seu rosto, o calor dentro do armário, fazia o clima ficar cada vez mais tenso, pequenas gotinhas de suor já se formavam na testa dela, e nossas respirações pesadas se misturavam, seus fios pareciam querer pular pra fora do coque alto em sua cabeça, senti sua mão passar por minha cintura e parar no meu bolso, sua boca se aproximou do meu ouvido e disse:

–Me liga assim que sairmos do hospital. - Ela disse e aproximou demais sua boca da minha orelha, seu hálito quente me fez pulsar e suspirar fundo. Senti um pequeno volume no meu bolso, era um cartão, ouvi a porta sendo destrancada, e sai minutos depois ainda tentando processar o que havia acontecido.

A reunião acabou duas horas depois, ás 16h da tarde, conversei com meus advogados por um tempo, e expliquei o plano de tentar acessar a ficha da paciente. Os advogados da família decidiram seguir com o processo, a luta agora seria para provar a minha inocência e condenar o meu supervisor.

Sai do hospital direto para casa, estava exausta e ainda confusa pelo episodio no armário, só de lembrar as nossas respirações misturadas e da sua frase ao meu ouvido, meu corpo se contrai. Cheguei ao meu apartamento e decidi conversar logo com as meninas, que aceitaram me ajudar de cara, como provavelmente a ficha havia sido alterada no banco de dados do hospital, elas teriam que instalar um programa no computador para poder recuperar o que foi adulterado, não seria nada simples, mas felizmente eu me senti extremamente acolhida e recebi total apoio delas.

Após tomar banho e jantar, deitei na cama e um turbilhão de lembranças daquele dia me alcançou, me rendi à exaustão e adormeci. 

Quase sem quererWhere stories live. Discover now