Capítulo Quatro:

1 0 0
                                    

Foram dias até que Selene o encontrasse. Dias, vagando por ruas estreitas, vielas, entre pessoas e comércios. Porém, não havia como entrar numa fuga discreta, dos Anjos que deixará para trás, se suas roupas de dormir não eram tão discretas. Felizmente, não foi preciso que Selene fizesse algo que ultrapassasse sua índole. Ela ainda agradecia mentalmente as senhoras de um convento que lhe doaram um elegante vestido preto, com mangas extensas para o frio. E assim, sobrevivendo de seu desejo por encontrar quem procurava, Selene passou os dias seguintes caminhando por entre as ruas daquela cidade, vendo diversas imagens em suas pálpebras a cada vez que fechava os olhos. Alexander Ryce, era seu nome. Ele tinha pais religiosos e um casal de irmãos pequenos. Já tinha sido entregador de jornais quando mais jovem até começar a trabalhar como lenhador, ganhando um porte físico avantajado que chamava a atenção de Selene, mesmo antes de sua queda. Ela era seu anjo, sua protetora. Esteve ao seu lado, invisível, a cada noite mal dormida, a cada pesadelo tenebroso, quando sua irmã ficou doente, e ele precisou trabalhar mais, assim como o pai, para conseguir dinheiro para o doutor e seus remédios, e quando ele própio ficou doente, uma gripe forte, que fez a família passar dias e noites em claro. Selene sempre esteve ali, na beira de sua cama. Não deveria sentir nada por ele, mas ela sempre o desejou. Sempre o amou quando isso era a sua maior fraqueza, sua maior punição. Talvez ela estivesse destinada a cair, destinada a pertencer a ele. Alimentando se de suas fantasias e informações sobre Alexander, foi assim que Selene finalmente o encontrou seguindo uma vaga lembrança de antes de sua queda. A floresta onde ele cortava lenha ficava aos arredores da cidade. Selene havia a muito perdido a noção do tempo, isso era algo muito mais simples de controlar quando ainda estava no Céu, mas agora havia muito, muitos detalhes. Ela apenas torceu para que ele estivesse ali, quando adentrou a penumbra da floresta em uma tarde.
As copas eram mais altas do que Selene tinha em lembrança, e bloqueavam mais a luz do que o esperado. Engolindo em seco, com passos hesitantes, a anjo quase gritou em sua voz celestial, quando escutou o ruído alto de algo sendo cortado. Madeira. Alexander.
Isso a encheu de expectativa em um momento, e o medo a deixou, como se soprado por uma ventania. Seus passos eram agora confiantes, seguindo o mínimo de luz, até que a floresta se abrisse em uma clareira, onde o som se tornava mais alto. Por trás das árvores, Selene o observou: Era o homem de quem se lembrava, os cabelos loiros, caindo pelos olhos, as mangas arregaçadas exibindo braços esculturais, mãos brandindo um machado que se fincava continuamente em uma árvore. Selene observou, o homem que cuidou e amou antes mesmo que soubesse o que isso significava, ali, a distância é intocado até que sua vista foi denunciada por um suspiro involuntário. Atrás das árvores, Selene assistiu, Alexander congelar, os olhos passeando hesitantes por todo o perímetro da clareira. Ao invés de largar o machado, ela o viu aperta lo com ainda mais força.
- Olá? - disse ele, em sua voz quase rouca, e Selene estremeceu - Sei que há alguém aqui - anunciou - Se não estiver aqui pra fazer mal, então não há por que se esconder...
Isso atraiu a atenção de Selene. Ele não se atreveria a machuca lá. Nunca. Alexander não era assim, é ela viveu a muito com ele, para saber disso. Ele se defenderia se preciso. Mas não a atacaria.
Tomada por uma onda de coragem, a Anjo deixou as sombras, hesitante, caminhando em sua direção, sendo tomada pela luz da clareira. A primeira reação nos olhos de Alexander foi surpresa.
- Oh - ele expirou, apoiando o machado no chão- Não é qualquer pessoa quem consegue ter noção do por onde caminha nessa floresta. Ainda mais uma dama - ele não escondeu a admiração em sua voz - Você está perdida, senhorita?
Selene se obrigou a desviar sua alma que desejava ir de encontro a dele, atraída por aquela voz.
- Não - disse ela, num sussurro tímido
Alexander balançou a cabeça.
- Desculpe...
- Não. Como você disse, sou uma dama que se aventurou longe demais da cidade, mas não estou perdida -disse Selene surpreedendo se com a potência de sua voz, e o sotaque arrastado que ouvirá tantas vezes na voz de Alexander
- Minha nossa - ele se admirou
- Na verdade - Selene continuou sentindo seu estômago a sufocar - Eu estou aqui por que... estive procurando por você. Alexander Ryce.
Isso fez com que os músculos de Alexander se retesassem.
- Desculpe senhorita... - começou ele, sério - Mas nós nos conhecemos antes?
Antes. Imagens de "antes" invadiram a mente de Selene como em breves choques, momentos trocados com alguns amigos e família. Selene sabia tudo sobre Alexander Ryce. Viveu uma vida com ele e ainda sim, ela nunca esteve realmente lá.
Ferida desde a queda e ansiosa por ser consertada, as palavras se despejaram dela, como uma fonte ininterrupta:
- Eu o conheço desde sempre - começou ela, quase sorrindo - Eu estive lá quando você deu seus primeiros passos. Estive lá do seu lado, assistindo a reunião de família dos Ryce. Estive lá quando seu pai lhe conseguiu seu primeiro emprego, como entregador de jornais. Estive lá quando você se amou sua primeira garota. Estive lá quando você teve pesadelos. Eu fui quem lhe enviou bons sonhos, bloqueando os pesadelos de tocarem sua mente...
Os lábios de Alexander estavam separados, e seu olhar baixo, enquanto ele parecia sem ar.
- Eu não entendo - disse ele - Como... Como você pode saber de tudo isso? Eu tenho certeza de que nunca a vi antes.
- Você não podia me ver - algo quente se acumulou nos olhos de Selene - Deus não permite que os olhos mortais vejam seus anjos.
- Anjos? - repetiu Alexander, incrédulo. Então de repente ele sorriu, esfregando os olhos com a mão livre do machado, rindo verdadeiramente, fitando as copas das árvores e a luz que de lá vinha - Pensei que os pesadelos já fossem um indício mas agora tenho certeza de que estou enlouquecendo.
- Você não está! - Selene insistiu, tentando se aproximar dele, mas Alexander, em modo alerta brandiu o machado entre eles. Selene fitou a lâmina engolindo em seco e então seu rosto perturbado, abaixando a mão - Meu nome é Selene, e eu era uma anjo celestial. Do Céu, os quais você reza toda noite - lembrou ela - Seus pais acreditam nele. Por que você não pode acreditar?
- Isso é uma insanidade! - ele quase gritou em agonia - O único anjo a cair do céu foi Lúcifer e hoje ele comanda os abismos do inferno. Você não é um anjo por que anjos não existem nessa terra. Eles são inalcansaveis. Por que estão no Céu.
- Assim como eu era inalcansavel - explicou Selene - Mas eu o acompanhei. O vi crescer e se tornar quem é hoje. E eu... acabei amando você - Alexander não teve palavras para repreende lá ele apenas permaneceu parado como uma estaca. Selene permaneceu no lugar - Nenhum anjo deveria sentir nada por mortal algum, o unico que devemos amar é Deus. Mas... eu senti algo por você e... Deus me expulsou - disse ela, trazendo a amarga lembrança da queda a tona. A sensação de cair e queimar, como um pedaço de papel em chamas, sentindo seus pedaços ficarem para trás. - Eu estou aqui, em frente a você, por que eu cai por sua causa. Por que eu o amo. E por que... - Selene respirou fundo - Eu queria encontra lo mais uma vez. Queria que me conhecesse que ao menos soubesse que eu existo - Selene chorou - Que de uma forma ou outra eu sempre estive com você. E quero continuar a estar. Sempre. Se você me permitir ficar.
Alexander soltou o machado no chão e se virou com as mãos na cabeça, antes que Selene pudesse ver seu rosto. De costas ele parecia estar tremendo. Assim como ela, ele estava chorando.
- O que há de errado comigo? - Ela o ouviu dizer, num sussurro - Por que eu estou enlouquecendo...?
- Você não está... - Selene começou mas foi cortada por sua voz, gritando de volta
- Sim, eu estou! Por que você é uma mentira - disse ele trêmulo - Isso é uma mentira e... eu não entendia que os pesadelos eram o início de algo tão pior. Que logo eu começaria a ter alucinações... - ele chorou - Isso... isso não é real.
- Então não tente apenas iludir a si mesmo - retrucou Selene, entre lágrimas, estendendo sua mão para ele - Prove a si mesmo que isso não é real e me toque. Se eu não for real, você não vai conseguir me tocar. Vai ir pra casa. E vai me esquecer. Mas se eu for... você vai ter que acreditar em mim. Que eu sou seu anjo. E que... - Eu o amo, ela queria soltar as palavras que a sufocavam - Eu estou disposta a fazer tudo por voce. Sempre.
Alexander fitou a mão de Selene a meio caminho dele, e então num movimento rápido, sacou o machado do chão, estendendo o entre os dois.
- Você não vai me tocar - anunciou ele, fazendo a lâmina tremer - Me deixe ir. Agora.
A mão de Selene hesitou no ar.
- Você não tem idéia do que está perdendo - tentou dizer, mas ele a interrompeu
- Se você é quem diz que é. E... me ama - cuspiu ele, severamente - Me deixe ir. E eu espero nunca mais alucinar com você novamente.
Ele está assustado, pensou Selene. Eu estou assustada. Ele acha que está enlouquecendo. E de que maneira eu poderia provar que não está, sendo incrédulo desta maneira?
Hesitante, Selene abaixou o braço, e se afastou dele com o rosto ensopado em lágrimas.
Alexander apertou a lâmina em sua mão, antes de aponta lá em seu direção, mantendo a a cada passo que dava em sua direção, contornando a, até desaparecer da clareira mergulhando na escuridão da floresta, com um último olhar insano.
Não haviam mais lágrimas ou dor suficiente, para expressar o que a anjo sentiu.
Naquele instante, Selene morreu mil vezes, enquanto pensava no homem por quem recusou o céu, fugindo, para além de seu alcance, e cada vez mais longe de suas asas.

Anjos de Sangue: OrigensWhere stories live. Discover now